No Abrupo, Pacheco Pereira escreve que «[b]asta comparar o impacto da invasão húngara, e dos eventos sangrentos a que deu origem, e o da invasão da Checoslováquia, menos violenta nas suas consequências, mas com um muito maior impacto político, para se perceber a diferença. (...) A diferença esteve nos intelectuais e na “esquerda” que se sentiu mais livre de se indignar com a Checoslováquia do que com a Hungria. Não foi por razões muito gloriosas, mas porque lhe era mais aceitável um comunista que se considerava reformista como Dubcek, e uma “Primavera” que se apresentava como de “esquerda”, do que uma revolução claramente anticomunista e nacionalista, que envolvia a Igreja católica.»
Claro que, nem que seja por razões geracionais, JPP perceberá muito mais da Revolução Húngara e da Primavera de Praga do que eu, mas parece-me questionável apresentar a Revolução Hungara como "claramente anticomunista": em larga medida, a revolução começou na tarde de 23 de Outubro, quando uma manifestação se juntou em frente ao "Parlamento", gritando slogans em apoio de Imre Nagy, o lider da facção reformista do "Partido dos Trabalhadores" (i.e., o PC húngaro) - ou seja, a revolução húngara também começou como uma luta entre "comunistas ortodoxos" e "comunistas reformistas", e não entre "comunistas" e "anti-comunistas". E, até ao fim, as principais figuras da revolução foram Nagy e o coronel Pal Maléter, que assumiu o comando do exército - "comunistas reformistas", e não "nacionalistas anti-comunistas". Inclusivemente, os invasores soviéticos tiveram que dissolver o "Partido dos Trabalhadores" e criar um novo PC, o "Partido Socialista Operário" (o actual Partido Socialista Húngaro).
Quanto à participação da Igreja Católica, a mim parece-me que ela foi mais beneficiária do que sujeita activa da revolução: os rebeldes libertaram o cardeal Mindszenty, mas (pelo menos em quase todas as minhas fontes sobre os acontecimentos) não há grandes referencias de a Igreja ter tido algum papel relevante na dinamização do movimento popular (e, de 626.000 artigos sobre a revolução, apenas 11.200 fazem referencia ao cardeal) - muito mais influência tiveram, p.ex., os estudantes universitários.
Quanto à esquerda de 1968 ter reagido muito mais contra a invasão da Checoslováquia do que a de 1956 contra a da Hungria, não terá sido por que, em 1968, a esquerda ocidental já estava muito mais liberta da admiração por Moscovo do que em 1956? Afinal, nessa altura, grande parte dos intelectuais que, nos anos 50, eram do PC ou compagnon du route já se tinham deixado disso.
E nem sei se será correcto dizer que a esquerda de 1956 não reagiu de forma significativa contra a invasão da Hungria: houve várias cisões nos partidos comunistas por causa disso (creio que, em muitos países, os respectivos movimentos trotskistas surgiram de cisões ocorridas em 56 por causa da Hungria) e muito destacados intelectuais comunistas abandoram o partido nessa altura (por exemplo, o historiador inglês E.P. Thompson ou o jornalista Peter Fryer). Aliás, é o próprio Pacheco Pereira que, implicitamente, diz isso, no seu texto de 1980, "A Ascensão da Nova Academia", um ataque à "geração de 1962", aonde diz que esta "foi o equivalente português das gerações «revisionistas» da segunda década de 50, os homens que romperam com a tradição intelectual frentista dos anos 30 e do pós-guerra, ao som dos tanques na Hungria. Geração que, no caso português, é no seu «revisionismo» politicamente tardia (...) porque teve que esperar pela Checoslováquia para ver o que já poderia ter visto na Hungria"(aliás, a referência a Thompson até está nesse texto).
Claro que, nem que seja por razões geracionais, JPP perceberá muito mais da Revolução Húngara e da Primavera de Praga do que eu, mas parece-me questionável apresentar a Revolução Hungara como "claramente anticomunista": em larga medida, a revolução começou na tarde de 23 de Outubro, quando uma manifestação se juntou em frente ao "Parlamento", gritando slogans em apoio de Imre Nagy, o lider da facção reformista do "Partido dos Trabalhadores" (i.e., o PC húngaro) - ou seja, a revolução húngara também começou como uma luta entre "comunistas ortodoxos" e "comunistas reformistas", e não entre "comunistas" e "anti-comunistas". E, até ao fim, as principais figuras da revolução foram Nagy e o coronel Pal Maléter, que assumiu o comando do exército - "comunistas reformistas", e não "nacionalistas anti-comunistas". Inclusivemente, os invasores soviéticos tiveram que dissolver o "Partido dos Trabalhadores" e criar um novo PC, o "Partido Socialista Operário" (o actual Partido Socialista Húngaro).
Quanto à participação da Igreja Católica, a mim parece-me que ela foi mais beneficiária do que sujeita activa da revolução: os rebeldes libertaram o cardeal Mindszenty, mas (pelo menos em quase todas as minhas fontes sobre os acontecimentos) não há grandes referencias de a Igreja ter tido algum papel relevante na dinamização do movimento popular (e, de 626.000 artigos sobre a revolução, apenas 11.200 fazem referencia ao cardeal) - muito mais influência tiveram, p.ex., os estudantes universitários.
