Tuesday, June 17, 2008

O que Henrique Raposo quer que o BE seja

Henrique Raposo escreve "Existe um conjunto disperso de pessoas que se juntou ao BE devido às causas - óptimas, aliás, - da “esquerda libertária”: direitos das minorias, ambiente, etc. As causas do pós-materialismo. O problema é que este BE libertário está a ser suplantado por um BE comunista hard core, assente num populismo reaccionario idêntico ao PCP. Há dias vi pessoas ligadas ao BE a defender as hortas no centro da cidade? Que coisa tão salazarenta! A hortazinha “natural”, “portuguesa” contra os produtos de fora e industriais. O que Louçã anda a fazer (populismo atrás de pescadores; sugerir que o governo, através da GALP, controle os preços) é salazarismo reloaded, e a negação do tal cosmopolitismo. Louçã é a negação da esquerda que o BE precisa de ser."

"O BE, neste momento, com Louça a vibrar, não passa de um PSR com ar «cool». Um PSR que é tão ou mais radical do que o PCP. Há muita gente a ser enganada: acha que vai votar numa esquerda libertária e cosmopolita, mas vai votar num partido crescentemente soberanista e anti-cosmopolita. "

Em primeiro lugar há aqui um non sequitur - HR primeiro argumenta que o BE é um partido populista; depois, dá um salto e apresenta a conclusão que o BE é soberanista e anti-cosmopolita. Qual é a ligação que ele vê entre "populista" e "soberanista / anti-europeu"?

Depois, ao apresentar Louçã como simbolo do anti-cosmopolitismo e falar em "[u]m BE que não passa de um PSR com outro logotipo e a cavalgar o populismo nacionalista idêntico ao PCP", HR parece estar confuso acerca da história das ideias politicas e dos partidos portugueses .

Louçã e a APSR são trotskistas; ora, se há coisa que dificilmente podermos chamar aos trotskistas é de "soberanistas" ou de "nacionalistas": a linha trotskista sempre foi (acho que ainda antes da adesão de Portugal à CEE) defender os "Estados Unidos Socialistas da Europa" e apelar à "união dos trabalhadores europeus - e de todo o mundo - contra os capitalistas" (até 1989, "contra os capitalistas do Ocidente e os burocratas de Leste"), nomeadamente defendendo greves à escala europeia, super-comissões de trabalhadores multinacionais nas empresas multinacionais, etc.; inclusive, nos anos 90, no programa Terça à Noite, num debate entre Pacheco Pereira, António Barreto, Sarsfield Cabral e Louçã sobre a economia europeia, Barreto e Pacheco Pereira acabaram a dizer que Louçã era um "eurofundamentalista".

E, hoje em dia, as reivindicações europeias do BE (harmonização fiscal, eventualmente um salário mínimo europeu) serão tudo menos "soberanistas".

Aliás, HR, que até percebe alguma coisa sobre o neo-conservadorismo (que em parte é uma derivação da dissidência shachtmanista do trotskismo), devia saber isso.

HR diz que «o BE é um PSR com ar "cool"» - goste-se ao não das suas ideias (e até é possível adorar umas e detestar outras), o PSR sempre foi "cool", no sentido que HR parece dar à palavra (logo, não se percebe porque ele não diz apenas "o BE é um PSR com outro nome"): as questões libertárias que HR aprecia no BE foram introduzidas na politica portuguesa pelo PSR (que, ainda antes do 25 de Abril, nos liceus chegou a lançar o slogan "uma sala para fazer amor").

Uma nota acerca das hortas urbanas (eu estive para escrever um post sobre isso; pode ser que ainda o faça se tiver vontade e tempo): acho que esse até é um ponto em que demonstra uma inclinação do BE para o campo da "esquerda libertária" face à "esquerda tradicional": o discurso do small is beautifal, da reabilitação do artesanalismo, da produção descentralizada, etc. é tipico dessa tal "esquerda libertária" (e acho que até joga bem com o seu individualismo cultural), por oposição à simpatia da esquerda tradicional pelas economias de escala, pela indústria pesada, etc. (na altura dessa discussão, até estava à espera que algum blogger de direita fosse, contra as hortas urbanas, citar Trotsky e falar "no desperdicio de trabalho em terra e estrume que representa a horta individual")

"Mas parece que ainda não podemos criticar o BE. A ASAE ideológica não deixa."

O facto de HR criticar o BE faz dele uma "ASAE partidária"? Não. Então porque criticar as criticas de HR fará de alguém uma "ASAE ideológica"?

3 comments:

Anonymous said...

As críticas que o Miguel Madeira faz neste post a Henrique Raposo são acertadas. Mas, infelizmente, Henrique Raposo também tem razão nalgumas das suas críticas. Nomeadamente, quando afirma que o BE libertário original foi suplantado por um BE comunista hard-core. Sendo ainda por cima que esse BE comunista parece, por vezes, salazarento.

A viragem deu-se ainda no tempo do governo Santana Lopes, quando o BE apareceu com aquela proposta horripilante, indescritível sobre o arendamento urbano. Tratava-se de uma proposta ao mais horrendo estilo comunista, coletivista, controleirista, em que o Estado era suposto policiar todo e qualquer arrendamento ou venda de casa que se fizesse ou deixasse de fazer. Para mim, esse projeto de lei do BE marcou a viragem total. O BE deixou completamente de ser libertário para passar a ser comunista do pior estilo.

No seu projeto de lei mais recente sobre a GALP, exibe-se a faceta salazarenta, com um BE que parece ainda considerar que a GALP é uma empresa portuguesa cuja função é fornecer produtos petrolíferos aos portugueses, como no tempo da Outra Senhora; recusando-se a compreender e aceitar que a GALP é hoje uma empresa multinacional, uma de entre muitas players no mercado petrolífer mundial.

Luís Lavoura

Anonymous said...

Uma nota acerca das hortas urbanas [...] da produção descentralizada, etc. é tipico dessa tal "esquerda libertária" (e acho que até joga bem com o seu individualismo cultural),

Em Lisboa, a Horta Urbana mais organizada e promovida politicamente que conheço é a da associação libertária GAIA, que é do mais anti-patriota, anti-autoritária que se pode conceber.

http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=134082&cidade=1

O BE deixou completamente de ser libertário para passar a ser comunista do pior estilo.

Comunista não é oposto de libertário. O que o Luís quer dizer e que o BE começou a ser estatista ou autoritário, o que é bem diferente.

http://en.wikipedia.org/wiki/Libertarian#History_of_the_word
http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunismo_libert%C3%A1rio

Anonymous said...

Será que alguma deste gente atarantada que enche a boca com a "esquerda libertária" já ouviu falar do Campos, Fábricas e Oficinas, de Pedro Kropotkin a descrição por excelência do modelo de sociedade libertário (de esquerda), que põe todo o ênfase na descentralização da produção e na auto-suficiência a nível local?