Thursday, December 08, 2011

A "hipótese da eficiência dos mercados" e as suas implicações

Uma teoria económico que me parece frequentemente mal interpretada é a chamada "hipótese do mercado eficiente".

Em que consiste essa teoria? Basicamente, que o preço de um activo financeiro num dado momento reflecte toda a informação disponível nesse momento sobre esse activo; a ideia é que qualquer "bom negócio" que surja desaparece em poucos instantes (talvez numa questão de minutos ou segundos), já que os investidores, ao saberem disso, vão investir nesse titulo, fazendo subir o seu preço e , portanto, deixa de ser um "bom negoócio"; p.ex., mal se sabe que uma empresa descobriu petróleo, o preço das suas acções sobe nesse preciso momento, fazendo com que esse investimento deixe de ser especialmente rentável (apenas durante uma fracção muito escassa de tempo é que alguém pode ganhar dinheiro na bolsa com isso, talvez apenas a primeira pessoa a ter ouvido a noticia "a Gasosas & Gasolinas, Lda. descobriu petróleo na Praia da Rocha"). Ou seja, a HME sustenta que, se uma acção (ou outro investimento qualquer; vou falar em "acções" por comodidade) estivesse barata face às suas perspectivas de rentabilidade e risco esperadas, já alguém a teria comprado, fazendo subir o seu preço (mutatis mutandis para "cara") - por isso, o preço das acções deve reflectir exactamente o que se sabe sobre a sua potencial rentabilidade.

Uma metáfora clássica dada para ilustrar a HME é de que não há notas de 50 euros (bem, a metáfora costuma ser com dólares...) na calçada - se houvesse, já alguém as teria visto e apanhado.

Agora, vamos ao equívoco que me parece comum na interpretação do que é a HME (ver, p.ex., alguns comentários a este post d'O Insurgente) - o "eficiente" aqui significa apenas "eficiente a traduzir a informação disponível em preços"; não tem nada a ver com "eficiente a garantir o bem-estar económico e social" - os mercados podem dar origem a crashs, recessões, desemprego em massa, poluição, etc., etc. que não é por isso que deixam de ser "eficientes" no sentido específico que a HME dá à palavra (dizer "a crise de 1929/1987/2000/2008/etc. deita por terra a hipótese do mercado eficiente" é um pouco como dizer "como é que alguém pode defender a família nuclear depois de Three Mile Island, Chernobil e Fukushima?") .

A HME tem algumas implicações:

- Uma é que só por sorte se pode fazer "bons negócios"; em média, investir em mercados como a bolsa dará um rendimento que só será maior do que, p.ex., um depósito a prazo para compensar o investidor do risco corrido (bem, não sei bem se isto é um implicação da HME ou se é apenas a HME explicada por outras palavras)

- A mais conhecida é a do "caminho aleatório", de que a evolução futura do preço de um título é imprevisível. A ideia é de que, se o preço actual de um título já reflecte toda a informação disponível, o preço só será afectado por nova informação ainda desconhecida. Como a informação futura é, por definição, actualmente desconhecida, é impossível prever como o preço do título vai evoluir ao longo do tempo - essa evolução vai forçosamente ser aleatória e imprevisível (um ponto fundamental para perceber a diferença entra a HME e o que normalmente se entende por "eficiência" - à partida soa algo contra-intuitivo chamar "eficiente" a um mercado aleatório e imprevisível)

- Outra poderá ser a de que a chamada "gestão passiva" (isto é, uma estratégia de investimentos que se limita a seguir uma regra pre-estabelecida - estilo "ter uma carteira com uma composição idêntica à do PSI20" - em vez de activamente escolher onde investir e tentar fazer previsões) pode ser mais rentável que a "gestão activa": afinal, se só por sorte se consegue fazer "bons negócios", mais vale seguir uma regra pré-estabelecida do que estar a pagar a gestores, analistas, etc. para tentar descobrir como o mercado vai evoluir (mesmo que a rentabilidade antes de despesas seja um bocadinho menor, é compensado com o que se poupa em salários, comissões e prémios de desempenho)

