Thursday, May 03, 2007

Trabalho por conta própria, "empreendedorismo", etc.

Hoje, o Jornal de Negócios publicou um conjunto de artigos sobre o tema em epigrafe. Num deles escreve-se:

"A comissão Europeia inaugurou o debate público ao publicar, no inicio de 2003, um Livro Verde sobre «Empreendedorismo na Europa» que se centrava em duas questões em particular: por que razão tão poucos europeus abrem o seu próprio negócio e por que motivo tão poucos negócios florescem na Europa?"

"Segundo as conclusões de um estudo de 2004 da EOS Gallup Europe, encomendado pela CE, os europeus preferem o estatuto de trabalhador por conta de outrem, ao passo que os americanos optam pelo de empresário em nome individual"

Vamos lá comparar essa sondagem com a realidade e relembrar esta tabela com a percentagem de trabalhadores por conta própria por país (dados da OCDE):

País Auto -emprego
Greece 30,1
Turkey 29,1
Mexico 28,5
Korea 27
Italy 24,9
Portugal 23,5
Poland 20,4
New Zealand 17,8
Ireland 16,6
Spain 16,5
Czech Republic 15,3
Iceland 14,1
Belgium 13,6
Hungary 13,3
United Kingdom 12,7
Slovak Republic 12,6
Australia 12,6
Finland 12
Austria 11,8
Germany 11,2
Netherlands 11,1
Japan 10,2
Sweden 9,6
Switzerland 9,3
Canada 9,2
France 8,9
Denmark 7,8
United States 7,3
Norway 7,1
Luxembourg 6,5

A conclusão que podemos tirar é que os norte-americanos são uns frustrados, porque nas sondagens dizem que querem ser empresários em nome individual mas depois são dos países da OCDE aonde mais gente trabalha por conta de outrém (a hipótese alternativa é que os norte-americanos só dizem que querem ser empresários porque acham que "dá estilo").

E quando se passa para a distinção entre trabalhador por conta própria e "empreendedor", então é que a conversa atinge os píncaros da "venda de banha da cobra":

"Portugal tem muitos trabalhadores por conta própria mas poucos empreendedores"

(...)

"De acordo com o Global Entrepeneurship Monitor (...) as diferenças de crescimento do PIB são atribuidas aos variados graus de actividade empreendedora. «Portugal tem uma das mais baixas taxas de actividade empreendedora da UE. Tem apenas 4 empreendedores por cada 100 pessoas com idades compreendidas entre os 18 e os 64 anos", referia o estudo de 2005"

Ora, a partir do momento em que a definição de "empreendedor" se torna dependente de factores difíceis de medir objectivamente*, é relativamente fácil dizer "a chave do desenvolvimento está no empreendedorismo", já que o raciocínio acaba por ser um bocado circular (se um país tiver muitos empresários mas pouco desenvolvimento, é só dizer que esses empresários não são "empreendedores" e a tese nunca é desmentida).

Já agora, se nem todos os trabalhadores por conta própria são "empreendedores", isso não deveria significar que os trabalhadores por conta de outrém também podem ser considerados "empreendedores"? - afinal, nas grandes empresas o desenvolvimento de novos produtos e/ou "estratégias empresariais" é, fundamentalmente, da responsabilidade de assalariados. No entanto, quando no discurso politico se diz "temos que adoptar medidas favoráveis aos empreendedores", isso é sempre usado no sentido de advogar medidas favoráveis aos empresários (ou seja, empresário e empreendedor são conceitos diferentes e iguais, conforme calha)

*penso que o GEM define "empreendedor" como pessoa ligada a uma nova empresa mas será que uma pessoa que abre um restaurante é um "empreendedor" quando o abre e deixa de o ser depois dele estar a funcionar?

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