N'O Insurgente, A.A.Alves fala da "infecção trotskista" (e quer-me parecer que aproveita para dar algumas alfinetadas nos neo-conservadores...).
A respeito de Trotsky, parece-me que há uma "lenda dourada" e uma "lenda negra", ambas parciais.
A "lenda dourada", defendida pelos trotskistas e grupos aparentados (como os "socialistas internacionais") apresenta Trotsky como o grande defensor da democracia operária na URSS contra a "degeneração burocrática". Ora, nos primeiros anos da revolução, Trotsky foi um dos principais impulsionadores da tal "degeneração burocrática": foi Trotsky que reinstalou os oficiais do czar no comando do exército e aboliu (ou, pelo menos, limitou) os "comités de soldados"; foi Trotsky quem, a principio, mais defendeu a "autoridade do dirigente individual" na indústria, contra a gestão colectiva pelos "comités de fábrica" (a respeito disso, leia-se "Os bolcheviques e o controle operário", de Maurice Brinton, publicado pela colecção "O Saco de Lacraus" das Edições Afrontamento).
Na questão da relação entre o Estado e os sindicatos, a principio Trotsky foi quem mais defendeu a submissão dos sindicatos ao Estado (já que estou numa de recomendação bibliográficas, leia-se "A plataforma da Oposição Operária", de Alexandra Kollontai, também publicada n'"O Saco de Lacraus"). No entanto, refira-se que Trotsky mudou rapidamente de posição nessa matéria: a questão dos sindicatos começou com uma polémica entre Trotsky e Bukharine no politburo do PC, polémica essa perante a qual se definiram as várias facções que se apresentaram ao congresso de 1921 do PC. Ora, no final da "campanha eleitoral" para esse congresso, já Trotsky e Bukharine (inicialmente os opostos em confronto) tinham fundido as suas moções numa só!
Além disso, na Ucrãnia e em Kromstadt, Trotsky foi o responsável operacional pela sangrenta repressão contra os anarquistas (esses sim, podem ser considerados como os defensores da "pureza revolucionária").
Dentro dos bolchevique, grupos como a Oposição Operária, os "comunistas de esquerda", o Grupo Operário, a Verdade Operária, etc, foram muito mais coerentes na defesa da "democracia operária".
Agora, também temos a "lenda negra", que apresenta Trotsky como igual ou pior que Estaline, e que não faz qualquer distinção entre trotskistas e estalinistas.
Ora tal posição também não corresponde aos factos: durante os anos 20, Trotsky e a sua facção bateram-se arduamente pelo direito de tendência dentro do partido bolchevique (aliás, a causa primeira de ruptura entre Trotsky e Estaline foi a democracia interna, a questão "revolução mundial vs. socialismo num só país" só surge mais tarde).
Em 1927, a Plataforma da Oposição, redigida por Trotsky, defende, entre outras coisas a negociação colectiva nas empresas (à época, as administrações podiam alterar unilateralmente os acordos de trabalho) e o estabelecimento de um mínimo de 1/3 de não-militantes do PC nas direcções sindicais - uma posição bastante diferente da dos "estalinistas".
Nos anos 30, Trotsky veio a considerar que a ilegalização dos partidos oposicionistas teve grandes culpas na "burocratização" da URSS e criticou duramente a tese que o socialismo implicaria um partido único (Trotsky argumentou que ele e Lenine sempre tinham sido a favor do multipartidarismo e que a ilegalização dos partidos da oposição só tinha ocorrido porque eles haviam se envolvido em acções armadas contra o governo soviético - essa afirmação é muito contestável).
A respeito da liberdade de imprensa, em 1938 Trotsky opôs-se à campanha para abolir a imprensa conservadora no México, argumentando que: a) as leis contra a impresa "reacionária" acabariam por ser usadas contra a impresa de esquerda; e b) que mesmo num regime "proletário", deve haver o mínimo de limites à liberdade de impressa, já que esta é uma defesa contra o aparecimento de uma casta burocrática "bonapartista" (de novo, Trotsky defende a tese que as restrições impostas à impresa após a Revolução de Outubro - segundo ele, devido à Guerra Civil - tiveram grande culpa na "degenerescencia" do regime).
Quando se acusa os trotskistas (e não apenas Trotsky) de "totalitários", a acusação então é completamente absurda: o trotskismo enquanto corrente só surge nos anos 20/30, quando Trotsky defendia posições mais ou menos democráticas, e - pelo menos segundo a biografia de Trotsky por Victor Serge - o grupo trotskista nos anos 20 na URSS até foi criado com base nos grupos que, anos antes, haviam dinamizado a oposição às posições mais autoritárias que Trotsky tinha tido anteriormente.
A respeito de Trotsky, parece-me que há uma "lenda dourada" e uma "lenda negra", ambas parciais.
A "lenda dourada", defendida pelos trotskistas e grupos aparentados (como os "socialistas internacionais") apresenta Trotsky como o grande defensor da democracia operária na URSS contra a "degeneração burocrática". Ora, nos primeiros anos da revolução, Trotsky foi um dos principais impulsionadores da tal "degeneração burocrática": foi Trotsky que reinstalou os oficiais do czar no comando do exército e aboliu (ou, pelo menos, limitou) os "comités de soldados"; foi Trotsky quem, a principio, mais defendeu a "autoridade do dirigente individual" na indústria, contra a gestão colectiva pelos "comités de fábrica" (a respeito disso, leia-se "Os bolcheviques e o controle operário", de Maurice Brinton, publicado pela colecção "O Saco de Lacraus" das Edições Afrontamento).
