Uma possivel discussão entre um "keynesiano" e um "austríaco":
A - Mesmo que a poupança não seja investida mas posta no banco numa conta à ordem não há problema; num sistema de reservas fraccionárias esse dinheiro vai à mesma ser emprestado e acabará por ser gasto ou investido
K - Não, porque o banco não pode emprestar tudo; há sempre uma reserva que tem que ficar nos cofres
A - Isso é ínfimo
Neste post proponho-me demonstrar que, mesmo que as reservas sejam ínfimas (10%, 1%, 0.001%, etc), esse efeito não é infímo e acaba mesmo por ser indiferente qual a taxa de reserva.
Imagine-se uma economia cujos habitantes têm um rendimento total de 100.000 euros e depósitos à ordem no valor de 10.000 euros (tudo isto são valores nominais). Vamos imaginar que, até agora, a situação é estável.
Então, por qualquer razão, os habitantes decidem que querem acumular mais dinheiro - em vez de 10.000 euros, querem passar a ter 15.000 euros depositados.
Vamos supôr primeiro uma economia com reservas integrais - i.e., os 5.000 euros adicionais que vão ser depositados não vão ser emprestados.
Assim, temos que, no total, os habitantes iriam querer gastar menos 5.000 euros do que ganham; mas (assumindo uma economia fechada) como a despesa de uns é o rendimento de outros, isso é impossível; se os habitantes quiserem mesmo acumular mais 5.000 euros, a economia iria reduzir-se a zero (pelo menos em termos nominais), com toda a gente a querer vender e ninguém a comprar (afinal, se eu não tenho rendimentos e ainda quero poupar dinheiro, o que tenho que fazer é não comprar nada e ainda tentar vender alguma coisa).
Claro que essa hipótese é irrealista - à medida que o rendimento nominal desce, os habitantes provavelmente também irão querer ter menos dinheiro acumulado; portanto, agora vamos supor que o que os habitantes realmente querem é ter depositos no valor de 15% do seu rendimento. Nesse caso, temos:
Entesouramento = 0,15*Rendimento - 10.000 [isto é, será a diferença entre o dinheiro que querem ter no banco e o que já têm]
Gastos = Rendimento - Entesouramento [isto é, os indivíduos pegam no seu rendimento, põem uma parte no banco e gastam o resto]
Rendimentos = Gastos [isto é, o rendimento de cada individuo corresponde aos gastos feitos pelos outros ao comprar-lhe coisas, logo o total dos rendimentos corresponde ao total dos gastos]
Assim, a economia tenderá a convergir para um rendimento nominal de 66.667 euros- nesse nível os indivíduos quererão ter depósitos no valor de 10.000 euros (15% de 66.667), pelo que o entesouramento adicional será nenhum (eles já têm 10.000 euros), e os gastos serão iguais aos rendimentos.
Agora vamos supor que os bancos só praticam 10% de reservas. Nesse caso, o desejo de ter 15.000 euros no banco não levará a uma redução dos gastos totais em 5.000 euros, mas apenas em 500 euros (já que o banco vai emprestar os outros 4.500); mas continua à mesma a existir o "problema" - o total dos indivíduos vão querer gastar menos 500 euros que ganham, o que é impossível no conjunto.
Então aí iríamos ter:
Entesouramento = 0,15*Rendimento - 10.000
Gastos = Rendimento - 0,1*Entesouramento [isto é, 10% do dinheiro que é depositado - as reservas - não é gasto]
Rendimentos = Gastos
E qual é o desfecho de uma situação destas? O rendimento tenderá a cair para.... 66.667 euros (é fazer as contas, como diria o alto-refugiado).
E se as reservas forem de 1%? Fica como um exercício para os leitores.
Mas vamos nos deixar deste exemplo pseudo-empírico e fazer uma análise mais abstracta:
A quantidade de dinheiro existente numa economia (vamos chamar-lhe "Ms") é igual (ou anda lá perto) à quantidade de notas,/moedas/barras de ouro/ sementes de cacau/outra-coisa-qualquer-que-aconteça-ser-a-moeda existentes (vamos chamar-lhe "M0") a dividir pelo rácio de reservas (vamos chamar-lhe "r") praticado pelos bancos:
1) Ms = M0/r
(num sistema de reservas integrais, r=1 e portanto Ms=M0)
Por outro lado, é de admitir que a quantidade de dinheiro acumulado que os agentes querem ter (vamos chamar-lhe "Md") seja proporcional ao seu rendimento nominal (vamos chamar-lhe "[Y.IP]"):
2) Md = [Y.IP]/v
(quanto menos for "v", maior a tendência para querer acumular dinheiro)
Já concluímos também que a quantidade de moeda que os agentes querem ter tem que ser igual à quantidade realmente existente (se for maior, toda a gente irá querer gastar menos do que ganha, reduzindo o rendimento nominal total; se for menor, acontecerá o inverso):
3) Md = Ms
Juntando 1), 2) e 3) temos então que:
[Y.IP] = M0*v/r
Ou seja, um aumento da tendência a acumular dinheiro (isto é, uma diminuição de "v") vai sempre provocar uma diminuição do rendimento nominal, independentemente de qual for o rácio das reservas bancárias.
Atenção que este post não pretende refutar o essencial do caso "austríaco" a favor da poupança, apenas a sub-teoria (que penso nem ser relevante para a TACE) de que com reservas fraccionárias a acumulação de dinheiro não tem mesmo efeitos nenhuns.
Saturday, October 02, 2010
Acumulação de moeda e reservas fraccionárias
Publicada por Miguel Madeira em 01:30
Etiquetas: teoria dos ciclos na economia
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