Tuesday, September 08, 2009

Re: Louçã e o PREC

No Novo Rumo, António de Almeida afirma que "Louçã mentiu sobre o PREC" (via O Insurgente) a respeito de as nacionalizações terem sido necessárias por os capitalistas terem "fugido", apresentando 3 vídeos do tempo do PREC.

Em primeiro lugar, dos 3 vídeos, os 2 primeiros têm a ver com ocupações, não com nacionalizações (mais à frente, explico porque esta dicotomia é importante); quanto ao terceiro, refere-se a uma greve nos TLP - uma empresa que já era estatal desde que nasceu, em 1968.

Em segundo lugar, mesmo que juntemos no mesmo saco "ocupações" e "nacionalizações", nada nesses vídeos refutaria uma eventual tese de que "as [ocupações] foram necessárias porque os capitalistas abandonaram as empresas": no segundo vídeo, até se refere que "os trabalhadores decidiram continuar a trabalhar", o que dá a entender que os proprietários pretenderiam encerrar a empresa; o primeiro parece-me (posso estar errado) passar-se no que viria a ser a "Zona de Intervenção da Reforma Agrária", onde havia elevado desemprego dos assalariados rurais e, ao que consta, imensas terras sub-cultivadas.

Agora, porque é que eu digo que a distinção entre nacionalizações e ocupações pode ser importante? Recorde-se que estamos a discutir as declarações de Louçã. Bem, eu não conheço exactamente as opiniões de Louçã sobre esse período; mas sei qual era, com uma ou outra nuance, a opinião dominante nos partidos à esquerda do PCP: era a de que, por um lado, tínhamos os governos provisórios, que eram "governos burgueses", e por outro tínhamos o movimento dos trabalhadores, nos bairros, nas fábricas, nos campos, nas escolas, etc., etc. que avançava nas lutas da classe operário contra o travão que os "governos burgueses" e o PCP lhes pretendiam impor.

Ora, para quem veja o PREC por esta grelha de leitura (e não me admirava nada que fosse essa a posição de Louçã à época), as ocupações e as nacionalizações são coisas bastante diferentes - as primeiras foram feitas pelos "trabalhadores em luta", as segundas pelo "governo burguês". E, se as nacionalizações foram feitas por um "governo burguês", claro que só podem ter sido feitas por ter sido estritamente necessário (os pressupostos deste silogismo podem estar errados - provavelmente até estarão - mas, se os aceitarmos, a conclusão lógica parece-me imbatível).

9 comments:

Ricardo Alves said...

«as ocupações e as nacionalizações são coisas bastante diferentes - as primeiras foram feitas pelos "trabalhadores em luta", as segundas pelo "governo burguês"»

Essencialmente, isso é verdade. As primeiras foram um processo controlado pelo Estado, o outro impulsionado pelos trabalhadores.

Claro que se pode argumentar que as nacionalizações só foram possíveis devido ao apoio da «rua» - o que também é verdade.

A maneira mais eficaz de distinguir os dois processos é analisar o apoio partidário que tiveram, nessa época. As nacionalizações foram apoiadas por todos os partidos de esquerda, incluindo o PS (e perante a relativa indiferença, tanto quanto me apercebo, do PPD). As ocupações tiveram a oposição de todos os partidos à direita do PCP.

Luís Bonifácio said...

O primeiro video é um excerto do filme Torrebela de Thomas Harlaan sobre uma ocupação de uma propriedade em Manique do Intendente.
Esta ocupação foi fora da area desiognada de reforma agrária e não foi da responsabilidade do PCP.
25 anos mais tarde o realizador confessou ao Expresso ter sido ele próprio o "organizador" da ocupação, tendo para isso contratado um assaltante de Bancos recentemente libertado de Alcoentre (De costas em frente ao militra) chamado Alex que lidera o "movimento". Sobre as questões da agricultura da altura, o proprietário explica bem as questões ecoinómicas a ela subjacentes (o próprio realizador andou a entrevistar proprietários para escolher a herdade que seria "ocupada".

A ocupação terminaria ainda antes do 25 de Novembro com a prisão dos envolvidos.

Jorge Assunção said...

Miguel,

mas as ocupações explicam, e muito, as "fugas" a que Louçã se referia, certo? É que os capitalistas não "fugiram" propriamente por nada, foi todo um ambiente, que os vídeos do António de Almeida tão bem exemplificam, que explica as "fugas" em causa (isto para não falar que existiram ocupações que foram posteriormente acompanhadas por nacionalizações das propriedades ocupadas).

