Thursday, October 05, 2006

O crescimento económico sueco

Ultimamente, tem sido moda (veja-se as discussões em muitas caixas de comentários) dizer-se que o alto nível de vida da Suécia é uma herança do seu passado liberal e que o seu Estado Social foi feito à custa dessa riqueza previamente acumulada (o argumento é mais ou menos assim "Em 1940, ou 50, a Suécia era o país mais rico do mundo, mas, a partir daí, com a adopção do Estado Social, o crescimento económico reduziu-se a sua posição relativa foi descendo"). Um exemplo é este texto, republicado em vários sitios (além da atenção que terá tido dos motores de busca).

Será que isso é mesmo assim?O livro Dynamic Forces in Capitalist Development: A Long-Run Comparative View, de Angus Maddison tem algumas tabelas comparando o crecimento económico de vários países.

Por exemplo, para o PIB p.c. em 1950 (a preços de 1985) tem os seguintes valores:

EUA.................... 8,611 US$
Reino Unido........5,651 US$
Canadá.................6,113 US$
Suécia...................5,331 US$

Logo, em 1950 a Suécia não era o país mais rico do mundo, como já li algures (não se deduza que era o 4º mais rico - eu não pus todos os países referidos).

Agora, vamos ver as taxas de crescimento anual do PIB p.c., de 1913 a 1950, 50 a 73, e 73 a 89:

País...................[1913-50].....[1950-73]........[1973-89]

EUA........................1,6%...............2,2%................1,6%
Reino Unido..........0,8%...............2,5%.................1,8%
Canadá...................1,5%...............2,9%.................2,5%
Suécia.....................2.1%...............3.3%.................1.8%

Ou seja, o periodo de maior crescimento económico da Suécia foi exactamente em 50-73, talvez a epoca em que o Estado Social atingiu o seu apogeu (atenção - não confundir correlação com causa: afinal, esse foi também o periodo de maior crescimento dos outros países). Em termos de crescimento relativo, esse periodo também não foi mau: em 50-73, a Suécia cresceu ao ano mais 1,1 pontos que os EUA, enquanto em 13-50 tinha crescido apenas mais 0,5 pontos; comparada com o Reino Unido é ao contrário: em 50-73 cresceu mais 0,8 p.p, contra um crescimento de mais 1,3 p.p. em 13-50. Seja como fôr, o periodo 50-73 foi o de maior crescimento em termos absolutos, e não particularmente melhor ou pior em termos de crescimento comparado com os outros países.

Agora vamos ver a produtividade comparada (100 representa a produtividade/hora dos EUA):

País........................1913.....1950........1973

EUA........................100.......100..........100
Reino Unido..............78.........57.............67
Canadá......................75..........75............83
Suécia........................44..........49...........76

Ou seja, em 37 anos, de 1913 a 1950, a produtividade sueca passou de 44 para 49% da norte-americana, enquanto nos 23 anos de 1950 a 73 passou de 49% para 76% (já face à do Reino Unido, o crescimento foi ligeiramente menor em 50-73 do que em 13-50).

Em conclusão, tudo aponta para que a Suécia tenha tido melhores resultados económicos durante o periodo do "Estado Social" do que antes.

Já agora, diga-se que, se em 1940 (ano não contemplado nestas estatistas) a Suécia (ou a sua quase homónima alpina) fosse realmente o país mais rico do mundo isso também pouco quereria dizer - afinal, os outros países da Europa desenvolvida estavam a invadir-se e bombardear-se uns aos outros (se, nos quadros acima, eu tivesse feito a comparação com a Alemanha ou a França não me admirava nada que estas, em 50-73, tivessem crescido muito mais do que Suécia: como é que elas estavam em 1950?!).

Nota final - estes valores foram extraídos da passagem do livro constante da sebenta de Macroeconomia II da AE do ISEG, de 93/94.

13 comments:

Anonymous said...

1. O periodo 1913-1950 inclui dois factores importantes que nao se repetiram depois: a primeira e a segunda Guerra Mundial. Dizer que o pais nao cresceu nesse periodo e culpar o sistema economico e enganador.

2. Se hoje a Irlanda comecasse a contrucao de um estado social 'a sueca, provavelmente, com o momento acumulado, teria ainda mais 10 ou 15 anos de crescimento que seria devido as politicas de hoje. O problema e' o longo prazo.

