Saturday, October 14, 2006

Acerca do "Microcrédito"

Após um entusiasmo inicial, os liberais começam a concordar com Daniel Oliveira e a mostrar dúvidas sobre o micro-crédito (na minha opinião, com alguma razão: a ideologia de base do micro-crédito parece-me mais próxima do socialismo autogestionário do que do liberalismo)

P.ex., A.A.Alves, ainda que sem expressar uma opinião definitiva sobre o assunto, faz referência a uma série de artigos a criticar o micro-crédito.

Eu não li os "pdf's" e vou analisar apenas os textos de Jeffrey Tucker. Claro que a critica principal dele é o facto do Grameen Bank ter apoios de Estados e organismos internacionais - como socialista (ainda que com simpatias anarquistas), com essa critica posso eu bem (é mais indicada aos que vêm o Grameen Bank como "a prova da superioridade do capitalismo"). Mas vou abordar algumas outras críticas que ele faz.

No artigo "The Micro-Credit Cult", de Novembro de 1995, Tucker argumenta que os juros relativamente baixos que Grameen Bank cobra só são possíveis graças aos empréstimos internacionais que receberá (a menos de 2% ao ano). Isso talvez fosse verdadeiro em 1995 (não faço a mínima ideia), mas, actualmente (dados de 2003), olhando para o seu balanço e demonstração de resultados, vemos que o GB pagou 1,104,246,307 "takas" de juros, há 14,715,750,609 lá depositados e deve a bancos e outras instituições 4,212,795,182, o que quer dizer que o total das dívidas do banco é de 18,928,545,791; ou seja, o GB paga sobre as suas dívidas cerca 5,83% de juros - talvez não seja muito alto, mas globalmente o banco está a pagar quase o triplo dos tais 2%.

A respeito do GB ter como fonte de rendimento dinheiro depositado em bancos convencionais, em 2003 tinha 579,544,346 depositados noutros bancos (se eu estou a intrepretar bem a contabilidade bengali...), contra 16,823,709,087 de empréstimos concedidos - se juntarmos 6,059,392 de dinheiro em caixa, temos que apenas 3,4% do capital circulante do GB está empatado em depósitos noutros bancos.

Tucker também afirma que "the 98% repayment figure does not reflect the behavior of actual individual borrowers. Grameen relies on the "peer group" method of repayment. Borrowers are lumped into cells of five. Any future loans — which offer 80% more money than the first one — depend on repayment by the entire cell. If one person doesn't pay, others in the cell "lean" on them to fork over the cash, or pay it themselves. The person in the cell who wants another loan has the incentive to get all the money one way or another. In this way, Grameen does get paid". E, pergunto eu, "E depois?". No fundo, ao que me parece, o resultado é que, nos tais grupos de 5, cada devedor acaba por ser fiador dos outros. Parece-me um óptimo esquema de reduzir o risco de incumprimento (e, portanto, de reduzir o prémio de risco implicito na taxa de juro do empréstimo). Além disso, reduz o trabalho de "filtrar" potenciais "maus clientes", já que estes, em principio, terão logo mais dificuldade em arranjar que se queira associar a eles.

A respeito da ideia de Tucker que o micro-crédito não é assim tão bom negócio para os clientes e que "these borrowers might regret that they ever made the original deal with Yunus" - é possível, mas provavelmente os clientes do GB sabem melhor que eu ou Jeffrey Tucker avaliar os negócios em que se metem.

"The greatest myth of the movement is the idea that conventional banks have overlooked massive profit opportunities that would otherwise present themselves from lending to the very poor in the developing world. Even after a decade of unrelenting propaganda about the glories of microcredit, we are supposed to believe that conventional banks still don't get it: there are profits to be had but the big banks just won't touch them".

Talvez haja uma razão perfeitamente lógica para os bancos convencionais não entrarem no negócio do micro-crédito (ou só entrarem cobrando taxas de juro muito elevadas) - nesta parte vou divagar um bocado, pelo que fica para outro post (talvez terça-feira).

1 comment:

Anonymous said...

o tucker demonstra aquilo que é comum aos liberais, a desconfiança nos outros.

o unico risco que existe no meio de tudo isto, é o facto do negocio que eles abrem poder dar para o torto. no entanto, num local onde há muita miseria, e desde logo falta tudo, esse problema não é grande. para alem de que eles acompanham as pessoas ao longo de todo o processo.

adicionalmente a esta ideia do banco podiam criar cooperativas de consumo, marcas cooperativas para exportação (da região, pelo menos).

qual é o banco (com tomates) para trabalhar como este banco? umas vezes sem juros, etc etc.
a mentalidade de quem coloca dinheiro neste tipo de projectos é diferente daquela que leva a pessoa a pôr num banco normal.
este banco faz mais lembrar o banco do povo de prouhdon.