Na questão da relação entre o Estado e os sindicatos, a principio Trotsky foi quem mais defendeu a submissão dos sindicatos ao Estado (já que estou numa de recomendação bibliográficas, leia-se "A plataforma da Oposição Operária", de Alexandra Kollontai, também publicada n'"O Saco de Lacraus"). No entanto, refira-se que Trotsky mudou rapidamente de posição nessa matéria: a questão dos sindicatos começou com uma polémica entre Trotsky e Bukharine no politburo do PC, polémica essa perante a qual se definiram as várias facções que se apresentaram ao congresso de 1921 do PC. Ora, no final da "campanha eleitoral" para esse congresso, já Trotsky e Bukharine (inicialmente os opostos em confronto) tinham fundido as suas moções numa só!
Além disso, na Ucrãnia e em Kromstadt, Trotsky foi o responsável operacional pela sangrenta repressão contra os anarquistas (esses sim, podem ser considerados como os defensores da "pureza revolucionária").
Dentro dos bolchevique, grupos como a Oposição Operária, os "comunistas de esquerda", o Grupo Operário, a Verdade Operária, etc, foram muito mais coerentes na defesa da "democracia operária".
Agora, também temos a "lenda negra", que apresenta Trotsky como igual ou pior que Estaline, e que não faz qualquer distinção entre trotskistas e estalinistas.
Ora tal posição também não corresponde aos factos: durante os anos 20, Trotsky e a sua facção bateram-se arduamente pelo direito de tendência dentro do partido bolchevique (aliás, a causa primeira de ruptura entre Trotsky e Estaline foi a democracia interna, a questão "revolução mundial vs. socialismo num só país" só surge mais tarde).
Em 1927, a Plataforma da Oposição, redigida por Trotsky, defende, entre outras coisas a negociação colectiva nas empresas (à época, as administrações podiam alterar unilateralmente os acordos de trabalho) e o estabelecimento de um mínimo de 1/3 de não-militantes do PC nas direcções sindicais - uma posição bastante diferente da dos "estalinistas".
Nos anos 30, Trotsky veio a considerar que a ilegalização dos partidos oposicionistas teve grandes culpas na "burocratização" da URSS e criticou duramente a tese que o socialismo implicaria um partido único (Trotsky argumentou que ele e Lenine sempre tinham sido a favor do multipartidarismo e que a ilegalização dos partidos da oposição só tinha ocorrido porque eles haviam se envolvido em acções armadas contra o governo soviético - essa afirmação é muito contestável).
A respeito da liberdade de imprensa, em 1938 Trotsky opôs-se à campanha para abolir a imprensa conservadora no México, argumentando que: a) as leis contra a impresa "reacionária" acabariam por ser usadas contra a impresa de esquerda; e b) que mesmo num regime "proletário", deve haver o mínimo de limites à liberdade de impressa, já que esta é uma defesa contra o aparecimento de uma casta burocrática "bonapartista" (de novo, Trotsky defende a tese que as restrições impostas à impresa após a Revolução de Outubro - segundo ele, devido à Guerra Civil - tiveram grande culpa na "degenerescencia" do regime).
Quando se acusa os trotskistas (e não apenas Trotsky) de "totalitários", a acusação então é completamente absurda: o trotskismo enquanto corrente só surge nos anos 20/30, quando Trotsky defendia posições mais ou menos democráticas, e - pelo menos segundo a biografia de Trotsky por Victor Serge - o grupo trotskista nos anos 20 na URSS até foi criado com base nos grupos que, anos antes, haviam dinamizado a oposição às posições mais autoritárias que Trotsky tinha tido anteriormente.
2 comments:
A questão "revolução mundial vs. socialismo num só país" não só surge mais tarde como é uma invenção do Estaline. Ele até era quem podia mais facilmente ser lido como defendendo uma revolução mundial. Mas o estalinismo sempre teve a capacidade de não deixar os factos interferir com a realidade que ia contruindo.
Se trotsky disse que ele e Lenine não defenderam um partido único, então isso é uma mentira clara. Em relação a Lenine, está a re-escrever a história. É verdade que Lenine não era tão centralizador como Estaline será, mas fora durante os anos que antecedem a tomada de poder um lutador pelo poder do centro face ao resto, ele defende intelectualmente a ditadura como forma de união do povo. "Muito contestável" é uma leitura já benévola. Não vejo que seja possível defender essa afirmação, pelo que toca a Lenine.
Como escreve Orwell, "trotskista" tem vários significados e apenas alguns destes estão de alguma forma relacionados com o que dizia um senhor russo chamado Trotsky.
"É verdade que Lenine não era tão centralizador como Estaline será, mas fora durante os anos que antecedem a tomada de poder um lutador pelo poder do centro face ao resto"
Creio que, antes da revolução de Outubro, o centralismo de Lenine era basicamente "intra-partidário", isto é, ele era a favor de um rígida disciplina dentro do partido. Já no que diz respeito à relação entre partidos, até Abril de 1917, Lenine era a favor de um governo de coligação entre os bolcheviques e os partidos "pequeno-burgueses".
Após a revolução, continuou a haver multipartidarismo na Rússia durante algum tempo (e até ao Tratado de Brest-Litovsk o governo até era de coligação), e realmente acho que os outros partidos só começaram a ser proibidos durante a Guerra Civil. Mas também é verdade que, quando a Guerra civil acabou, a proibição dos outros partidos não só continuou como até se intensificou.
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