Monday, March 12, 2007

Auto-emprego, risco, liberalismo, etc.

Há uns dias, n'O Insurgente, Helder Ferreira escreveu "A base do capitalismo neoliberal é o empreendedor, o trabalhador por conta própria e não há nenhuma actividade tão flexível e com tão pouca segurança".

Não vou por em causa que a actividade do trabalhador por conta própria é mais arriscada que a do assalariado - mas isso não será unicamente porque há leis protegendo os trabalhadores por contra de outrém de serem despedidos sem mais nem menos?

Afinal, se não existissem limites legais aos despedimento de trabalhadores por conta de outrém, talvez essa situação fosse mais arriscada que a do trabalhador por conta própria - em muitos aspectos, um trabalhador por conta de outrém é como um trabalhador por conta própria só com um cliente; ora, parece-me muito mais arriscado vender serviços no valor de 1.000 euros/mês a apenas um "cliente" do que no valor de 2o euros/mês a 50 clientes - afinal, a probabilidade de um só "cliente" se fartar de mim (ou deixar de poder comprar os meus serviços por outras razões) é muito maior que a de 50 clientes se fartarem de mim.

Steve Pavlina, em "10 Reasons You Shoud Never Get a Job", expõe isso (claro que para uma realidade laboral com leis completamente diferentes da portuguesa):

Many employees believe getting a job is the safest and most secure way to support themselves.

Morons.

Social conditioning is amazing. It’s so good it can even make people believe the exact opposite of the truth.

Does putting yourself in a position where someone else can turn off all your income just by saying two words (”You’re fired”) sound like a safe and secure situation to you? Does having only one income stream honestly sound more secure than having 10?

The idea that a job is the most secure way to generate income is just silly. You can’t have security if you don’t have control, and employees have the least control of anyone. If you’re an employee, then your real job title should be professional gambler.

Agora, já saindo do ambito do post de Helder Ferreira e divagando para outros assuntos, vou comparar o grau de "liberalismo" (medido pelo indice da Heritage Foundation) com a perentagem de população que trabalha por conta própria (dados da OCDE):


Auto-
emprego
"Liberdade Económica"
Australia 12,6 82,7
Austria 11,8 71,3
Belgium 13,6 74,5
Canada 9,2 78,7
Czech Republic 15,3 69,7
Denmark 7,8 77,6
Finland 12 76,5
France 8,9 66,1
Germany 11,2 73,5
Greece 30,1 57,6
Hungary 13,3 66,2
Iceland 14,1 77,1
Ireland 16,6 81,3
Italy 24,9 63,4
Japan 10,2 73,6
Korea 27 68,6
Luxembourg 6,5 79,3
Mexico 28,5 65,8
Netherlands 11,1 77,1
New Zealand 17,8 81,6
Norway 7,1 70,1
Poland 20,4 58,8
Portugal 23,5 66,7
Slovak Republic 12,6 68,4
Spain 16,5 70,9
Sweden 9,6 72,6
Switzerland 9,3 79,1
Turkey 29,1 59,3
United Kingdom 12,7 81,6
United States 7,3 82


Pelos vistos, no conjunto da OCDE, até há uma correlação negativa (-0,65, para ser mais exacto) entre o liberalismo económico e o trabalho por conta própria.

Esta ligação pode nem ter importância nenhuma (e, a haver uma relação causal, nem sei em que sentido será), mas contribui para relativizar certas teorias que associam a maior preferencia de certos paises pelo liberalismo económico a uma cultura mais valorizadora da "autonomia" e da "iniciativa pessoal".

5 comments:

Anonymous said...

Miguel,
a diferença na situação que apontas tem que ver só e apenas com a dispersão de um tipo de risco, porque há outros. Num contexto de maior liberdade económica que pressupõe um sistema de justiça eficaz (suspiro), o trabalhador por conta de outrém está protegido pela sua própria competência e esforço (ou seja tem um controlo maior sobre o seu trabalho), porque é certo que nesse contexto, o interesse do empregador é reter os melhores (a protecção aos mais fracos é outro assunto). É uma questão de incentivos e não tenho notícia que nos países com maior liberdade económica e em que é mais fácil despedir, haja despedimentos em massa a torto e a direito. Pelo menos não mais que em Portugal.
Quanto à tabela da HF, à primeira vista é assim como dizes, só que...Em Portugal, o maior incentivo à criação de auto-emprego é a necessidade, a falta de alternativas. Repara ainda que é nos países pobres e com menor liberdade que o micro-crédito funciona mais. O que os países com maior liberdade têm de especial, é que criam mais emprego e reduzem a necessidade das pessoas de criarem auto-emprego. Nesses, isso acontece mais por vontade e menos por necessidade.
Se leres alguma estatística portuguesa sobre as motivações, não acredites. Respondi a um há um ano (sob pena de multa se não o fizesse)e conheço mais quem o tenha feito. Dissemos o que eles gostam de ouvir, só para chatear.

