No Blasfémias, João Miranda apresenta uma comparação do "Processo democrático vs. mercado" (via Blue Longe). Eu era para escrever (e, realmente, estou a escrever) um post de resposta (nomeadamente porque acho quea democracia não requer altruismo), mas o comentador Alfredo fez uma critica muito melhor do que eu faria (aliás, houve outro comentador que escreveu: "É realmente um bom topico. Não pelo post inicial do diletante JM mas sim pelos comentários do Alfredo").
Mas, mesmo assim, vou acrescentar mais uma critica: é verdade que é mais dificil escapar à autoridade do governo no Estado do que à autoridade patronal no local de trabalho (já que é muito mais fácil mudar de emprego, ou ir trabalhar por conta própria, do que mudar de país); mas, por outro lado, a autoridade patronal, muitas vezes, é muito mais controladora do que a autoridade dos governos democráticos: as democracias não costuma impôr "dress codes" aos seus cidadãos, nem fazer leis proibindo-os de fumar mesmo quando estejam num pais estrangeiro (e há empresas que proibem os seus empregados de fumar mesmo quando não estão em serviço).
E mesmo o ser mais fácil mudar de país do que de local de trabalho não é necessariamente uma regra universal: afinal, pode haver empresas maiores que paises. P.ex., de certeza que há propriedades rurais no sul de Espanha maiores do que Gibraltar.
Mas, mesmo assim, vou acrescentar mais uma critica: é verdade que é mais dificil escapar à autoridade do governo no Estado do que à autoridade patronal no local de trabalho (já que é muito mais fácil mudar de emprego, ou ir trabalhar por conta própria, do que mudar de país); mas, por outro lado, a autoridade patronal, muitas vezes, é muito mais controladora do que a autoridade dos governos democráticos: as democracias não costuma impôr "dress codes" aos seus cidadãos, nem fazer leis proibindo-os de fumar mesmo quando estejam num pais estrangeiro (e há empresas que proibem os seus empregados de fumar mesmo quando não estão em serviço).
E mesmo o ser mais fácil mudar de país do que de local de trabalho não é necessariamente uma regra universal: afinal, pode haver empresas maiores que paises. P.ex., de certeza que há propriedades rurais no sul de Espanha maiores do que Gibraltar.
12 comments:
«as democracias não costuma[m](...)fazer leis proibindo-os [aos cidadãos] de fumar» mas restringem arbitrariamente a liberdade de poder fumar [o que não deixa de ser uma proibição, não absoluta, mas parcial...].
há ainda uma outra diferença é que entre o empregado e a entidade patronal há um contrato que é assinado por ambas as partes, estando os 2 em acordo e caso haja litígio a situação poderá ser levada a tribunal.
entre o estado e o cidadão há apenas um contrato tácito [sem que se compreenda exactamente od direitos e deveres das partes], que retira/limita quaisquer capacidades do cidadão em caso de incumprimento por parte do estado, de o processar com exito.
e isso é para mim uma grande diferença
"entre o estado e o cidadão há apenas um contrato tácito [sem que se compreenda exactamente od direitos e deveres das partes], que retira/limita quaisquer capacidades do cidadão em caso de incumprimento por parte do estado, de o processar com exito."
Podemos processar o Estado. Claro que quem julga o processo é o próprio Estado, mas os tribunais são relativamente independentes do governo e da administração pública. Em compensação, numa empresa, os processos disciplinares são instruidos e "julgados" por individuos designados pela administração da empresa.
É verdade que há possibilidade de recorrer aos tribunais comuns, mas isso não será apenas porque não vivemos num mercado capitalista puro? Por outras palavras, a grande diferença entre uma empresa e um estado não será, exactamente, que a empresa tem, por cima, um estado que limita o seu poder?
«diferença entre uma empresa e um estado não será, exactamente, que a empresa tem, por cima, um estado que limita o seu poder?» sim, mas o grande problema é que a empresa só intervem na vida de uma parte muito pouco significativa dos cidadãos, enquanto que o estado intervem na vida de todos os cidadão. e o estado precisa de um açaime, de um espartilho, de uma grilheta...
estive a ler atentamente o quadro e as criticas.
ainda bem que há pessoas como o alfredo, que não se deixam iludir tão facilmente com a mão invisivel e compreende as diferenças entre democracia e mercado.
em relação ao autor do quadro...bem, nada me espanta, mas é incrivel, incrivelmente terrivel, como alguem é capaz de dizer tais coisas.
por outro lado, não estou surpreso, há certos liberais que nem sabem a diferença entre cidadão e consumidor.
para mim, tanto o estado como o mercado (tal como o entendemos hoje) são figuras autoritarias.
basta ver a organização fortemente hierarquica, as relações entre "colaboradores".
há um livro do instituto piaget bastante interessante sobre psicologia do trabalho, em que se fala das diferenças entre experiencias cooperativas e competitivas.
de resto, o mercado é uma expressão um pouco vaga, na antiguidade o mercado obedecia a certas regras, e não me refiro às regras que existem hoje, mas outras de cariz cultural e social.
até existe um trabalho antropologico feito sobre isso, do qual agora não me lembro o nome.
"mas o grande problema é que a empresa só intervem na vida de uma parte muito pouco significativa dos cidadãos, enquanto que o estado intervem na vida de todos os cidadão"
Que cada empresa so' intervem na vida de uma parte pouco significativa dos cidadaos passa, a meu ver, ao lado da questao. O ponto importante e' que a vida de quase todos os cidadaos e' afectada por uma empresa. E, esse efeito da empresa na vida de cada um, nao tem qualquer contrapeso (check or balance), a nao ser por via das regulamentacoes garantidas pelo Estado. Este, sim, tem varios contrapesos democraticos.