E alegar que foram as "fugas" o motivo das nacionalizações é uma mistificação - as nacionalizações foram feitas porque quem detinha o poder na altura favorecia um determinado tipo de sociedade. Pegando na conclusão do texto, o Miguel afirma que se as «nacionalizações foram feitas por um "governo burguês" [...] só podem ter sido feitas por ter sido estritamente necessário». Se assim foi, como é que se explica que na Constituição tivesse ficado incluída a irreversibilidade dessas mesmas nacionalizações? Irreversibilidade essa que o PS opôs-se a retirar da Constituição até bem dentro da década de 80. Se fosse uma coisa que tivesse sido "necessária", mas não desejada (presumo que é esse o sentido do necessária, de carácter obrigatório), os que haviam nacionalizado largos sectores da economia, o tal "governo burguês", logo que possível trataria de voltar a reprivatizar. Não foi isso que sucedeu, nem foi isso o pretendido, como ficou claro na Constituição de então, o que deita por terra qualquer argumentação nesse sentido.

agitador said...

desculpem o meu português, mas que se fodam os gajos. só foi pena as ocupações nao terem sido mais generalizadas e a intervenção do soares.
eles não se foram embora por causa das nacionalizações, foram as ocupações e uma coisa é bem diferente da outra.

até porque esse mote, durante o debate leite-louçã, foi tudo menos ingenuo. o que aconteceu foi pura e simplesmente uma tentativa de colar um estereotipo a uma pessoa e assim provocar o medo nos eleitores, e os politicos são bons nisso.este fenomeno é tipico de quando as ideias que se apresentam
são gastas.

já ninguem acredita na "ameaça vermelha", alias nem quem inventou o termo.

agora pergunto, e se as ocupações e a reforma agraria tivessem sido bem sucedidas, e com o apoio popular, qual era o problema?

essas pessoas foram previlegiadas por um sistema injusto e opressivo, fizeram grande fortuna à custa disso. por esta razão é que fugiram e outros porque eram alergicos à democracia.

João Branco (JORB) said...

Luís Bonifácio: e como está a Herdade, agora? Bem aproveitada e produtiva?

Luís Bonifácio said...

Grande parte da herdade é hoje em dia uma plantação de eucalipto, explorada pela Portucel.
O seu proprietário é um presidente de um país africano de lingua portuguesa.

Filipe Abrantes said...

"desculpem o meu português, mas que se fodam os gajos. só foi pena as ocupações nao terem sido mais generalizadas e a intervenção do soares."

Face a este discurso só a força das armas. Ganhasse o mais forte.

agitador said...

caro filipe abrantes,

é a minha opinião e só respondo pela minha opinião. eu não estou a apelar à violencia. (queimar um carro ou outro não há problema)

mas se de uma forma democratica, os portugueses se decidissem pela ocupação generalizada?

de resto, as ideias sobre as quais portugal se governava antes 25 de abril eram violentas e injustas.

por outro lado, na minha opinião, mas eu sou um radical,não o nego nem nunca neguei, o mundo de hoje tambem é radical senão até mais radical do que eu.
veja-se o que passa, guerras despropositadas, crimes cometidos em nome da liberdade. e no fim o que fica sobra? eufemismos, a máscara da "moderação", porque afinal somos todos moderados... tão moderados que as ideias e os principios deixaram de ter valor, e isto sim é uma ideia radical.

quando o sacro-santo mercado falha o que acontece?
os politicos dizem que vao tomar medidas por forma a reestruturar o mercado financeiro... onde estão?
dizem que vão tomar medidas para combater os off-shores... onde estão?

a realidade é que estamos condenados à ideia de um estado hobbesiano que defende que o estado natural do ser humano é a guerra, e que convem o estado resfrear os animos e manter as pessoas na linha seja pela força, seja por piscares de olho a partes do eleitorado, mas nunca fazer frente ao status quo.

pode dizer que não concorda e que muitas pessoas não concordam com a minha visão das coisas em relação a muitas materias... saude, economia, educação, etc... não é isso que está em causa, o que está em causa é o pantano a que a politica está submersa.
agora não nego, nem o cavalheiro pode negar que o objectivo, mesmo que dentro de linhas democraticas (atenção sem violencia nem intimidação), de um movimento politico é tornar-se realidade.

no entanto hoje, e basta ver o ultimo debate socrates-louça, a retorica do medo e da "ameaça vermelha" é usada sem o menor despudor, para adjectivar alguem que tem um projecto politico e ideias diferentes, por forma a defender a "moderação" a todo o custo. o proprio socrates disse é uma questao de atitude...tudo resume-se à atitude.
george carlin tinha razão quando falava na "ilusão de escolha", quando falava da politica norte americana, e o mesmo se pode dizer de portugal de muitos outros paises.

abraço

agitador said...

com despudor.... enganei-me