Na revista de domingo do Diário de Noticias, Fernanda Câncio conta uma história sobre uma Maria e um Manuel (não me lembro bem se os nomes eram estes, mas não interessa).
Maria e Manuel eram ambos divorciados, com filhos. Conheceram-se, apaixonaram-se e foram viver juntos, primeiro em casa dela, e depois numa casa comprada a meias. Aos 41 anos, após dez anos de vida em comum, Manuel morre sem ter feito testamento. Assim, Maria fica apenas com a metade dela da casa, ficando a metade do Manuel para a filha deste (se fossem casados, Maria herdaria metade da parte de Manuel, ou seja, ficaria com 3/4 da casa).
Fernanda Câncio escreve que algumas pessoas irão perguntar "Então, porque é que não se casou?". Eu não - o que eu pergunto é "Então porque é que não fizeram cada um um testamento a favor do outro?"; afinal, se alguém tem bens que gostava que fossem para uma pessoa que não aqueles que são os seus herdeiros "por default", deve fazer um testamento esclarecendo isso - é exactamente essa a função dos testamentos!
Mas há aqui uma questão ainda mais profunda: pelo que percebo, Maria e Manuel compraram a casa a meias; após a morte de Manuel, Maria ficou com metade da casa e a filha de Manuel com a outra metade. Alguém me explica qual é a grande injustiça que a Maria sofreu aqui? Repito: ela pagou metade da casa, e ficou com metade da casa. E...?
Mais - recorde-se que neste exemplo tanto a Maria como o Manuel têm filhos prévios à relação. Portanto, se a Maria (além da metade que é sua desde o principio) herdasse metade da parte do Manuel, ficaria com 3/4 da casa. Quando Maria morresse, os filhos de Maria herdariam esses 3/4 enquanto, recordo, a filha de Manuel herdou apenas 1/4 (de uma casa que foi comprada a meias por Maria e Manuel). Pelo contrário, se fosse Maria a primeira a morrer, os seus filhos herdariam apenas 1/4 da casa, enquanto a filha de Manuel ficaria com 3/4 da casa (ou seja, os filhos que tivessem o azar de ser os primeiros a ficarem orfãos teriam o azar suplementar de perderem metade da herança - isto já começa a lembrar aqueles contos com orfãos à mercê de madrastas cruéis...). Nem me admirava, até, que alguns casais com filhos anteriores optem pela união de facto exactamente para acautelar os interesses destes, coisa que deixariam de poder fazer se a união de facto fosse equiparada ao casamento para efeitos sucessório (coisa que, recorde-se, a lei vetada por Cavaco não previa).
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