De qq. modo, existem muitas empresas que influenciam a vida de muitos milhoes de cidadaos pelo Mundo fora, teem uma maior dimensao economica que muitos Estados, e os unicos contrapeso democraticos sao aqueles que os Estados sao capazes de assegurar.
ms-p, compreendo as reticências mas dizer que as empresas têm mais poder sobre um maior nº de individuos do que o estado, parece-me um pouco forçado.
quando dizes : «a vida de quase todos os cidadaos e' afectada por uma empresa.» estás-te a referir a que empresa em concreto??
«esse efeito da empresa na vida de cada um, nao tem qualquer contrapeso» ?? não tem contrapeso? como assim? então o consumidor não pode decidir não adquirir os bens e/ou serviços dessa empresa? isso não limita a acção da dita empresa??
o sistema de check and balance é efectivamente um sistema essencial numa democracia. no entanto pensar que esse sistema deveria transporto para a vida empresarial é um excesso.
obviamente que me referia a mp-s e não ms-p, desculpa-me pelo erro...
"E, esse efeito da empresa na vida de cada um, nao tem qualquer contrapeso (check or balance), a nao ser por via das regulamentacoes garantidas pelo Estado"
Bem, se calhar contra o que eu próprio disse há uns comments atrás, pode haver outro contrapeso ao poder de uma empresa - a chamada "acção directa". P.ex, se uma empresa impor regras que ataquem os trabalhadores considerem ofensivas dos seus direitos, estes têm sempre a hipotese de decidirem ignorar essas regras (p.ex., certas lutas laborais pela redução do horário de trabalho têm sido feitas pelo metodo de os trabalhadores, unilateralmente, começarem já a praticar o horário que reivindicam)
E, no caso extremo de serem despedidos por isso, podem sempre ignorar a ordem de despedimento e continuar a trabalhar como se nada tivesse acontecido.
No entanto, o tema do post não é "Estado vs. Empresas", mas "Processo democrático vs. mercado", e a "acção directa" é também uma forma de "processo democrático", logo isto não afecta muito os termos do debate (embora as criticas do João Miranda acerca do "Lag do feedback" não se apliquem à acção directa)
o mercado só se pode comparar a um proceso democratico, caso haja uma maior ligação entre consumidor e produtor. e mesmo assim continuam a ter naturezas completamente diferentes.
actualmente predominam os intermediarios.
as empresas tem, ao contrario do que foi aqui afirmado um peso relevante na vida das pessoas e das comunidades.
exemplos disso não faltam. áreas que dantes prosperavam e vibravam com a abertura de uma simples empresa, devido aos serviços que se formavam em torno dos trabalhadores dessa empresa, hoje são cidades fantasma.
por isso é que tem surgido formas alternativas de organização das comunidades, estilo sistema "lets" e outras. uma forma de acção directa e, esta sim, democratica.
as nossas vidas, onde comemos, o que comemos, onde habitamos, o que fazemos, o que estudamos está depente do mercado.
tambem é verdade que o nosso tempo de vida, para alem do trabalho, é influenciado pela disciplina de mercado.
se as pessoas podem tomar acção directa, esta tambem se encontra fragilizada em alturas de crise. levantas muito a voz e "nós" vamos para outras paragens onde as leis sejam mais "permissivas".
grande maioria das pessoas está a borrifar-se sobre as condições em que vivem e trabalham quem lhes faz a bola do mundial, ou a camisa, ou a t-shirt.
negar o impacto das empresas, isto é, a forma fisica da economia no nosso dia a dia, é absurdo. toda a gente sabe que o poder economico molda a politica e não o contrario. a politica sempre foi uma mera reacção ao economico.
alias agora as empresas querem ter maior controlo sobre os seus trabalhadores e consumidores. existem tentativas de através de exames medicos penalizar trabalhadores, ou atraves de chips localiza-los.
outro exemplo de como as empresas não tem "auto controlo" são as empresas de mineração dos eua.
as empresas que tem politicas anti sindicatos, e logo não permitem a organização destes, tem muitos mais acidentes de trabalho e menos condições do que as empresas onde os sindicatos tem um peso importante. e os sindicatos, como toda a gente sabe são uma forma de acção directa e democratica.
«a vida de quase todos os cidadaos e' afectada por uma empresa.»
al, foi uma gralha. Queria escrever "a vida de todos os cidadaos e' afectada por ALGUMA empresa"; na verdade, por mais de uma. Sim, claro, os consumidores podem decidir penalizar uma empresa. E claro que e' bom que existam varias. O ponto que eu levantei foi que os procedimentos internos das empresas sao, em geral, autoritarios e nao democraticos. Para evitar que isso tenha consequencias demasiados negativas e' que sao necessarias regulamentacoes gerais externas 'as empresas. E' que existe uma assimetria de poder demasiado grande entre os individuos e as empresas. E nao vejo, actualmente, senao o Estado democratico como agente regulador. Imaginar que accoes individuais descoordenadas podem ser eficazes como contra-peso parece-me irrealista.
«O ponto que eu levantei foi que os procedimentos internos das empresas » mas esses procedimentos internos têm de ser feitos em acordo com os trabalhadores, uma empresa não funciona sem trabalhadores...
eu também acho que o estado pode regular alguma coisa, mas não muito... porque senão torna-se ele próprio um elemento de assimetria de poder...
e acções individuais podem ser coordenadas...
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