Friday, January 15, 2010

Pôr os desempregados a limpar matas/varrer as ruas?

Há muita gente que diz que os beneficiários do subsidio de desemprego deveriam ser postos a "limpar matas", "varrer ruas", "reparar estradas", etc.

Vamos lá ver - imagine-se que eu tenho um seguro para a minha casa, pelo qual pago prémios regulares, e esta é destruída por um incêndio. Alguém iria exigir que eu trabalhasse para a seguradora para compensar o dinheiro que iria receber? Imagino que ninguém iria defender tal coisa - afinal, eu já paguei os prémios à seguradora e são esses pagamentos que me dão direito a receber o valor do seguro.

A filosofia do subsídio de desemprego é a mesma que dum seguro (penso que nalguns países a expressão é mesmo "seguro de desemprego") - eu contribuo todos os meses e, se perder o emprego, recebo o valor do subsídio. Sim, é verdade que é possível que muitas pessoas recebam, durante a sua vida, mais de subsídio do que o que contribuem, mas o mesmo acontece com todos os sistemas de seguro - uma pessoa que veja a sua casa destruida por alguma catastrofe, ou que tenha um acidente, ou coisa assim, provavelmente irá receber mais da companhia de seguros do que o que descontou de prémios.

De qualquer forma, se esses trabalhos que se sugere que os desempregados deveriam fazer são mesmo necessários, faria mais sentido, pura e simplesmente, o Estado contratar pessoas para os fazer, não?

Já agora, esta questão demonstra como a forma como as ideias são colocadas afecta a reacção do público a elas (o chamado "framing"): se alguém sugerir "deviam por as pessoas que estão no subsídio de desemprego a limpar as matas, em vez de lhes estarmos a pagar para não fazerem nada" vai suscitar reacções positivas de alguns sectores e negativas de outros; mas se sugerir "para combater o desemprego devemos lançar um programa de empregos públicos temporários - p.ex., para a limpeza das matas; nem se vai gastar muito dinheiro, já que o custo dos salários dessas pessoas vai ser compensado por menores despesas em subsídios de desemprego", os sectores que irão reagir negativa e positivamente já serão outros (nalguns casos, talvez até sejam opostos), embora o conteúdo real das duas propostas pouco ou nada mude.

6 comments:

NC said...

Sem querer pôr em causa a ideia geral do seu post, com a qual concordo em parte, acho que há umas nuances no seu exemplo que não deviam ser ignoradas.

A seguradora toma as devidas precauções para ajustar os prémios pagos e o risco de incêndio e assegura-se que, no caso de o segurado ser negligente, não cobrir esse dano. Isso obriga a que o segurado tenha um comportamento responsável (mas de moral hazard já deve você estar farto de ler e escrever...).

Isso minimiza os efeitos parasitas no sistema. No caso do subsídio de desemprego a ideia que passa é que o Estado não está muito preocupado em evitar os oportunistas.

É esse parasitismo que não deixa as pessoas indiferentes e as revolta. Isso parece-me bastante humano, embora possa ser em muitos casos injusto.

hugo said...

o post está muito bom. Gostava só de comentar o comentário do tarzan do qual até compreendo o ponto de vista. A parte da "negligencia" penso estar coberta visto que apenas está contemplado pelo subsidio quem não é despedido com um processo de justa causa ou abandona o emprego por iniciativa própria, logo uma postura "negligente" está salvaguardada. Quanto ao valor das contribuições versus compensação penso que a percentagem não será desproporcionada como querem fazer visto que ninguém pode ter subsidio de desemprego ad eternum, max. 12 meses penso eu. A questão da inspecção penso que também está coberta com apresentações periódicas e obrigação de comprovativos de procura de emprego. Na verdade ao reflectir em tudo isto falho em vislumbrar o tal facilitismo que falam. Isto leva-nos ao ponto penso eu mais pertinente. Que existem pessoas que realmente tentam extender ilegitimamente o período em que auferem de subsidio simplesmente porque a diminuição geral do nivel de vida não permite que se preencha um dos items em que o desempregado é forçosamente obrigado a aceitar emprego :"Tem de aceitar o novo emprego se o ordenado bruto não for inferior ao subsídio que recebe, acrescido de 25% ou de 10%, consoante a oferta ocorra nos primeiros 6 meses de desemprego ou depois. Terá sempre de aceitar um emprego em que lhe ofereçam, no mínimo, o que recebia no anterior."

rui fonseca said...

Não Miguel, você não tem razão.

E não tem razão porque a comparação não é aceitável.

O subsídio de desemprego (ou seguro de desemprego, a designação não altera as conclusões) é pago aqueles que perderam o emprego enquanto não conseguirem outro.

Ao desempregado cumpre-lhe diligenciar no sentido de obter um novo emprego. O subsídio (ou seguro) só subsiste se a diligência é feita e durante o período em que ainda não resultou.

Assim sendo, ao Estado, que tem por missão, além do mais, assegurar a assistência social aos desempregados através dos mecanismos de repartição dos rendimentos ao seu dispor, compete-lhe também diligenciar no sentido de promover as acções ao seu alcance para o aumento da oferta de emprego.

Ora, havendo tanto que fazer no domínio dos trabalhos de que o Estado se incumbe, tanto a nível central como a nível local, é da inteira responsabilidade do Estado oferecer trabalho aos que o não têm, que caiba dentro das suas atribuições e das capacidades dos desempregados.

Esta oferta de trabalho, que é suposto dirigir-se à realização de tarefas que os serviços regulares dos orgãos centrais e locais do Estado não estão a cumprir por falta de meios humanos,não colide com os interesses daqueles meios regulares.

Além do interesse comunitário desta política existe o da realização pessoal das pessoas envolvidas. O desemprego, para além da frustração do indivíduo é também, ou talvez por isso, muitas vezes fonte de maus hábitos.

zeparafuso said...

Pois eu poria ainda a questão de outra forma! Se em vez de serem os desempregados, porque têm que andar a procura de emprego mesmo estando inscritos na instituição que rege o desemprego em Portugal, fossem os militares que são pagos por todos nós e nesta altura do campeonato não fazem nada. Há uns anos ainda tinham o Ultramar. Agora só se for o Kosovo, o Haiti, Timor, donde fugimos as pressas e agora voltamos, porque parece bem.

António said...

Isto ainda vai no adro. Esperemos mais uns mesitos e vamos ver no que dá quando milhares e milhares de desmpregados, fizerem os 12 meses de subsídio.
Mudam para o Rendimento Mínimo, não é?
Quantos ficarão por aí?
Vai ser eterno?

João Vaz said...

As Câmaras abrem concursos para cantoneiros (limpeza das valetas...) e estes ficam desertos.
Seria a revolução, se em Pt vissemos licenciados a remover lixo !
Mas seria bom, muito bom.