Tiago Moreira Ramalho considera "um disparate" a minha teoria de que «se aceitássemos a teoria de que há umas pessoas que, devido à sua herança genética estão vocacionadas para o sucesso e outras para o fracasso, parece-me que isso constituiria um argumento fortíssimo a favor do "Estado Social"».
Bem, vamos ver os argumentos que costumam ser usados para criticar o Estado Social (ou a redistribuição da riqueza em geral):
"Não faz sentido estar a dar dinheiro a pessoas que são pobres simplesmente porque não fazem nada para deixarem de o ser" - ou, na versão dos azulejos, "se invejas o meu viver faz como eu, trabalha" (já vi este azulejo numa barraca da Amadora...). Veja-se, por exemplo, as referencias que a direita (de Ronald Reagan a Paulo Portas) faz aos individuos "com corpo bom para trabalhar que andam a receber subsidio" (o que tem implicito que se não tivessem "corpo bom para trabalhar" já se justificava que o recebessem). E, de uma forma geral, a maior parte das pessoas acha que se justifica mais ajudar alguém que está em dificuldades por culpa de factores exógenos do que alguém que está em dificuldades por culpa dele próprio (provavelmente essa atitude já está incluida nos nesses genes, fruto talvez das condições de vida das tribos paleoliticas).
Assim, se concluirmos que os "pobres" são "pobres" devido a terem uma má herança genética (e não devido a algo que eles possam controlar) este argumento anti-Estado Social faz menos sentido.
"As politicas redistributivas distorcem os incentivos, promovendo exactamente os comportamentos que levam à pobreza". Este é o argumento tipico dos economistas; tal como no argumento anterior, este faz muito mais sentido quando consideramos que a "pobreza" é fruto de factores que o individuo pode controlar do que quando é fruto de algo (como os genes) que ele não controla.
Um exemplo: se considerarmos que ser "bom" ou "mau" aluno é algo que o individuo pode controlar, medidas como prémios para os bons alunos, maior exigência nos exames, etc. poderá fazer os alunos esforçarem-se mais; se considerarmos que ser "bom" ou "mau" aluno é algo que tem mais a ver com a capacidade inata do individuo e que o esforço pouco altera, as medidas acima referidas de pouco valerão.
De novo, concluimos que, se os genes forem decisivos, esse argumento vale menos.
"Ninguém tem o direito de, contra a vontade do proprietário, tirar algo a alguém para dar a outro" - este será, basicamente, o argumento "liberal" contra a re-distribuição (talvez possamos chamar aos outros "conservador" e "utilitário", respectivamente), e é o argumtno do Tiago; e creio que é argumento anti-redistribuição que menos pessoas usam (provavelmente não funcionava bem no paleolitico...) , embora isto seja um bocada falácia ad popolum da minha parte (não totalmente, já explico porquê).
Aqui há a questão de porque é que se considera, à partida, que o proprietário legitimo desse "algo" é o "alguém" (e não o "outro"); ou seja, a regra "o seu a seu dono" necessita de, previamente, recorrer a uma concepção de justiça (seja ela qual for) que diga que uma dada distribuição de direitos de propriedade (em vez de outra qualquer) é a legitima.
Mas vamos abstrair disso: se aceitarmos o principio que não é justo tirar de uns para dar a outros, então será tão injusto quer o "fracasso" ou o "sucesso" sejam consequência do determinismo genático, quer sejam do livre-arbitrio e da vontade do individuo.
Ou seja, se aceitarmos o determinismo genético, o 1º e o 2º argumentos contra a redistribuição ficam enfraquecidos, e o 3º não fica enfraquecido nem fortalecido. Logo, no geral, o conjunto de argumentos anti-redistribuição fica enfraquecido (ainda mais porque os argumentos que ficam enfraquecidos são justamente os que são mais utilizados - por isso é que a minha referencia à "impopularidade" do argumento "liberal" não é tão falaciosa como pode parecer), ou, por outras palavras, o argumento a favor do "Estado Social" fica fortalecido (embora talvez não num grau "fortíssimo", como eu escrevi).
Finalmente, relembro que, embora eu esteja a escrever este post na premissa do "determinismo genético", isso não quer dizer que concorde com ele - estou apenas a seguir as implicações lógicas do editorial do "i" (de qualquer forma, eu não sou social-democrata nem democrata-cristão, sou socialista libertário; e enquanto a social-democracia e, sobretudo, a democracia-cristã ficam fortalecidas se aceitarmos o determinismo genético, já o socialismo libertário fica enfraquecido).
4 comments:
Miguel,
Desculpe não responder em post, sem que é contra a blogotiqueta, mas acho que entrámos numa discussão complexa. É que estamo-nos a basear no pressuposto que é verdadeiro o determinismo genético quando ambos achamos que não é. Nós e muito mais pessoas.
Como estamos a discutir sobre areias movediças, partindo duma premissa com elevada probabilidade de estar falsa, qualquer conclusão a que cheguemos fica desprovida de sentido.
De qualquer modo, aproveito para pedir desculpa por apelidar de disparatada a ideia, foi mais para efeito que outra coisa.
Quanto ao argumento liberal. Ele se calhar é pouco utilizado porque envolve, e não encare isto como algum tipo de presunção, um tipo de raciocínio um pouco mais elaborado - é também o caso do utilitarista. O conservador é o mais «básico», mais curriqueiro e não necessariamente o mais forte, apesar de ter alguns fundamentos.
Cumprimentos
Metendo a foice em seara alheia, a discussão não me parece académica (na ausência de determinismo genético) porque os argumentos servem para qualquer factor fora do controlo do individuo.
Para mim o problema do argumento liberal é tratar o passado e o futuro de forma assimétrica. Mas acho que elaborarei isso noutro lado.
Prémio:
http://raivaescondida.wordpress.com/2009/06/10/11943/
«"Ninguém tem o direito de, contra a vontade do proprietário, tirar algo a alguém para dar a outro"»
A propriedade é apenas uma convenção.
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