Sunday, February 06, 2011

Os muçulmanos seguem o mesmo Deus que os cristãos?

De vez em quando algumas pessoas (creio que geralmente cristãos) defendem a tese que o Deus dos muçulmanos não é o dos cristãos, por vezes insistindo em que a palavra árabe "Allah" ("Deus", "A Divindade") não seja traduzida para "Deus".

Isso faz sentido? Poderá fazer num conjunto muito especifico de condições, mas duvido que algum cristão possa concordar com elas.

Primeiro, temos que ver uma coisa - de acordo com a doutrina muçulmana, o Deus que ditou o Corão a Mahomed, etc, etc, é o mesmo Deus que falou com Adão, Noé, Abraão, Moisés e Jesus, e segundo eles foram os judeus e cristãos que se afastarem dos ensinamentos divinos. É por isso que, segundo a lei islâmica, desde que se submetam, os judeus e cristãos podem viver e continuar a praticar o seu culto (porque serão uma espécie de "pré-muçulmanos"), enquanto que os "pagãos" são para passar à espada* (embora na prática esse estatuto de semi-tolerância fosse frequentemente alargado a qualquer religião organizada com peso social significativo, como os zoroastrianos na Pérsia ou os hindus).

Portanto, temos que os muçulmanos consideram-se a si mesmos como seguindo o mesmo deus que cristãos e judeus.

Assim, se considerarmos o islamismo apenas como um sistema de crenças, é evidente que o Deus islâmico é o Deus cristão e judeu, no sentido de "o Deus que os muçulmanos acreditam na existência é o mesmo Deus em que os judeus e cristãos acreditam" (se os muçulmanos acreditam que o Deus é o mesmo, isso quer dizer que acreditam no mesmo Deus).

Agora, o que se poderá dizer é que os muçulmanos até podem acreditar que seguem o mesmo Deus, mas na realidade seguem um Deus diferente. É possivel, mas defender que o Deus que os muçulmanos adoram é, "na realidade", outro Deus implica aceitar que:

a) o Deus que os muçulmanos adoram existe na realidade

b) e esse Deus não é o Deus judaico-cristão

Ou seja, essa posição implica aceitar que existe por aí, no mundo real, um Deus distinto do Deus cristão; penso que se um cristão defender tal ideia seria candidato à excumunhão...

Pondo a coisa de outra maneira, poderiamos dizer que há três hipóteses possiveis sobre o islamismo:

a) o islamismo é uma simples história da carochinha, que só existe na cabeça dos seus crentes (nesse caso, como na cabeça dos muçulmanos o seu Deus é o Deus dos cristãos, então é o Deus dos cristão)

b) os muçulmanos adoram um Deus com existência real, que coincide com o Deus cristão

c) os muçulmanos adoram um Deus com existência real, que não é o Deus dos cristãos

A única maneira de negar que o Deus dos cristão e muçulmanos é mesmo acreditar na hipótese c).

Há o argumento que, segundo os muçulmanos, Deus tem características diferentes das que os cristãos que lhe atribuem (p.ex., os muçulmanos não acreditam na Trindade, e o seu Deus não parece ter a benevolência que os cristãos lhe atribuem); mas tal (além de implicar que judeus e cristãos seguiriam diferentes deuses) implicaria também que as diferentes seitas cristãs não acreditassem no mesmo Deus, já que elas tendem a atribuir-lhe diferentes características.

Imaginemos duas pessoas a falar de uma terceira pessoa: um diz que essa 3º pessoa é muito simpática, o outro que a acha bastante antipática - poderemos a partir daqui dizer que elas a falar de pessoas diferentes?

*há uns anos houve um polémica entre os lideres muçulmanos do Iraque sobre se os seguidores de S. João Baptista contavam como cristãos ou não; o cerne prático da questão era exactamente se era ou não legítimo matá-los sistematicamente (creio que a opinião que prevaleceu foi "não são cristãos e portanto podem ser perseguidos sem problemas")

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