Friday, February 12, 2010

Re: O Delfim

Fernando Gabriel acerca de Joseph Stiglitz (via O Insurgente):
[U]m manifesto ideológico assente em duas ideias fundamentais. A primeira é aquilo que designa como a "doutrina Krugman-Stiglitz": em situações de insuficiente procura agregada, os governos devem responder com um aumento "esmagador" (sic) da despesa pública. A segunda é que esta crise, pela gravidade "sem precedentes" das suas consequências, deverá servir para uma ampla reprogramação política do mundo. Sucede que a evidência empírica disponível não sustenta a ambição racionalista e é altamente problemática para a "doutrina", como demonstram Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff no francamente recomendável This Time is Different (Princeton, 2009). Uma das conclusões mais importantes deste estudo refere-se ao comportamento do valor real da dívida pública. Não só tende a aumentar de forma explosiva na sequência dos colapsos financeiros, como a principal causa deste aumento não é o custo da recapitalização do sistema bancário: é o efeito cíclico da quebra das receitas fiscais, combinado com o aumento contra-cíclico da despesa pública. Ou seja: o hiper-keynesianismo da "doutrina Krugman-Stiglitz" agrava substancialmente os desequilíbrios macroeconómicos decorrentes das crises financeiras.
Independentemente das teorias "neo-keynesianas" (ou "hiper-keynesianas") estarem ou não correctas, acho que o argumento de FG para dizer que estão erradas não faz grande sentido. O que a teoria keynesianisao/neo-keynesianisma/hiper-keynesianisma diz é que, quando há uma recessão, deve-se aumentar o deficit público (logo, implicitamente, a dívida pública, que mais não é que a soma dos deficits presentes e passados).

Portanto, o que FG está a dizer é que, como a aplicação de uma teoria que defende (durante as recessões) o aumento da dívida pública tem levado... ao aumento da dívida pública, isso significa que a teoria está errada.

Isso parece-me fazer tanto sentido como, sei lá, um socialista argumentar que a aplicação de ideias liberais num dado país levou à redução das despesas sociais do Estado e, portanto, isso "prova" que os liberais estão errados; e o sentido que ambos os raciocinios fazem é... nenhum!

O aumento da divida pública durante as crises de procura não é um "bug" do keynesianismo (algo que indique uma falha do modelo), é uma "feature" essencial (quase que diria a "feature" essencial) do modelo.

8 comments:

PR said...

Também me pareceu um bocado disparatado.

O texto faria sentido se o Krugman e o Stiglitz defendessem que a despesa pública teria um efeito multiplicador no PIB capaz de arrastar as receitas fiscais e, assim, contribuir, num momento posterior, para a diminuição da própria dívida pública (uma espécie de curva de Laffer ao contrário). Mas, tanto quanto sei, eles não dizem isto.

Já agora, será que faz muito sentido haver tanta preocupação com a dívida pública global? Do ponto de vista da solidez financeira de cada Estado, até pode fazer; mas, do ponto de vista macroeconómico mundial, parece-me que estamos perante uma situação bastante próxima da Equivalência Ricardiana.

rui fonseca said...

A mim o que me parece é que FG não leu o livro ou não leu o livro todo.

É certo que Stiglitz foi (é) favorável à injecção monetária massiva em caso de recessão.
Mas "Freefall" é sobretudo um ataque à forma como essa injecção foi feita.
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E, quanto a este aspecto, ao juntar repetidamente as administrações Bush e Obama no mesmo saco de responsabilidades,
parece-me cometer uma injustiça flagrante: porque quando Obama toma posse essa injecção massiva de apoio ao sistema financeiro já havia começado.
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Segundo Stiglitz, a injecção moetária massiva foi mal direccionada, beneficiou os infractores e, pior do que isso, os responsáveis pela crise não só se mantêm impunes como continuam a apropriar-se descaradamente de bónus nas instituições que só sobreviveram porque o Estado as resgatou.
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A mim parece-me que Stiglitz faz uma análise muito clara da evolução da situação mas não é realista quando critica a ausência de um plano no ataque à crise que tivesse direccionado melhor os fundos lançados sobre ela.

