Já agora, ocorre-me mais uma fraqueza intrinseca do liberalismo:
a maior parte das pessoas desenvolvem as suas ideias políticas indutivamente, isto é, pegam nas suas experiências do dia-a-dia e generalizam; nomeadamente, não é raro desenvolverem as suas ideias sobre a sociedade global e sobre o Estado a partir das experiências que têm nas micro-sociedades em que se integram (empresa, familia, etc.) - p.ex., se observarem um grupo de pessoas a discutirem a regionalização, quase de certeza que começam a dar exemplos (a favor ou contra) derivados das reorganizações na empresa onde trabalham (adepto da regionalização: "desde que o responsável passou a estar em Lisboa, isto já não funciona como devia - até o jardim está ao abandono"; adversário: "lá onde trabalho, fizeram uma descentralização e só serviu para criar mais chefes; agora queremos uma coisas, temos que passar por não sei quantos pessoas").
Ora, acho que é dificil chegar ao liberalismo a partir dessa generalização do "micro" para o "macro". É verdade que há experiências a nivel "micro" que até poderiam convencer alguém das vantagens da iniciativa individual sobre a direção centralizada; p.ex., um aluno pode achar que aprende melhor lendo sozinho do que ouvindo o professor falando na aula; um trabalhador pode achar que é mais produtivo quando o deixam fazer as coisas à sua maneira do que quando os gestores de topo vêem "com ideias". No entanto, como (em partes por razões intrinsecas, em parte devido à sua parceria estratégica com o conservadorismo), hoje em dia, o liberalismo até está muito associado a temas e ideias como a autoridade dos professores ou ao papel "fundamental" dos gestores numa organização, é dificil alguém se converter ao liberalismo por essa via (por outras palavras, o liberalismo é critico dos mecanismo top-down a nivel macro-social mas muitas vezes é a favor a nivel micro-social, o que cria uma especie de dissonância intelectual).
Compare-se com as outras ideologias que, quer estejam a falar da familia, de uma sala de aula, de um local de trabalho, do país ou das relações internacionais, normalmente defendem sempre a mesma coisa: para a esquerda radical, "de um lado estão os oprimidos, do outro os opressores"*; para a esquerda moderada, "é necessário dialogar e tentar chegar a uma solução do agrado de todas as partes interessadas"; para a direita clássica, "é preciso uma liderança forte".
Até se pode argumentar que há muitas situações em que o que funciona num pequeno grupo não é o melhor para um grande; mas, mesmo que logicamente seja esse o caso, é dificil psicologicamente chegar a essa conclusão.
*bem, hoje em dia não é muito o caso no que respeita à sala de aula, já que provavelmente a maior parte dos radicais de esquerda são professores...
1 comment:
"o liberalismo é critico dos mecanismo top-down a nivel macro-social mas muitas vezes é a favor a nivel micro-social, o que cria uma especie de dissonância intelectual"
os fidalgos querem mandar na plebe mas não querem o rei a mandar neles né ...
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