Parece que a UE quer uma baixa de salários na Grécia. Será que isso vai reduzir o deficit? Possivelmente sim (já que reduz os custos), mas provavelmente irá também aumentar o endividamento:
Se os salários baixarem, isso acabará por levar também a uma baixa dos preços. À primeira vista, podemos pensar "Então tudo bem - os salários baixam, mas os preços também baixam"; mas a Grécia é um Estado fortemente endividado, e de certeza que a dívida grega está denominada em euros (ou talvez em dólares), não em unidades do indíce de preços grego. Ou seja, mesmo que os preços baixem na Grécia, o valor nominal da dívida grega não vai baixar por isso, logo a dívida em proporção do PIB vai aumentar.
Umas analogia - imagine-se alguém com um ordenado de 1000 euros por mês, com uma dívida de 50.000 euros; suponha-se, num exemplo extremo, que o seu ordenado baixava para 500 euros e os preços também baixavam para metade - a sua dívida não iria baixar para 25.000 euros por isso, continuaria a ser 50.000 euros, logo passaria a ter muito mais dificuldade em pagar a sua dívida, mesmo que o salário real se tenha mantido igual. E o que vale para um indíviduo, vale também para um Estado, só que em ponto maior.
6 comments:
Bom post. Mas baixando os ordenados não é liquido que os preços baixem ou pelo menos não baixarão na mesma proporção. Assim ainda que o país caminhe para o abismo as "elites liberais" ganharão imenso dinheiro com estas medidas enquanto que o povo grego verá a sua qualidade de vida regredir para níveis impressionantes. E a boa e velha Europa irá salvar os gregos quando não forem só okupas a virar os carros nas ruas. Claro que entretanto quem continuará a lucrar são os mesmos que normalmente se queixam da asfixia do estado que lhes concede as rendas.
O pretexto do gajo do FMI seria os ordenados baixarem na Grécia, Espanha e Portugal de modo a "aumentar a competitividade". Para cargos inúteis ocupados por gente inútil esta medida até poderia ser útil. Para o cidadão médio, não vejo em que aspecto ele será mais competitivo com salário mais baixo, ainda para mais sem horas extraordinárias pagas nem segundo emprego...
Penso que a ideia é que, com salários mais baixos as empresas podem praticar também preços mais baixos, e assim os produtos gregos/espanhóis/portugueses terão maior saída nos mercados internacionais.
Exacto. O efeito quantidade compensa o efeito preço, já que com salários mais baixos haverá mais competitividade e, consequentemente, menos desemprego.
"O efeito quantidade compensa o efeito preço"
Como é que sabe se compensa? Para isso teriamos que saber a elasticidade procura-preço das exportações e das importações, e também qual o efeito multiplicador do aumento das exportações/redução das importações sobre a economia geral.
Ou seja, uma redução dos salários e preços poderá aumentar o PIB real, mas se esse aumento for inferior à deflação o produto nominal irá diminuir (logo a divida em proporção ao produto irá aumentar).
Vamos por isto de outra maneira:
Rendimento nominal =Produto nominal - (pagamento juros ao exterior)«»
(Rendimento real)*preços = (Produto real)*preços - (juros pagos ao exterior) «»
Rendimento real = (Produto real) - (juros pagos ao exterior)/preços
A diminuição dos preços e salários aumenta a produção real da economia, mas aumenta também o valor real das dívidas ao estrangeiro (públicas e privadas) e do encargo com esses pagamentos, logo tem efeitos ambiguos sobre o rendimento final das pessoas no país em questão.
Regras gerais:
- quanto maior for a dívida externa, piores (ou menos melhores) são os efeitos de uma redução de preços e salários (hum, voltando a outra discussão, teremos aqui um argumento contra a dívida externa? ainda não estou convencido)
- quanto mais inelástica é a procura dos produtos que esse país produz, menores os beneficios de uma deflação
[Para falar a verdade, é só procurar a carrada de literatura que existe sobre as vantagens e desvantagens das desvalorizações da moeda e fazer um espécie de find/replace mental - para um pais integrado numa moeda única, uma descida de preços e salários é, neste aspecto, essencialmente idêntica a uma desvalorização para um país com moeda própria]
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