Friday, May 11, 2007

Imposto óptimo?

Ainda a respeito da demanda pel'«a forma óptima de alcançar certos objectivos de eficiência e de equidade» em termos de impostos, uma sugestão para o Tiago Mendes (ou para quem quisesse fazer um estudo nessa matéria):

Um imposto sobre a valor da propriedade do solo (note-se que escrevo"solo", não "propriedade imobiliária") e/ou um imposto sobre as externalidades negativas, conjugando com um subsidio de igual valor para todos os individuos (i.e., um "imposto negativo").

P.ex, imagine-se um imposto equivalente a 3% do valor dos terrenos que o contribuinte possuisse (incluindo os terrenos debaixo de casa), conjugado um subsidio anual de 275 euros.

Quem possuisse terrenos no valor de 30.000 euros, pagaria 625 euros de imposto por ano (30.000*3% - 275); já alguêm que possuisse terrenos no valor de 5.000 euros, receberia 125 euros por ano (5.000*3% - 275).

Em termos de "eficiência", penso que este imposto seria perfeito, sem quaisqueres efeitos distorcedores; em termos de equidade, talvez fosse menos progressivo que o sistema actual, mas mais progressivo que a taxa plana sobre o rendimento, já que a distribuição do património costuma ser mais desigual que a do rendimento (embora, por outro lado, se levantasse a questão sobre a justiça de cobrar mais impostos a quem decida investir o seu dinheiro em terrenos em vez de noutra coisa qualquer); já em termos de capacidade de gerar receitas suficientes para as funções do Estado, tenho quase a certeza que um imposto desses não funcionaria, mas pode ser que alguêm queira fazer o tal estudo que refiro acima.

9 comments:

Anonymous said...

E' uma sugestao muito respeitavel. (Num artigo nao consigo falar de tudo, naturalmente). Em parte, o imposto de contribuicao autarquica e' equiparavel a esse. Em Inglaterra ha' o "Council Tax", que e' bem razoavel (quer dizer, "grandinho"). Em termos de eficiencia, quanto menos distorcao, melhor. E um imposto sobre a propriedade e' o menos distorcedor possivel (menos que sobre o trabalho e sobre o consumo). Resta aferir da sua justica e equidade. Alguns defenderao que e' "dupla tributacao" (e em parte julgo que e' inegavel que o seja). Nao o excluo 'a partida. QUem e' um grande defensor de um imposto sobre a propriedade e' o Medina Carreira. Uma pesquisa no google deve dar imensos resultados, I suppose.

TM

JLP said...

Sou também defensor de que a fiscalidade se deveria restringir à taxação da propriedade e aos impostos indirectos, numa lógica de utilizador-pagador e de compensação de externalidades.

Mas acho que restringir a propriedade à propriedade física de terreno é uma solução demasiado redutora. Afinal, o terreno é tão só um repositório de valor como existem muitos outros, e pode ser uma representação muito limitada da real extensão da propriedade de um indivíduo.

Pessoalmente julgo que essa taxação deveria ser extendida a todos os bens de relevo, incluindo contas bancárias, portfolios de acções, carros, casas, obras de arte, jóias, barcos.

Naturalmente, este sistema levanta também questões complicadas e que motivam a meditação. Nomeadamente, acho que esta solução obrigaria inevitavelmente à inexistência de sigilo bancário e à taxação das transferências internacionais de capitais.

Miguel Madeira said...

"Mas acho que restringir a propriedade à propriedade física de terreno é uma solução demasiado redutora"

O argumento de eficiência económica seria que o imposto sobre terrenos quase não tem distorções económicas - p.ex., um imposto sobre contas bancárias diminui o incentivo para poupar dinheiro; um imposto sobre as casas (e não apenas sobre o terreno aonde elas estão) diminui o incentivo à construção; pelo contrário, como a quantidade de terreno é quase fixa, um imposto sobre os terrenos não afecta os incentivos (o único resultado desse imposto é baixar o valor de mercado do terreno, mantendo constante o custo total de possuir esse terreno - a soma do imposto pago mais o custo de opurtunidade de ter dinheiro empatado no terreno em vez de noutro investimento qualquer)

JLP said...