E parece-me irrealista porque, em caso de incêndio de proporções muito anormais, o que é normal não é perder-se tempo a discutir o melhor plano (o que é isso?) mas
actuar imediatamente, correndo o risco de muitas acções serem mal direccionadas.
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Freefall é sobretudo uma contribuição para que se previnam incêndios futuros. E a este respeito continua mais ou menos tudo na mesma. Essa é que é a grande questão.
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O que é que advoga FG&Cª? Que o sistema fosse deixado arder em nome da sacrossanta (deles) liberdade dos mercados e do equilíbrio a que, está demonstradíssimo, os mercados financeiros não tendem?
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Vou colocar algumas transcrições de "Freefal" no meu caderno de apontamentos com as quais procurarei confirmar o que digo.
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A juntar aquele que coloquei há tempos
http://aliastu.blogspot.com/2010/01/freefall_26.html
elucidativo que as teorias dos economistas variam consoante os pontos de vistas.

Miguel Madeira said...

Bem, mas na parte da critica à forma como os bancos foram salvos, parece-me que o FG até concorda com o Stilglit (e a verdade da "meia-verdade").

rui fonseca said...

"mas na parte da critica à forma como os bancos foram salvos, parece-me que o FG até concorda com o Stilglit"

Olhe que não, olhe que não. Se concordasse com o Stiglitz em que é que discordava?

Miguel Madeira said...

"Se concordasse com o Stiglitz em que é que discordava?"

Na questão da expansão da despesa pública para estimular a economia.

rui fonseca said...

Freefall é sobretudo uma crítica à forma como os estímulos foram feitos e os destinatários preferenciais deles (os bancos).

Aliás, Stiglitz é da opinião que, se fossem orientados de outro modo, teriam sido mais reduzidos.

Com o que FG discorda em absoluto por razões ideológicas calcificadas é na proposta insistente de Stiglitz na reformulação de todo o sistema financeiro. E diz porquê.

Dei-me ao trabalho de transcrever algumas afirmações de Stiglitzm para o meu caderno de apontamentos
para que, quem não leu ainda o livro, ou o leu apressadamente, ou preconceituadamente, possa rever as suas conclusões.

O que, reconheço, será difícil porque, como afirma Sitiglitz

" In psychology, there is phenomenon called escalating commitment. Once one takes a position, one feels compeled to defend it."

Não creio que seja o caso de Stiglitz como quer fazer crer FG.

Pela minha parte, ficaria agradecido que alguém me demonstrasse o contrário.

CN said...

Poder-se-ia perguntar como é que existiu crise em primeiro lugar.

Afinal, pode-se dizer que existiu expansão monetária e crédito para financiar a construção de casas compradas pelas pessoas, algo incentivado (directamente ou em indirectamente) por todos os governos.

Se esta expansão resulta numa bolha e crise, porque é que uma nova expansão monetária e dívida agora para ser o Estado a investir nisto ou aquilo, poderá curar a anterior?

rui fonseca said...

Freefall não é um livro para explicar a necessidade de intervenção do Estado, através da autoridade de emissão moterária de injecção massiva de liquidez na economia quando a confiança no sistema financeiro se desmorona.

Isso já foi explicado, não justifica mais livros e muito menos de Stiglitz.

A bolha, mais do que a resultante de um excesso de liquidez, resultou de manobras (criminosas em grande parte) que espalharam pelo mundo produtos, ditos tóxicos, com o objectivo de ludibriar quem os comprou.

Foi esse ludíbrio que, quando atingiu níveis que já eram indisfarçáveis, mostrou a sua dimensão e provocou o derrube do sistema.

Eu vi, aqui, nos EUA, na altura, pequenos e toscos cartazes a anunciar empréstimos garantindo casa para o dia seguinte. Só não viu qum não quis ver.

Ora é, fundamentalmente, para prevenir que esta situação possa ocorrer no futuro que Stiglitz escreveu Freefall.

É evidente que ninguém pode garantir (e Stiglitz diz isso) que não possa tanta liquidez injectada (mal injectada segundo ele, em muitos casos) determinr um surto inflacionista imparável. Bernanke garante que isso não acontecerá.

Não tenho nenhuma razão par duvidar dele.