Monday, July 09, 2012

Re: Falácias argumentativas no debate sobre o défice II

João Miranda:

Uma crítica muito frequente ao governo é que não é possível reduzir o défice com austeridade porque a receita baixa. O que se alega é que por cada 1000 euros cortados o Estado perde mais de 1000 euros em taxas e impostos.
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É fácil de perceber que isto é falso. O Estado cobra cerca de 50% de taxas e impostos sobre o PIB. Supondo que cada 1000 euros de despesa geram X vezes de PIB quanto é que tem que ser X para que o Estado perca 1000 euros de receita? A resposta  é 1/0,5.=2. Ou seja,  1000 euros de despesa teriam que gerar 2*1000=2000 euros de PIB para que o Estado perdesse 50%*2000=1000 euros de receita.
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Este multiplicador de 2 implicaria que se aumentássemos a despesa em 1% seria possível aumentar o PIB em 2%. Se aumentássemos a despesa em 2% seria possível aumentar o PIB em 4%. Qualquer governo conseguiria aumentar o crescimento para valores chineses limitando-se para isso a gastar mais. Como é fácil de ver este multiplicador de 2 é uma miragem, sendo este muito provavelmente inferior a 1.
O João Miranda parece estar a esquecer-se de uma coisa - a teoria que diz que a despesa tem efeitos "multiplicadores" (porque se se gasta 1000 euros em qualquer coisa, a pessoa que ganhou esses 1000 euros vai gastar parte noutra coisa qualquer, e a pessoa que ganhou esses, digamos, 700 euros irá gastar 500 noutra coisa, e que recebe esses 500 vai gastar uns 300 ainda noutra coisa, de forma que temos um aumento de rendimento de 1000 + 700 + 500 + 300 + ....) considera que essas efeitos só se verificam quando a economia está a funcionar abaixo do pleno emprego. Portanto, a tentativa de redução ao absurdo de JM não faz sentido - se a teoria do multiplicador estiver correcta, um governo só conseguiria taxas de crescimento chinesas gastando muito se o desemprego fosse altíssimo (e mesmo assim esse crescimento apenas duraria até ao desemprego ficasse em valores baixos).

Pondo a coisa de outra maneira - há duas formas de fazer crescer uma economia: ou aumentando a produtividade de cada trabalhador, ou pondo mais gente a trabalhar. Os defensores da tese do multiplicador dizem que o que a despesa estimula o crescimento pela via do aumento da mão-de-obra (e dos recursos em geral) empregada, logo é evidente que essa teoria não implica que uma continuada despesa pública elevada leva a um crescimento económico continuado (se o crescimento é suposto ocorrer via diminuição do desemprego, o aumento da despesa só originará cresciment enquanto houver desemprego).

1 comment:

CN said...

A teoria do multiplicador esquece-se que o estímulo é retirado de algum lado que já estava a "multiplicar" por sua vez.

Se estamos a falar de "por mais dinheiro a trabalhar que estava parado" voltamos à questão de que dinheiro parado ou a trabalhar só tem efeitos duradouros no nível geral (seja o que isso for) de preços nominais e não na actividade económica.