"O argumento de eficiência económica seria que o imposto sobre terrenos quase não tem distorções económicas"

Não acho justo que o proprietário de um hotel pague o mesmo imposto que um proprietário de uma residência individual com a mesma área. Partindo-se do princípio que a lógica deste imposto é a de custear a previsível "footprint" que esse indivíduo tem em termos de uso dos serviços de um estado mínimo de uma forma proporcional.

"um imposto sobre contas bancárias diminui o incentivo para poupar dinheiro; um imposto sobre as casas (e não apenas sobre o terreno aonde elas estão) diminui o incentivo à construção;"

Bem, um imposto sobre a propriedade também desincentiva a construção. Afinal, vai haver menos pessoas interessadas em ter, por exemplo, segundas casas, casas de férias, ou mesmo em terem casas próprias que não sejam apartamentos. Além de que haverá menos investidores dispostos a investir no ramo, uma vez que poderão investir em ramos bastante mais apetecíveis em termos de reserva de capital.

Afinal, qual a diferença em termos de incentivo à poupança entre taxar um terreno e um depósito bancário do mesmo valor?

A minha perspectiva é que, independentemente da forma em que cada um opta por distribuir a sua propriedade pessoal, esta deve ser taxada do mesmo modo, com uma taxa fixa.

Tiago Mendes said...

Caro JLP,

Ja' escreveste sobre isso no blogue? Acho curiosa e interesssante a tua posicao. Gostava de a ver (mais) desenvolvida (ainda).

Quanto ao desincentivo, ele existe sempre, mas taxar a propriedade - pelo valor comparativo que ela tem - e', apesar de tudo, uma forma comparativamente menos distorciva que qualquer outra.

Fico preocupado e' ao ler coisas como:

(1) "compensação de externalidades"

(2) "mas acho que restringir a propriedade à propriedade física de terreno é uma solução demasiado redutora. Afinal, o terreno é tão só um repositório de valor como existem muitos outros, e pode ser uma representação muito limitada da real extensão da propriedade de um indivíduo"

(3) "Pessoalmente julgo que essa taxação deveria ser extendida a todos os bens de relevo, incluindo contas bancárias, portfolios de acções, carros, casas, obras de arte, jóias, barcos"

(4) "Naturalmente, este sistema levanta também questões complicadas e que motivam a meditação. Nomeadamente, acho que esta solução obrigaria inevitavelmente à inexistência de sigilo bancário e à taxação das transferências internacionais de capitais"

Se nao conhecesse minimamente as tuas ideas politicas, ficaria desconfiadissimo de estar a falar com um perigoso estatista-socialista, que quer meter o bedelho em tudo quanto e' sitio, desrespeitando a propriedade privada, ate' para, vejam bem, "corrigir externalidades". Onde chegaria o intervencionismo...

Bom, acho que percebes onde quero chegar.

Rui Baptista said...

O TM já aqui afirmou que existe um imposto assim, o imposto de contribuição autárquica. É baseado numa avaliação da propriedade, através de um difuso código das avaliações.

A minha opinião:
- se o valor da propriedade do solo é uniforme um imposto sobre essa propriedade é injusto: o valor da propriedade depende do que potencialmente pode ser produzido ou construído, temos que distinguir terrenos urbanos, com fácil acesso, ++
- uma avaliação da potencialidade de uma propriedade é subjectiva e pode ser corrompida; prefiro impostos sobre valores mais mensuráveis como o rendimento ou o consumo.

JLP said...

TM,

"Ja' escreveste sobre isso no blogue? Acho curiosa e interesssante a tua posicao. Gostava de a ver (mais) desenvolvida (ainda)."

Tenho ideia que não. Fica para os próximos capítulos!

Questão prévia: as considerações válidas só o são, para mim, num cenário de estado mínimo (segurança, justiça, defesa, safety net), com propriedade privada absoluta.

"e nao conhecesse minimamente as tuas ideas politicas, ficaria desconfiadissimo de estar a falar com um perigoso estatista-socialista, que quer meter o bedelho em tudo quanto e' sitio, desrespeitando a propriedade privada, ate' para, vejam bem, "corrigir externalidades". Onde chegaria o intervencionismo..."