PS Não acho que os portugueses sejam pouco empreendedores, custa-lhes (nos) é ver para lá da paróquia.

Miguel Madeira said...

"não tenho notícia que nos países com maior liberdade económica e em que é mais fácil despedir, haja despedimentos em massa a torto e a direito. Pelo menos não mais que em Portugal."

O meu ponto não era que houvesse mais despedimentos em massa, mas sim que a probabilidade individual de um trabalhador assalariado, num dado momento, ser despedido, em principio, será maior num país em que seja mais fácil despedir. Não faço a mínima ideia se o rácio (despedimentos)/(total assalariados) é maior ou menor nesses países do que, digamos, em Portugal, mas pela lógica, deverá ser [eventualmente, admito que o rácio (contratações) / (total assalariados) também poderá ser maior]

Anonymous said...

"probabilidade individual de um trabalhador assalariado, num dado momento, ser despedido, em principio, será maior num país em que seja mais fácil despedir."

É contra-intuitivo, mas o incentivo funciona ao contrário. Num meio competitivo e livre a probabilidade de despedimento diminui na "proporção" em que aumentam a competência e o esforço. Numa cultura mais liberal o assalariado tende(ria) a comportar-se como empresário de si próprio, a diversificar competências (produtos, investimentos), a estar atento a novas possibilidades de trabalho (mercados, clientes)e a poupar (acumular capital).
Portugal tem outros problemas para chegar aí: o mercado de arrendamento que não permite grande mobilidade, um sistema de justiça que não funciona, igualitarismo na protecção social, fraca rede de apoio familiar,etc.

P.S A tabela está bonita mas, já agora, se estivesse ordenada ficava ainda melhor :-)

Miguel Madeira said...

«Num meio competitivo e livre a probabilidade de despedimento diminui na "proporção" em que aumentam a competência e o esforço.»

Bem, mesmo que a competência e o esforço aumentem, isso não irá afectar a probabilidade de um dado trabalhador ser despedido (já que a competência e o esforço dos seus potenciais concorrentes também será maior).

"Numa cultura mais liberal o assalariado tende(ria) a comportar-se como empresário de si próprio,"

Isso não acaba por ir de acordo à perspectiva que, numa sociedade mais liberal, a segurança do assalariado comparada com a do trabalhador por conta própria seria menor (embora talvez não a minha hipótese de o trabalho assalariado passar a ser menos seguro que o por conta própria)?

"A tabela está bonita mas, já agora, se estivesse ordenada ficava ainda melhor"

Ordenada está, só que por ordem alfabética (mas se há coisa que me dá uma trabalheira a fazer no blogger é tabelas...)

Anonymous said...

"
Esta ligação pode nem ter importância nenhuma (e, a haver uma relação causal, nem sei em que sentido será), mas contribui para relativizar certas teorias que associam a maior preferencia de certos paises pelo liberalismo económico a uma cultura mais valorizadora da "autonomia" e da "iniciativa pessoal".
"

Eu ponho é em causa o uso de self-employed como indicador de autonomia ou iniciativa pessoal.

*

Na minha perspectiva de neoliberal, tanto uma forma de trabalho (self-employed ou employed) são válidas numa sociedade de mercado e não há razão para preferir uma ou outra. Diferentes formas de organização pessoal/associativa são válidas e preferíveis por diferentes pessoas, ou diferentes indústrias, ou diferentes momentos do tempo.

Há diferenças entre salário-fixo & salário-variável que podem ter repercursões políticas (a intuição que se tem quando se tem um salário fixo é diferente de quando se tem um salário variável, eu próprio sinto isso [de há uns tempos para cá, tenho um salário fixo e já estou mais estatista :)]), mas isso é outra coisa: Muitos empregados têm salários variáveis (na maioria das empresas, o pessoal de vendas é quase um self-employed de tal maneira que depende das comissões).

Mesmo assim, não há razão nenhuma liberal para defender salário variáveis ou self-employement.

O salário fixo é um sistema que é aceite de livre vontade por todos os participantes e é um serviço para-financeiro fornecido pela associação em empresa aos empregados (que ao invés de receber mais nos meses e menos noutros, recebem uma média menos os custos de administração deste serviço). O direito de livre associação económica é um direito básico. As escolhas deviam ser pessoais.

Eu, francamente, sinto falta de poder controlar o meu income mensal. Em certos momentos apetecia-me poder pensar "epá, este fim-de-semana vou ver se ganho mais uns trocos que ando a jantar fora em sítios caros" ao invés do "epá, tenho de ir jantar fora a sítios mais baratos". Outras pessoas terão outras preferências.

Os poderes públicos deviam ser neutros em relação a estas escolhas (em matéria de política fiscal ou de sistema de reformas, por exemplo).