Frequentemente diz-se/escreve-se que a culpa do endividamento das familias portugueses é de não existir um mercado de habitação para arrendamento. Assim, quem quer casa tem que pedir um empréstimo para comprar uma em vez de a arrendar.
Isso até é capaz de ser verdade, mas, e daí?
A menos que o mal do endividamento seja um mal de ordem moral ("é feio ter dívidas!"), qual é exactamente o problema de ter dívidas derivadas da compra de habitação que não se verifique também no caso do arrendamento?
Vamos lá ver:
- Temos que pagar a prestação do empréstimo todos os meses; também teriamos que pagar a renda todos os meses. É verdade que, em principio, a renda seria mais baixa que a prestação do empréstimo (à partida, dá-me a ideia que o valor renda de um arrendamento deverá ser equivalente à prestação de um empréstimo cujo prazo de amortização fosse infinito). Mas, por outro lado, a renda temos que a pagar a vida toda, enquanto o empréstimo só temos que o pagar durante 30 anos.
- Se tivermos uma grande queda no nosse rendimento (despedimento, divórcio, etc.) podemos perder a casa por não conseguirmos pagar a prestação; no caso do arrendamento, também podemos ser postos na rua se não pagarmos a renda
- No caso da compra com empréstimo, estamos sujeitos a grandes flutuações nos nossos encargos mensais em função da variação das taxas de juro; mas creio que esse perigo ainda é maior no arrendamento: há uma carrada de factores que podem alterar o valor de mercado da "nossa" casa, logo a renda que o nosso senhorio nos cobra (e, no empréstimo, há sempre a opção de contrair um empréstimo a taxa fixa)
- Se comprarmos a casa, corremos sempre o risco de um "comité revolucionário" a confiscar em nome da abolição da propriedade privada do solo e dos imóveis (ou coisa parecida). Mas não sei se esse risco é estatisticamente significativo.
3 comments:
É evidente que o mercado de arrendamento continua e existir.
Os novos senhorios chamam-se bancos.
Não vejo, daí, decorram diferenças de monta.
A maior diferença, talvez, seja a adequação a maior mobilidade no caso da casa arrendada.
Mas a mobilidade é relativamente baixa, por enquanto, em Portugal.
A renda, se o senhoria não for tolo, e em princípio não deve ser, incorpora o custo do capital, os impostos e as despesas de conservação. Em qualquer destes items, salvo os custos de capital, os custos serão idênticos. Nos custos de capital será difícil combater os bancos.
Aliás, se não fosse assim, não teriam os bancos dedicado tanto esforço na captação de clientes/"arrendatários".
Espreita a edição deste mês do Monde Diplomatique. Há ali um estudo aprofundado mas por muitas vezes me pareceu que falta afastarem-se e questionarem os paradigmas que defendem. Quando dizem "os encargos com a compra de casa bloqueiam dinheiro que as famílias poderiam investir para criar riqueza", por exemplo.
Estou a falar do Guinote, principalmente.
Discordo do que diz por dois detalhes:
1º)para o trabalhador ter capacidade de pagamento é necessário que as prestações estejam anormalmente baixas através de juros (artificialmente) baixos, o que não acontece com as rendas (a questão da renda incorporarem os custos de capital está no ponto 2);
2º) os propriettários conseguem não transferir os custos de capital de maneira integral às rendas porque poderão ter custos repartidos por via de escala (ao serem proprietário de algumas propriedades) e pela longevidade da titularidade do imóvel que em muitos casos estará há mais de 30 anos na posse do senhorio.
3º) pela prévia programação da construção com fins de arrendamento, o que implica logo a partida uma eliminação de uma miríade de superfluos muito onerosos.
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