Tuesday, May 19, 2009

O que há de errado com este cartoon?

O que há de errado com este cartoon (publicado em muitos sítios ao longo dos anos, como aqui)? O erro principal é que a legenda deveria ser "Something's just not right - our air is clean, our water is pure, we all get plenty of exercise, everything we eat is organic and free range, and yet almost none of our children lives past five".



[gráfico roubado daqui]

As sociedades "primitivas" tinham mortalidades infantis altissimas, mas, para quem sobrevivia, a sua esperança de vida não era substancialmente diferente da esperança de vida, digamos, de um europeu do século XIX (o que produzia as tais "esperança de vida média de 30 anos"). Ao que consta, só em meados do século XX, com os progressos na medicina, houve um prolongamento real da esperança de vida para quem sobrevivesse à infância (em vez de morrerem por volta dos 60 e tal, passarem a morrer aos 80 e tal).

Na verdade, alguns estudos indicam que a esperança de vida (pelo menos depois da infância, mas talvez mesmo desde a nascença) era maior nas sociedades de caçadores-recolectores do que nas sociedades agrárias ou mesmo no principio da era industrial, sobretudo por uma razão: as aldeias das sociedades agricolas e ainda mais as cidades industriais tinham muito mais gente do que os clãs dispersos de caçadores-recolectores, logo as doenças espalhavam-se muito mais depressa.

Há um capitulo do livro "10 Perguntas às quais a Ciência Não Sabe Responder (Ainda)", de Michael Hanlon, dedicado exactamente a essa questão.

Também alguns links sobre o assunto (do geneticista Razib Khan):


Lions and antelope


[É verdade que a especialidade de Razib Khan é genética, não história ou antropologia, o que talvez reduza a relevância do que ele escreve sobre o assunto]

Mas isto levanta uma questão complexa se quisermos entrar no terreno da comparação entre sociedades: em principio o bem-estar de uma sociedade deve ser medido pelo bem-estar dos indivíduos que a compõem. Mas, se quiserermos analisar o bem-estar de uma sociedade em que muita gente morre na tenra idade, como deveremos fazer: contar o bem-estar dos que estão vivos neste momento? contar também com o bem-estar (ou a ausência dele) dos que já morreram mas poderiam ainda estar vivos?

5 comments:

Luís Bonifácio said...

Não me parecem que as suas conclusões estejam certas.
Se plotarmos em termos de população, veremos que para o mesmo número de nascimentos tanto nos caçadores-recolectores como para os EUA-2002, o número de pessoas a chegar aos 65 nos primeiros era uma infima parte do número dos segundos.

Não tendo acesso aos dados, mas pelo gráfico posso afirmar que metade da população adulta morria antes de completar 50 anos.

Luís Bonifácio said...

Mas uma coisa é certa.

A longevidade e os baixos níveis de mortalidade infantil têm muito a ver com as condições sanitárias, assistência médica e medicamentosa e bastante menos com a comida, água e exercício físico.

Miguel Madeira said...

"Se plotarmos em termos de população, veremos que para o mesmo número de nascimentos tanto nos caçadores-recolectores como para os EUA-2002, o número de pessoas a chegar aos 65 nos primeiros era uma infima parte do número dos segundos."

Recapitulando o que escrevi:

"As sociedades "primitivas" tinham mortalidades infantis altissimas, mas, para quem sobrevivia, a sua esperança de vida não era substancialmente diferente da esperança de vida, digamos, de um europeu do século XIX (o que produzia as tais "esperança de vida média de 30 anos"). Ao que consta, só em meados do século XX, com os progressos na medicina, houve um prolongamento real da esperança de vida para quem sobrevivesse à infância (em vez de morrerem por volta dos 60 e tal, passarem a morrer aos 80 e tal)."

O facto da mortalidade ser muito menor nos EUA em 2002 do que entre os caçadores-recolectores não refuta o que escrevi (refutaria se estivessemos a falar dos EUA em 1932).

Já a comparação com a Suécia do século XVIII é relevante - não me parece que a esperança de vida adulta seja muito maior aí do que entre os caçadores-recolectores (e se compararmos com os "caçadores-recolectores aculturados" - imagino que se trate de povos caçadores-recolectores que vivam em contacto com a civilização - então estes parecem dos mais saudáveis; talvez tivessem o melhor dos dois mundos)

anderson said...

muito legal

Wegie said...

Correcção: O declíneo da mortalidade infantil verificou-se sobretudo a partir de meados de séc.XIX, antes mesmo das evoluções na medicina. Os factores mais importantes nesta quebra foram as melhorias na higiene pessoal, na qualidade da água (agua canalizada) e no saneamento urbano.