Tuesday, July 31, 2012

"Números", "humanidades" e criatividade

Uma teoria que há algum tempo que tenho e que me lembrei por causa deste post n'O Insurgente: há mais espaço para a criatividade e para a imaginação nas "ciências com contas" do que nas "ciências humanas" (note-se que estou incluindo a Economia nas "ciências com contas" - embora seja uma "ciência social", raramente é designada como uma "ciência humana"; e, de qualquer forma, quando se fala da suposta oposição entre os "números" e "X", o "X" costuma ser designado como "humanidades" ou "ciências humanas", não como "ciências sociais").

O meu raciocinio - nas "ciências com contas", uma pessoa pode vir com uma teoria completamente nova e contra-intuitiva que, desde que o raciocinio lógico por detrás faça sentido (nomeadamente, desde que as contas estejam correctas), a ideia tenderá a ser aceite como potencialmente válida pela "academia" - um exemplo pode ser a "teoria da relatividade": um obscuro escriturário suiço publicou uma teoria que ia contra grande parte daquilo em que se acreditava até então, e como as contas dele faziam sentido, a comunidade científica aceitou a sua teoria como credível e creio que até lhe arranjaram um lugar numa universidade.

Pelo contrário, nas "ciências humanas" a avaliação de uma teoria como "fazendo sentido" ou "não fazendo sentido" depende muito mais da subjectividade (em vez de da lógica pura), logo é de esperar que teorias fora do "mainstream" (seja esse "mainstream" qual for) tenham mais dificuldade em serem aceites (já que é muito mais fácil rejeitar uma teoria com argumentos do género "essa teoria não me convence", enquanto que nas "ciências com contas" é preciso demonstrar que a teoria é logicamente incoerente para a rejeitar).

Já agora, e mudando um pouco (mas só um pouco) de assunto: em cursos de formação e afins sobre "criatividade" por vezes, entre as supostas "barreira à criatividade", é referido "pensamento lógico" (ou excesso de "pensamento lógico") - isto para não falar das teorias pseudo-científicas que supostamente dividem o cérebro entre a área da "lógica" e a área da "critividade"; a mim parece-me que, se existe uma barreira à criatividade, é o pensamento ilógico - afinal, um dos argumentos clássicos contra novas ideias costuma ser o "isso até parece funcionar em teoria, mas acho que na prática não resulta"; ou seja, frequentemente são os "inovadores" que vão pelo raciocinio lógico-dedutivo e os "tradicionalistas" que vão pela intuição (não o oposto).

[Embora eu desconfie que muitas vezes - sobretudo neste contexto - as pessoas usam a expressão "lógica" quando o que querem dizer é "senso comum", o que é paradoxal porque "lógica" e "senso comum" são conceitos quase opostos: a definição de "senso comum" é, basicamente, "aquilo em que acreditamos intuitivamente sem precisar de pensar no assunto"; aqui temos um exemplo interessante - no contexto de uma doença mental - de conflito entre "lógica" e "senso comum"]

1 comment:

João Vasco said...

Miguel,

Creio que o que dizes e' muito acertado, e foi uma das razoes que me levou a procurar "contas" - uma maior "independencia" face aos avaliadores, face 'a autoridade - essa inimiga da imaginacao.

O Noam Chomsky algures relatou que, de acordo com a sua experiencia nas ciencias "humanas" sempre que ele falava sobre um assunto, inquiriam imediatamente sobre as suas "credenciais" nesse campo para poder afirmar isto ou aquilo; mas que entre matematicos, onde ele se sentia ainda menos conhecedor, so' queriam avaliar as ideias dele pelos meritos proprios, sem querer saber dos pergaminhos. Nao sendo a mesma coisa a que te referiste, creio que esta' relacionada.

A logica e', em certa medida, "pouco social": nao reconhece autoridades, estatutos, tabus, convenciencias ou apelos emocionais. A criatividade, o pensar "fora da caixa" e' tantas vezes uma fuga a esse tipo de prisoes sociais que o status quo estabeleceu (no qual muitas intuicoes e "sensos comuns" se desenvolveram), que a primeira facilmente cria espaco para a segunda.