Calma! :-)

Primeiro ponto: as externalidades.

Há algumas externalidades que eu considero que fazem todo o sentido de ser taxadas: por exemplo, o consumo de água de rios que atravessam propriedades (mesmo considerando os rios privados, e descontando questões menores como as perdas naturais de água entra a que entra e sai do terreno), ou as emissões atmosféricas feita no seio de uma propriedade.

Quanto à questão da taxação, tens que pensar em termos da mudança de todo um paradigma. Deixas de ter outros impostos que não sejam justificados pelo princípio utilizador pagador ou pelas externalidades. Posto isto, acho que é uma solução justa correlacionar a propriedade que cada um possui com as despesas que o estado incorre para a sua protecção. Se tiveres 4 casas, as despesas de policiamento serão claramente superiores às de alguém que tenha uma. A própria noção de "risco social" associado a uma pessoa que tem posses é muito superior a de uma pessoa de poucas posses. A probabilidade de atrair a cobiça e ser roubado (ou vítima de violência) é superior, obrigando a haver mais policiamento e a contar com despesas júridicas associadas ao crime de roubo.

Sendo assim, acho perfeitamente razoável estabelecer essa correlação. Naturalmente, isso obriga a algumas questões "difíceis". Se não taxares as transferências internacionais de capital, vais ter free-riding de pessoas que naturalmente optarão por guardar os seus recursos no estrangeiro, mas vão recorrer a serviços portugueses para a proteger. Se tiveres sigilo bancário, toda a gente naturalmente vai acumular a sua propriedade na forma de depósitos bancários. Como tal, num sistema deste, são duas questões que não são de resolução fácil.

Uma solução possível seria a de dizer que a responsabilidade do estado estaria limitada ao património declarado. Por exemplo, se alguém não declarar de sua iniciativa um carro, esse carro em termos legais deixa de existir como património, ou seja, por exemplo uma pessoa que roube esse carro seria acusada e condenada (penalmente), mas o estado escusar-se-ia de obrigar à devolução do bem, ou ao pagamento de alguma forma de indemnização do dano. Ou seja, o papel do estado em termos cíveis seria uma espécie de "companhia de seguros", com responsabilidade limitada aos bens que são declarados para a sua protecção (e com a diferença de poder intervir coercivamente em relação a terceiros). As pessoas teriam também a opção, ao declarar ou não os bens, de escolher o nível da sua "integração" no estado, já que poderiam aceitar voluntariamente o risco de defender a sua própria propriedade e prescindir de contribuir para o estado.

Naturalmente, teria que ser pensada uma maneira de colmatar as despesas da safety net e da defesa da integridade física do indivíduo.

Espero que tenha sido compreensível e tenha passado como sendo pouco estatista-socialista... ;-)

Miguel Madeira said...

"Bem, um imposto sobre a propriedade também desincentiva a construção. Afinal, vai haver menos pessoas interessadas em ter, por exemplo, segundas casas, casas de férias, ou mesmo em terem casas próprias que não sejam apartamentos."

"Afinal, qual a diferença em termos de incentivo à poupança entre taxar um terreno e um depósito bancário do mesmo valor?"

Nos próximos dias, faço um post a explicar isso.

No entanto, se algum dos leitores tiver em casa a 12ª edição do "Samuelson" (quem tiver, sabe de que livro estou a falar), pode dar um salto ao capitulo 27 ("Determinação dos preços dos factores produtivos"), pp. 750-752

Miguel Madeira said...

"O TM já aqui afirmou que existe um imposto assim, o imposto de contribuição autárquica."

A contribuição autárquica baseia-se no valor do terreno mais o da construção.

"se o valor da propriedade do solo é uniforme um imposto sobre essa propriedade é injusto: o valor da propriedade depende do que potencialmente pode ser produzido ou construído, temos que distinguir terrenos urbanos, com fácil acesso, ++"

mas alguêm disse que o solo tem o mesmo valor em todo o sitio - claro que 100 m2 em lisboa valerão mais (e seriam mais taxados) do que 1000 m2 no barrocal algarvio.