Saturday, March 25, 2006

Re: O alegado poder de mercado do empresário

No Blasfémias, João Miranda responde à minha opinião de que o despedimento sem justa causa põe o trabalhador sem defesa face ao poder do empregador.

João Miranda argumenta que o ("alegado") poder de mercado do empresário não passa do "poder da natureza" (será a natural escassez de recursos que dará "poder" aos empresários) e que tentar limitar por vias legais o "suposto poder do empregador" vai desincentivar a criação de empregos por parte dos empresários e, assim, reduzir as alternativas de emprego que os trabalhadores têm disponiveis.

Logo a tese de o "poder do empregador" não ser mais que o "poder da natureza" poderia ser contestada: vários pensadores, como Lysander Spooner, Benjamim Tucker ou Kevin Carson, defendem/defenderam a posição que a concentração da propriedade dos "meios de produção" nas mãos dos capitalistas só é possivel devido a estes beneficiarem de intervenção estatal a seu favor, e que um verdadeiro "mercado livre" conduziria "naturalmente" a uma sociedade de pequenos proprietários. Um produto típico desta forma de pensar é a "carta de solidariedade aos estudantes e trabalhadores franceses" dinamizada por um grupo de "libertarians" norte-americanos, argumentando que liberalizar os despedimentos enquanto se deixa de pé toda a intervenção estatal favorável às grandes empresas é uma "cruel joke". No entanto, eu tenho grandes dúvidas acerca da validade destas teses (acho que merecem mais atenção do que têm tido - p.ex., creio que Proudhon, o "mestre" de Tucker e Carson, nem sequer é ensinado nas cadeiras de História do Pensamento Económico - mais daí a subscrevê-las a 100% vai um grande salto...) pelo que não vou insistir neste ponto.

Após esta divagação (os meus leitores habituais já devem ter reparado neste hábito, não?), vamos ao que interessa: será que a proibição do despedimento sem justa causa é uma má maneira de combater a dependência dos trabalhadores face aos patrões?

É verdade que, quanto maior fôr o desemprego, menor será o "poder de mercado" do trabalhador face ao empregador (se tudo o resto fôr igual); e também é verdade que a
a proibição do despedimento sem justa causa faz o desemprego ser um pouco maior do que seria (se tudo o resto fôr igual). Logo, será que a proibição do despedimento sem justa causa, de uma forma preversa, não reduzirá o poder do trabalhador face ao patrão? A minha resposta: quase de certeza que não. Repare-se nos "(se tudo o resto for igual)" que introduzi: mesmo que passasse a haver um pouco mais de empregos devido à institucionalização do despedimento sem justa causa, esse efeito (em termos de consequências sobre o poder relativo trabalhador-patrão) seria, quase de certeza, mais que anulado pelo poder discricionário de despedir que o patrão passaria a ter.

Além disso, a relação entre o desemprego e o despedimento sem justa causa não é assim tão linear: afinal, os "30 gloriosos" anos (aproximadamente 1945-1975) de alto crescimento económico e baixo desemprego ocorreram, na Europa, num ambiente em que não havia despedimento sem justa causa (ao contrário dos não-gloriosos anos 30 da crise económica, em que a "flexibilidade laboral" imperava). Além disso, a ausência de despedimento sem justa causa não é uma excepcionalidade francesa (ou portuguesa): é uma caracteristica de grande parte dos paises europeus, muitos dos quais conseguem - apesar disso - ter um desemprego substancialmente menor que o francês. Poder-se-á argumentar que, mesmo sem "despedimento sem justa causa", esses outros paises podem ter legislações mais flexiveis (p.ex, um maior leque de "justas causas" aceitáveis para despedimento), mas há uma diferença qualitativa importante entre admitir ou não o despedimento sem justa causa (seja esta "justa causa" qual for): mesmo com um leque alargado de "justas causas", continuamos no dominio das regras previsíveis - o trabalhador sabe em que circunstancias pode ou não ser despedido; pelo contrário, com o despedimento sem justa causa, estamos no dominio do arbitrio puro e simples.

4 comments:

aL said...

«mesmo com um leque alargado de "justas causas", continuamos no dominio das regras previsíveis - o trabalhador sabe em que circunstancias pode ou não ser despedido; pelo contrário, com o despedimento sem justa causa, estamos no dominio do arbitrio puro e simples.» clap, clap, clap!!

Anonymous said...

Bom texto!

Anonymous said...

estou com o mp-s.

"poder da natureza"? deixa-me rir.

continue divagar, só assim se podem ver as coisas de diferentes perspectivas.

sabine said...

«Realmente, fazendo uma auto-análise, acho que a carrada de filmes, documentários, etc. sobre os anos 60 que eu apanhei na televisão quando tinha 15 anos (eram os 20 anos do Maio de 68) é capaz de ter influenciado bastante o meu "esquerdismo radical"». (desculpe trazer para aqui comentarios de outro blogue):o Miguel está a ser irónico ou freudiano?