- numa linha semelhantes (ou talvez isto seja um subponto do ponto anterior), que escolher onde investir jogando dardos para um lista de títulos e comprar os escolhidos tenderá a dar os mesmos ou melhores resultados do que contratar especialistas (o raciocínio é o mesmo; é impossivel prever como vai evoluir o mercado, e pelo menos assim poupa-se dinheiro em comissões)

- que tanto faz entregar a gestão dos nossos investimentos no mercado de capitais a analistas com um MBA, uma pós-graduação em Matemáticas Avançadas e uma licenciatura em Economia ou a uma gata siamesa; afinal, é impossível prever como as acções vão evoluir, e os custos de manutenção do felino até são menores (de novo, poupa-se dinheiro em comissões)

- ocorre-me também que a HME pode implicar que cobrar impostos altos aos trabalhadores da banca de investimentos pode aumentar a eficiência (no sentido usual da palavra) da economia - o meu raciocinio: em termos globais, pouco diferença faz as empresas do ramo terem super-génios ou super-trabalhadores ou apenas pessoas ligeiramente acima da média; cada empresa individual pode ter interesse em ter os melhores trabalhadores (isso pode fazer a diferença de segundos que permite ser a empresa A em vez da B a fazer um bom negócio antes que ele desapareça), mas para a indústria no seu todo pouco diferença fará ter trabalhadores altamente produtivos em vez de apenas medianamente produtivos (o mercado pode ser uns segundos mais rápido a identificar - e eliminar - bons negócios, mas isso mal se notará no conjunto da economia, ou mesmo para os lucros do conjunto das empresas de investimento); e esses impostos altos, ao desencorajar os trabalhadores potencialmente mais produtivos de ir trabalhar para os mercados bolsistas, iriam levá-los a ir trabalhar para áreas onde as suas capacidades efectivamente façam uma diferença relevante (em vez de serem utilizadas num jogo de soma quase nula). Admito que na prática seria provavelmente díficil (ou quase impossível) aplicar impostos específicos a ramos empresariais específicos.

[penso que as duas últimas "implicações" não aparecem em nenhum manual de economia - embora alguns textos falem de babuínos - mas parecem-me conclusões lógicas da HME]

Uma nota final - a HME não poderá ser uma profecia auto-destruída? Afinal, a ideia é que, como há centenas/milhares/dezenas de milhares de investidores à cata de bons negócios, qualquer bom negócio que exista será imediatamente identificado e deixará de existir. Mas se os investidores agirem de acordo com a HME, não irão perder tempo à procura de bons negócios (limitar-se-ão em investir em fundos passivos, ou seguir os conselhos de investimento dos seus gatos), logo as tais potenciais oportunidades de bons negócios não serão identificadas, haverão muitas possibilidades de ganhar dinheiro não-aproveitadas, e os preços acabarão por não reflectir toda a informação disponível (mas talvez a HME tenha implícito a premissa que haverá sempre um núcleo considerável de pessoas que não vai investir de acordo com a HME, tal como as teorias que dizem que votar é irracional têm implícita a ideia que haverá sempre muita gente a votar).

1 comment:

PR said...

Excelente post. Também já tinha pensado no último parágrafo, mas a ideia que tenho é que, fora da academia, a HME não é muito levada a sério [E imagino que haja boas razões: não estou a ver a banca e gestores de activos a dizer aos seus clientes que aquilo no fundo é quase tudo sorte e que a comissão era dispensável].

Uma coisa curiosa. Há algum tempo, tentei resolver a dissonância cognitiva* com uma solução de compromisso, adoptando a teoria "a HME faz sentido, excepto em alturas de extraordinária instabilidade financeira, em que há sobre-aversão ao risco". Usei a estratégia na bolsa, comprando quando o mercado estava a bater no fundo. Ano e meio depois, ainda não recuperei o investimento.

*a) a HME faz sentido; e b) não pode haver TANTA gente a deitar dinheiro ao lixo.