Tomás Belchior, n'O Insurgente, dá a entender que os críticos do "consumismo" deveriam estar contentes com as medidas de austeridade ("Já se esqueceram que uma vida baseada no consumo desenfreado está errada, que o nosso materialismo magoa a Mãe Natureza, que devíamos voltar a ter hábitos “sustentáveis” como tínhamos no passado? É a isto que sabe a transição para uma vida mais simples, mais feliz. Façam bom proveito").
Note-se que o que os "anti-consumistas" costumam dizer é "deveríamos consumir menos e trabalhar menos - se não fossem as necessidades artificiais da sociedade de consumo, poderíamos trabalhar só dois [ou qualquer valor menor que 5] dias por semana e termos mais tempo para actividades de auto-expressão em vez do corrida de ratos consumo estupidificante - trabalho estupidificante", por vezes acompanhado por referências a alguma tribo obscura que, segundo algum antropólogo, não passará tempo quase nenhum a trabalhar.
Essas pessoas não tem grande razão para ficarem contentes com as reduções salariais - realmente têm a redução do consumismo, mas não a concomitante redução do trabalho.
E quanto a despedimentos? Aí realmente têm a redução do consumo e do trabalho (mais exactamente, algumas pessoas reduzem o seu consumo e drasticamente o seu trabalho...); mas o desemprego não é uma situação estável (mesmo com "Estado Social" não é possível alguém sobreviver indefinidamente no desemprego), e, por outro lado, normalmente até leva os não-desempregados a trabalhar mais (para não serem os próximos a serem despedidos), assim também não há grande razão para os anti-consumistas se entusiasmarem com o aumento do desemprego (mas quem procurar bem poderá encontrar alguns artigos dizendo que esta crise é uma excelente oportunidade para levar os desempregados a abandonarem o sistema e fazerem hortas artesanais nos terrenos vazios dos arredores urbanos).
Mas, se em vez de reduções salariais e/ou desemprego, o que houvesse fosse uma redução salarial acompanhada de uma redução equivalente do horário de trabalho (ou seja, em vez de 10% das pessoas irem para o desemprego, 10% de cada pessoa ir para o desemprego*)? Nesse caso, tenho que admitir que até faria sentido os anti-consumistas serem a favor da austeridade, recessões, etc.
Mas isto lembra-me de outra questão (que na verdade é o motivo que me leva a fazer um post sério em resposta a um post a brincar) - quando há uma recessão e o PIB decresce para aí 1%, toda a gente acha uma tragédia; mas na vida individual, uma redução de 1% no rendimento mal se nota (no meu caso, a diferença nos dias do subsidio de refeição leva o meu vencimento oscilar mais que 1% de um mês para outro). O grande problema de uma recessão é que uma queda de 1% no PIB representa para algumas pessoas (nomeadamente as que vão para o desemprego) um queda brutal no seu rendimento pessoal. Mas numa sociedade em que uma queda do PIB de 1% levasse uma redução de 1% no rendimento de quase toda a gente e sairem do trabalho meia hora mais cedo à sexta-feira (ou terem mais dois dias de férias nesse ano), as recessões seriam praticamente inofensivas.
Leitura adicional: Re: Krugman e os ciclos
*dá-me impressão que no fundo é essa a essência do tal acordo que há anos dura na fábrica da Ford-Wolkswagen: em vez de haver despedimentos, os trabalhadores têm aumentos salariais mais reduzidos e dias de folga adicionais (ou seja, em vez de uns serem despedidos, toda a gente é "despedida" um bocadinho - trabalham menos uns dias e ganham um salário menor do que seria noutras condições)
Saturday, October 23, 2010
Austeridade, consumismo e recessões
Publicada por Miguel Madeira em 01:38
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