De vez em quando surgem umas obsessões com o "Português" (a disciplina escolar), como a respeito da maioria de negativas nos últimos exames, ou a ideia recorrente de que quem chumbasse a Português (ou a Matemática) não deveria poder passar de ano.
A argumentação costuma ser do género "teve negativa a Português? Quer dizer que passou 12 anos na escola e não aprendeu a ler e a escrever em Português" ou "o Português é fundamental porque é uma disciplina base para se puder* poder perceber tudo o mais".
Convém lembrar que a disciplina a que se convencionou chamar "Português" é, fundamentalmente, uma disciplina de "Literatura Portuguesa" (no meu tempo, sobretudo a partir do 9º ano, inclusive). Ora, será que faz sentido dizer que, por alguém ter negativa num teste sobre, por exemplo, "Os Maias", quer dizer que não sabe ler e/ou escrever em português?
Sim, é verdade que para perceber "Os Maias" é preciso saber ler e interpretar um texto em português, e para conseguir responder às perguntas do teste é preciso saber escrever um texto em português; mas o mesmo se pode dizer, p.ex., do capítulo do livro de Geografia sobre a organização do espaço urbano e do teste correspondente (ou de seja o que for, excluindo talvez Matemática); ou seja, em praticamente todas as disciplinas se aprende a ler e interpretar textos e em todas as notas reflectem essa capacidade (numas, textos sobre Geografia, noutras textos sobre Biologia, e noutras textos literários).
Poderá haver (e até acho que há) muitos argumentos a favor da existência de uma disciplina de "História da Literatura Portuguesa" (designada simplesmente como "Português" para poupar tinta), mas não me parece que faça sentido apresentá-la como uma disciplina "fundamental" (no sentido de ser mais fundamental do que as outras - porque é que saber quantos cantos têm os Lusíadas há-de ser mais importante do que saber o ciclo do azoto?).
*É possivel que isto tenha feito parte do programa de Português do 2º ano do ciclo...
[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]
Sunday, July 17, 2011
O "Português"
Publicada por Miguel Madeira em 01:49