ou a angústia do prego.
Por grosso, a coisa resume-se à regurgitação do credo revolucionário de Thomas Paine. (...) [O]s repetidores actuais dispensam-se de maçadas e declaram a democracia como o único sistema de governo, intrínseca e irrestritamente bom. Pouco lhes importa que na Inglaterra, onde Paine nasceu, a "universalização" da democracia foi o resultado de quase um século de reformas políticas graduais; ou que os EUA (...) tenham nascido como projecto republicano, só posterior e gradualmente democratizado. Não lhes ocorre, ou não lhes interessa, considerar as consequências potencialmente desastrosas da súbita introdução da "democracia" num país sem qualquer simulacro verosímil de Estado de Direito e em particular, sem um poder judicial independente e imparcial.(...)
Contrariar os desejos da turba, ou mostrar cepticismo quanto à prioridade da "democracia", assegura imediatamente a condenação moral de "colaboracionismo" com a autocracia do senhor Mubarak, uma condenação sem recurso já aplicada às políticas externas dos países ocidentais. Rousseau e Paine também supunham que a política externa era uma "conspiração" de governos corruptos contra "os povos", e, à semelhança de Trotsky, não lhe viam qualquer utilidade depois do "triunfo revolucionário". As suas réplicas actuais desdobram-se em argumentos engenhosos para demonstrar a inocuidade prospectiva da Irmandade Islâmica e a desnecessidade de qualquer política externa: basta abençoar a democratização imediata do Egipto e o mundo árabe vai de si mesmo. (...) Emancipar o Egipto exige dotar o país de um Estado de Direito que faculte aos egípcios o acesso legal à propriedade, uma tarefa complexa que necessita do apoio de uma diplomacia ocidental cuidadosa e sofisticada. Insistir na democracia sem cuidar desta e de outras questões institucionais dará péssimo resultado; argumentar que a democracia encarregar-se-á de resolver os problemas, oscila entre a desonestidade e a ignorância, mas como dizia Mark Twain, quando só se tem um martelo, tudo se parece com um prego."
Agora, é substituir Egipto por Iraque ou Afeganistão e parece-me um excelente texto anti trostsky-neocons. Do tipo que texto que eu escreveria ou se calhar escrevi inúmeras vezes (mas sem o mesmo talento do Fernando Gabriel, pelo menos sem o talento de escrever:
"emancipar o Egipto exige dotar o país de um Estado de Direito que faculte aos egípcios o acesso legal à propriedade, uma tarefa complexa que necessita do apoio de uma diplomacia ocidental cuidadosa e sofisticada".
Como sabemos o direito de propriedade é algo muito, muito complexo, que as crianças Ocidentais reivindicam logo quase desde a nascença nos seus brinquedos, mas tal não se passa com as crianças do mundo árabe.
Faltaria mencionar a disfunção optimista na implementação de instituições político-sociais do ethos cristão ocidental nos desertos tribais (tipo federalismo Suíço no Afeganistão) e coisas do género. Aliás, no caso do Egipto sempre se poderá argumentar que há mais razões para arriscar a tal improvável mas possível sucesso do que no Iraque e Afeganistão). Mas podemos contar para essa transformação coma acção espontânea de instituições democrático-liberais pelo Estado Mínimo Grande para a reeducação dos povos apoiada por grande programas quinquenais de desenvolvimento.
PS: Para ser honesto, não tenho presente a posição passada e corrente do autor nos casos citados (Iraque e Afeganistão e teoria neo-conservadora em geral).
3 comments:
Pelo menos acerca do Afeganistão, a posição do Fernando Gabriel parece-me mais de "colonialismo à moda antiga" - manter a lei e a ordem, mas sem grandes prentensões de nation building:
http://economico.sapo.pt/noticias/as-barbas-de-kunduz_7135.html
The old British Empire.
Foi tentado por vários.
Portanto, os países árabes não devem importar directamente instituições democráticas ocidentais (neste texto consideradas como já "terminadas", sentadinhas no colo do fim da história) mas antes proceder a uma gradual perversão do seus sistema legal, que os aproxime das soluções pós-revolucionárias que os conservadores (neo e antigos) consideram ser a "cultura ocidental", olvidando outros tantos séculos em ruptura.
Este textinho é o exemplo terminado do germen do pensamento jacobino.
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