3. A produtividade e' mais alta em paises com muito desemprego, claro. Tirem-se os menos produtivos do mercado de trabalho e temos mais produtividade. Por isso e' que a Franca e' mais produtiva do que o Reino Unido, mas menos rica: no Reino Unido, a taxa de participacao no trabalho e muito mais elevada.

Anonymous said...

Os anos 1950-1973 foram tambem os anos de socialismo no EUA, quando a economia era mais regulamentada do que na Europa. Por exemplo, os europeu nao responderam ao choque do petroleo controlando o preco, coisa que fez o "socialista" Nixon. Resultado: as bichas para gasolina que se veem nos filmes nunca aconteceram na Alemanha. Acho que o controlo directo dos precos nunca aconteceu na Europa Ocidental ao nivel a que acontecia nos EUA.

Depois da Guerra, quando a Alemanha era controlada pelos EUA, o marco alemao e a desregulacao dos precos foi anunciado pelo governo alemao a um Domingo de manha quando os americanos estavam na missa, para evitar que estes quisessem manter o controlo de precos.

Miguel Madeira said...

"O periodo 1913-1950 inclui dois factores importantes que nao se repetiram depois: a primeira e a segunda Guerra Mundial. Dizer que o pais nao cresceu nesse periodo e culpar o sistema economico e enganador."

Isso é um pau de dois bicos: em termos absolutos, é possível que a guerras tenham prejudicado a economia sueca, mas em termos relativos (comparada com os outros países) até a podem ter benificiado, já que a Suécia não participou directamente.

Seja como fôr, o objectivo do meu post não era tanto "culpar" o sistema económico sueco dos anos 10-40, mas "inocentar" o dos anos posteriores.

E, se o argumento deixa de ser "A Suécia cresceu muito mais antes do estabelecimento do Estado Social do que depois" para "Sem as guerras mundias, a Suécia teria crescido muito mais antes do estabelecimento do Estado Social do que depois", torna-se um bocado
um profissão de fé.

"Se hoje a Irlanda comecasse a contrucao de um estado social 'a sueca, provavelmente, com o momento acumulado, teria ainda mais 10 ou 15 anos de crescimento que seria devido as politicas de hoje. O problema e' o longo prazo"

Pois, mas considerar que uma certa politica,décadas após ter sido abandonada, produz, por inércia, efeitos mais intensos do que produziu nas décadas em que estava a ser efectivamente aplicada parece-me duvidoso.

Miguel Madeira said...

"A produtividade e' mais alta em paises com muito desemprego, claro. Tirem-se os menos produtivos do mercado de trabalho e temos mais produtividade"

Sinceramente, não faço ideia se havia mais ou menos desemprego na Suécia em 1950-73 do que em 1913-50

"Por isso e' que a Franca e' mais produtiva do que o Reino Unido, mas menos rica: no Reino Unido, a taxa de participacao no trabalho e muito mais elevada."

Por acaso, há uns meses fiz um post tentando demonstrar que, mesmo que o desemprego francês fosse igual ao norte-americano e a produtividade dos trabalhadores adicionais fosse zero, a produtividade francesa continuaria mais alta que nos EUA.

Imagino que o mesmo valha para o RU

http://ventosueste.blogspot.com/2005/12/produtividade-e-modelo-social-europeu.html

Miguel Madeira said...

Já agora, o crescimento económico sueco entre 1870 e 1913 foi de 1,5% ao ano (ainda mais baixo que em 1913-50).

É verdade que a Suécia, nesse periodo, esteve à beira de uma guerra civil durante alguns meses (por causa da secessão da Noruega), mas duvido que isso tenha afectado o crescimento económico global.

Anonymous said...

Uma comparação com a média da OCDE ao longo dos anos é uma comparação, penso eu, mais justa, visto que os factores transientes afectam todos os países de igual modo:

Veja-se o gráfico em: http://economist.com/images/20060909/CSF279.gif

Anonymous said...

Já agora, o economist afirma que a Suécia era, de facto, o quarto mais rico. Tendo em conta a qualidade do fact-checking do economist, eu acredito que seja um dado estatístico. Em 1992 era o 16º, hoje voltou a subir no ranking, mas ainda está no lugar décimo-qualquer coisa.

Há também muita gente, incluíndo o economist e o johan norberg (http://www.johannorberg.net/?page=articles&articleid=45) que diz que no século 1870-1970, a Suécia tem o maior crescimento do mundo, com a excepção do Japão. Este último autor refere ainda que, em 1970, a Suécia ainda tinha um estado menor do que a média, só depois é que ultrapassa o resto do mundo desenvolvido.

Miguel Madeira said...