Quanto à esquerda de 1968 ter reagido muito mais contra a invasão da Checoslováquia do que a de 1956 contra a da Hungria, não terá sido por que, em 1968, a esquerda ocidental já estava muito mais liberta da admiração por Moscovo do que em 1956? Afinal, nessa altura, grande parte dos intelectuais que, nos anos 50, eram do PC ou compagnon du route já se tinham deixado disso.
E nem sei se será correcto dizer que a esquerda de 1956 não reagiu de forma significativa contra a invasão da Hungria: houve várias cisões nos partidos comunistas por causa disso (creio que, em muitos países, os respectivos movimentos trotskistas surgiram de cisões ocorridas em 56 por causa da Hungria) e muito destacados intelectuais comunistas abandoram o partido nessa altura (por exemplo, o historiador inglês E.P. Thompson ou o jornalista Peter Fryer). Aliás, é o próprio Pacheco Pereira que, implicitamente, diz isso, no seu texto de 1980, "A Ascensão da Nova Academia", um ataque à "geração de 1962", aonde diz que esta "foi o equivalente português das gerações «revisionistas» da segunda década de 50, os homens que romperam com a tradição intelectual frentista dos anos 30 e do pós-guerra, ao som dos tanques na Hungria. Geração que, no caso português, é no seu «revisionismo» politicamente tardia (...) porque teve que esperar pela Checoslováquia para ver o que já poderia ter visto na Hungria"(aliás, a referência a Thompson até está nesse texto).
2 comments:
«uma revolução claramente anticomunista e nacionalista, que envolvia a igreja católica»
Pelo que li sobre o assunto, esta leitura é simplesmente falsa. Ainda antes da manifestação essencialmente estudantil a 23 de Outubro, a revolta começa a gerar-se no segundo enterro de Laszlo Rajk, um comunista reformista assassinado em 1949 a mando do ditador estalinista Rakosi. Na dita manifestação de 23 de Outubro, pede-se que Imre Nagy, antigo ministro da agricultura, seja nomeado chefe do governo, o que acontece ainda no mesmo dia. Chegado ao poder, o reformista Nagy dissolve a polícia política, instaura o multipartidarismo e anuncia a retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia. Entretanto, o cardeal Mindszenty, cujo papel na revolta é nulo, acaba por ser libertado. A 4 de Novembro os tanques soviéticos entram em Budapeste e depõem Nagy.
Curiosamente, a leitura de PP até se aproxima da leitura oficial do PC soviético na altura, que falava em contra-revolução fascista e clerical! Os seus objectivos é que são outros...
Este meu comentário resulta de uma investigação pessoal sobre factos, baseada principalmente em relatos na "primeira pessoa" de quem viveu a revolução de 56 (acrescento que um das fontes é o avô de minha esposa, húngaro, oficial combatente da segunda guerra mundial, que ainda no sábado passado esteve comigo a almoçar). Também a minha vivência diária em Budapeste me leva a entender as "coisas" e as causas desta gente (passadas e presentes).
Nagy Imre realmente demonstrava tendências reformistas, mas é o movimento estudantil, não em Budapeste, mas em Szeged que inicia aquilo que veio a tornar-se numa NÃO planeada revolução. Andropov, embaixador soviético na Hungria, sempre esteve atento aos movimentos de Nagy Imre, não podendo evitar a posterior proclamação separatista da república que Nagy Imre assume como consequência da vontade do povo (e do modo como o povo se manifestou). Andropov, leva até o novo governo a acreditar que Kruschev abdica de reacção e permita esta libertação da Hungria.Mas porque atrás da Hungria (e da Polónia) se seguiriam outros e dar-se-ia o colapso, é o enviado chefe máximo da KGB que em conjunto com o Embaixador que manobra um "entertenimento" de credulidade na independência e finge a retirada dos blindados da capital, que a apenas 15 km da capital estacionam e esperam por reforços mais pesados de unidades que eventualmente se dirigiam para o canal de Suez, antes passando por Budapeste para sanear a situação em favor da decisão do presidente da União soviética.
O movimento estudantil em Szeged, é um simples movimento sem aspirações maiores (recorde-se que Szeged é bastante longe da capital, junto à fronteira com a Jugoslávia, hoje Sérvia). apenas demanda de condições académicas, liberdades ideológicas e de expressão. Certo é que esse movimento acabou influenciando as associações académicas da capital (nao de imediato, mas passado uma semana) principalmente porque a primeira não foi reprimida (pelo explicado anteriormente, não terem havido aspirações revolucionárias). Assim na capital, aos estudantes juntaram-se reformistas, opositores e oportunistas, numa confusão instalada que acabou estimulada e aproveitada para uma revolução. Que se torne claro que ninguém toma repentinamente o poder porque foi o poder que tentou se moldar às palavras de ordem do povo frente ao parlamento, e é aos poucos que as declarações de independência e de vontade própria da república são anunciadas de modo a "testar" as reacções soviéticas. Em pouco tempo é verdade que o povo se inflamou e pegou em armas juntando-se (somente depois) o exército bem como partes de unidades do contingente militar soviético (que alguns blindados soviéticos parquearam junto aos manifestantes, apenas soldados, russos, Azeris, ucranianos, não importa a sua nacionalidade, que fartos de um sistema, acreditaram ser a solução húngara um "passaporte para a sua liberdade pessoal" e a ela se juntaram. Quanto à Igreja católica, não encontrei também referências de intervenção neste processo, bem como confirmo não se tratar de uma revolução anti-comunista ou de ideais fascistas.
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