Thursday, December 01, 2011

A economia de "Sem Tempo"

Atenção - possíveis spoilers.

Para começar, três artigos sobre o sistema económico do filme "Sem Tempo": *In Time* (spoilers about the macroeconomic model), por Tyler Cowen, In Time Economics, por Robin Hanson, e The Economics of Andrew Niccol’s In Time, por "Chewxy".

Agora, há uma coisa que não me parece muito clara no filme - como é que a "moeda" (tempo de vida) é exactamente posta em circulação? Há que vejo duas hipóteses possíveis:

Numa hipótese, assume-se que toda a gente recebe um ano de vida quando faz 25 anos, e, para alguém viver 27 anos, duas pessoas teriam que morrer com 25 anos e meio, ou quatro com 25 anos e 9 meses - ou seja, a esperança média de vida seria de 26 anos. No fundo, In Time seria simplesmente Logan's Run, mas com um sistema de cap and trade (as pessoas puderem transacionar os anos limitados de vida que lhes são atribuidos) - a análise de "Chewxy" parece feita nesse pressuposto.

Algumas coisas no filme dão essa ideia - nomeadamente a referência a "para alguns serem imortais, muitos têm que morrer", o que pode indicar que a quantidade total de tempo de vida disponível nessa sociedade é fixa; mas também pode apenas querer dizer que, numa sociedade em que os humanos são biologicamente imortais, é necessária uma mortalidade muito alta para impedir a super-população (se alguém achar que o que acabei de escrever é uma contradição, clique no link).

O primeiro argumento contra a hipótese das coisas funcionarem assim é o de que quase toda a gente no filme parece ter mais de 26 anos (é que Hanson faz aqui). No entanto, se 99% das pessoas morrerem com 25 anos e 1 mês e 1% aos 116 anos e 9 meses, provavelmente mais de 90% das pessoas vivas em cada momento terão mais que 26 anos (como os outros morreram, a gente não os vê). Mas tal implicaria que houvesse muitos mais cadáveres na rua dos que que aparecem no filme (a menos que quase toda a gente morra durante o sono).

Além disso, todo o entusiasmo com a redistribuição da riqueza/tempo de vida faria pouco sentido quando (quase) toda a gente (viva) já viveu mais do que com uma distribuição igualitária.

A hipótese alternativa é assumir que, além daquele ano que cada pessoa recebe ao fazer 25 anos, há produção adicional de tempo/dinheiro, que é posto em circulação de alguma maneira. Uma maneira de isso funcionar era temos um modelo tipo "banco central", em que "tempo de vida" é injectado ou retirado da economia conforme as necessidades. Note-se que o facto de haver grandes ecrãs a controlar quanto tempo existe em cada bairro parece ir nesse sentido - pelo menos as autoridades monitorizam a quantidade de "moeda" em circulação, o que levanta a ideia de que também a gerem. E aí todo o esquema do filme faz mais sentido:

- Fala-se nuns "eles" que sobem os preços e os juros quando muito dinheiro/tempo é posto em circulação; se a subida dos preços pode ser explicada sem conspirações (é o efeito natural de uma expansão monetária), já a subida dos juros é típica de um sistema em que um banco central sobe os juros quando há muito dinheiro a circular (de outra maneira, até seria de esperar que a distribuição de tempo/dinheiro fizesse baixar os juros, por diminuir a procura por empréstimos)

- A existência de várias "zonas de tempo" é apresentado como parte do sistema para favorecer os ricos à custa dos pobres; isso faz sentido se existirem controles ao movimentos de capitais de uma zona para outra (como parece haver - note-se que o "Vigilante do Tempo" não permite que "Peter Weiss" pague o resgate), e o banco central (agindo como comité executivo da classe dominante) manipule a taxa de juro praticada em cada "zona de tempo" de forma a assegurar que nunca haja muito dinheiro/tempo nos bairros pobres (de novo, bate certo com haver um controle rigoroso de quanto tempo existe em cada "zona de tempo")

Se assim for, o sistema será mais parecido com a visão de Robin Hanson, embora a redistribuição da riqueza a favor dos ricos seja feita não tanto via impostos e subsídios, mas através da emissão de moeda e dos controles de capitais, que provavelmente levam a que os juros sejam mais baixos nos bairros ricos do que nos pobres (permitindo a quem tenha autorização para movimentar capital de uns bairros para outros lucrar com o diferencial) - uma visão parecida com a síntese austríaca-mutualista.

Se calhar o filme precisaria de ser acompanhado por um pseudo-documentário explicando o sistema monetário em vigor; talvez venha como um extra na edição em DVD?

Agora uma análise puramente cinematográfica e não económica - não acham (os que tenha visto o filme) que o personagem mais interessante e menos caricatural acaba por ser mesmo o "Vigilante do Tempo"?

[Noto também que "Sem Tempo" vai um pouco contra o que escrevi aqui - é um filme que, apesar de ser de acção/aventura, perde grande tempo a descrever a vida normal das pessoas normais; além disso, apesar de ser uma espécie de distopia, não é um regime totalitário, embora seja provavelmente autoritário; mas o facto de ser uma espécie de one-issue FC - a única coisa de ficção cientifica que lá há é o peculiar sistema monetário-biológico; tudo  resto é quase igual aos dias de hoje - talvez o torne um caso há parte]

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