"já agora, o economist afirma que a Suécia era, de facto, o quarto mais rico. Tendo em conta a qualidade do fact-checking do economist, eu acredito que seja um dado estatístico"

Pelo quadro que tenho à minha frente, em 1950 a Suécia seria o 6º mais rico (a Austrália e a Suiça também estavam à frente dela)

Miguel Madeira said...

"Uma comparação com a média da OCDE ao longo dos anos é uma comparação, penso eu, mais justa, visto que os factores transientes afectam todos os países de igual modo"

Menos um (para o periodo 50-73)- a reconstrução da II Guerra Mundial.

Veja-se as taxas de crescimento para esse periodo

Paises em que houve combates:

Austria.......4,9%
Belgica.......3,5%
Dinamarca.....3,1%
Finlandia.....4,3%
França........4,0%
Alemanha......4,9%
Italia........5,0%
Japão.........8,0%
Holanda.......3,4%
Noruega.......3,2%
Reino Unido...2,5%

Paises que participaram à distância:

Austrália....2,4%
Canadá.......2,9%
EUA..........2,2%

Paises neutros:

Suécia....3.3%
Suiça.....3,1%

Pode ser uma simples coincidência, mas o certo é que os paises em que houve combates (aéreos ou terrestres) na II Guerra Mundial tiveram um maior crescimento do que os outros - terá sido uma questão de recuperar o tempo perdido? Diga-se que vejo 3 excepções - a Dinamarca e a Noruega, que têm taxas tipicas de paises "neutros", e o RU, que tem uma taxa tipica de "participante à distãncia".

[Ou talvez não tenha nada a ver com isso, e essas diferenças/semelhanças signifiquem apenas que as várias economias continentais, nórdicas e anglo-saxónicas estão muito sintonizadas com as outras economias do mesmo grupo]

Miguel Madeira said...

"Há também muita gente, incluíndo o economist e o johan norberg, que diz que no século 1870-1970a Suécia tem o maior crescimento do mundo, com a excepção do Japão"

Realmente, olhando para os tais quadros dá-me essa impressão (fazendo a conta para 1870-1973, a Suécia parece ficar em 2º ou 3º)

"Este último autor refere ainda que, em 1970, a Suécia ainda tinha um estado menor do que a média, só depois é que ultrapassa o resto do mundo desenvolvido"

Nesse caso, a ser verdade, isso afecta todo o meu argumento, que foi feito assumindo que o "Estado Providência" sueco teria se desenvolvido nos anos 50 (afinal, eu escrevi "50-73, talvez a epoca em que o Estado Social atingiu o seu apogeu").

Diga-se que o texto do Mukhamar parece terminar o "periodo liberal" sueco em 1950:

http://www.tcsdaily.com/article.aspx?id=030106D

"here are two good Swedens to learn from: One is the hugely successful country that literally went from rags to riches between 1890 and 1950, with one of the highest growth rates in the world. This was not least thanks to a tax pressure between 10 and 20 percent of GDP, a truly limited state, with open borders and very good conditions for entrepreneurs."

"Or there is the Sweden that started reforming in the 1990s. Marginal tax rates were cut, markets were deregulated, the Central Bank was made independent, public pensions were cut substantially and some free competition was allowed in health care."

Ou seja, para ele a "má Suécia" terá sido entre 1950 e algures nos anos 90 (embora como exemplo da decadência sueca ele apresente a taxa de crescimento dos "ultimos 15 anos", ou seja, o da segunda "boa Suécia").


Aliás, acho que o Norberg apenas diz que o sector público era menor na Suécia que nos outros paises em 1950 ("in 1950, the public sector was smaller than in most countries")

Agora, é verdade que nos anos 70, no curto periodo em que a direita esteve no poder, houve várias nacionalizações (há coisas muito estranhas neste mundo) o que pode ter aumentado o grau de intervencionismo na economia sueca a partir dessa altura

Miguel Madeira said...

Já agora, a respeito dos comentários do Norberg e do Mukhamar acerca de a Suécia, se ficasse nos EUA, seria o estado mais pobre, é conveniente não noa esquecermos que os suecos (e os europeus em geral) têm férias maiores que os norte-americanos.

Neste artigo, Paul Krugman, a dada altura, fala dessa diferença entre a Suécia e os EUA.

Miguel Madeira said...

http://www.pkarchive.org/economy/ForRicher.html

Miguel Madeira said...

No comentário anterior, aonde se lê "ordem crescente" deve-se ler "ordem decrescente" e vice-versa