É interessante o "entusiasmo" (para dizer o mínimo) que costuma ser posto nas discussões sobre o efeito dos genes vs. ambiente sobre a inteligência. Porquê? Por duas razões:
Em primeiro lugar, porque é que esta discussão é muito mais intensa para inteligência do que para outros factores (estabilidade emocional, capacidade de diferir a satisfação, adaptabilidade, sociabilidade, etc) que são muito mais importantes para o sucesso individual do que a inteligência?
E, em segundo, porque é que esta discussão costuma ser apresentada como se tivesse grande implicações politicas? Num ambiente é que o grande debate politico é "Esquerda » Estado Social" e "Direita » mercado livre", não vejo em que é que a eventual hereditariedade da inteligência tenha qualquer implicação política.
No entanto, eu percebia a relevancia politica dessa questão noutros cenários:
Imagine-se que a esquerda caracterizava-se, não pela defesa do "Estado Social", mas pela defesa da anarquia, ou da autogestão, ou do "controle operário", ou do "poder popular de base", ou por algo do género (ou, numa versão mais soft, por partidos sem lider formal e com deputados rotativos). Aí, a tal questão da distribuição da inteligência poderia ter (e também poderia não ter...) relevancia: se admitirmos que há grandes diferenças inatas de inteligência entre as pessoas, o argumento a favor das decisões serem tomadas por todos (ou, pelo menos, por todos os envolvidos) e não por "experts" fica enfraquecido (se fica muito enfraquecido é outra questão; talvez escreva mais um post sobre isso, mas para já recomendo este post de Luis Aguiar-Conraria). E, realmente, aí percebia-se que a enfase fosse posta nas diferenças de inteligência e não noutra diferença qualquer.
Outro caso: imagine-se que a direita caracterizava-se pela defesa, não do liberalismo económico, mas pela defesa de um regime aristocrático em que a elite governasse as massas ignaras (podemos ter duas versões para isto: a versão conservadora, em que a elite governa a populaça de forma paternal e protectora, ou a versão "Adolf Hitler", em que os "homens superiores" exterminam as "raças degenaradas" para conquistar espaço vital). Aí, de novo, discutir se há grandes diferenças inatas de inteligência poderia ser relevante para discutir se estes projectos politicos fariam sentido.
Mas não vivemos em nenhum destes cenários: nem a esquerda actual que abolir a hierarquia no local de trabalho ou implantar a democracia directa, nem a direita actual quer abolir a democracia. Logo, mantém-se a dúvida: porque é que será que esta questão é discutida como se tivesse grandes implicações políticas e sociais?
Ocorre-me uma teoria, mas não sei se estará certa (tenho as minhas dúvidas): talvez muitos direitistas-defendores-do-liberalismo-económico e muitos esquerdistas-defensores-do-Estado-Social sejam, bem lá no fundo do seu subconsciente, defensores, respectivamente, do feudalismo e da autogestão, mas que tenham aprendido a expressar opiniões politicas social aceitáveis?
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