O think-tank conservador norte-americano Heritage Foundation publica anualmente um "Indice de Liberdade Económica". A forma como eles medem a carga fiscal de cada pais é reveladora da sua agenda: "The score for the fiscal burden of government has three components: the top marginal income tax rate, the top marginal corporate tax rate, and the year-to-year change in government expenditures as a share of GDP".
Ou seja, a carga fiscal é medida com base na taxa mais alta do imposto sobre o rendimento, na taxa mais alta do imposto sobre os lucros, e na variação da despesa pública em percentagem do PIB. Ou seja, se um governo decidir baixar as taxas mais altas de imposto e subir as mais baixas, aumentando a carga fiscal na sua globalidade, segundo a Heritage Fundation, a sua carga fiscal diminui. No extremo, um pais que, em vez de cobrar impostos de acordo com uma taxa percentual, cobrasse a cada individuo - rico ou pobre - 300 euros por mês, não teria carga fiscal (já que a taxa marginal seria 0%).
Aliás, até me dá a impressão que um país que, em vez de imposto sobre o rendimento, só tivesse um imposto sobre as vendas (estilo IVA), também não teria carga fiscal. Indo ainda mais longe, um país que tivesse uma taxa de IVA de 400% (e apenas essa) e em que, no ultimo ano, a despesa pública tivesse baixado de 85 para 80% do PIB seria talvez o pais mais "liberal" do mundo em termos de carga fiscal - afinal, não tem impostos sobre o rendimento nem sobre as empresas e a despesa pública está a descer.
O curioso é que, umas linhas abaixo, o estudo diz que "government expenditures are the most complete measure of a state's burden on the economy"; ora se é assim, porque a base de calculo (em vez das taxas máximas do imposto) não foi simplesmente a despesa pública em percentagem do PIB (ou, ainda mais correcto, a receita fiscal total em percentagem do PIB)? Nem é uma questão de não terem esse valor disponivel - têm-no, já que um dos itens do calculo é a tal variação da despesa pública (vou voltar a abordar essa da "variação").
Na verdade, com essa opção de medirem a carga fiscal com base na taxa marginal mais alta do imposto sobre o rendimento, até parece que os conservadores (e os seus aliados liberais) nos querem facilitar o trabalho de os apresentar como defensores apenas dos interesses dos "ricos"... E estes cálculos, realmente, são promovidos por pessoas e organização que são contra os impostos progressivos, a favor da substituição do imposto sobre o rendimento por um imposto sobre a vendas, etc.
O ataque à progressividade do sistema fiscal que está implicito nesse cálculo (e, de uma maneira geral, o entusiasmo liberal por "flat taxes" e afins) levanta outra questão: muitas vezes, os liberais argumentam que "impostos são trabalhos forçados", que ter que pagar 25% do rendimento em impostos é o mesmo que trabalhar como escravo para o Estado 25% do tempo, etc. Claro que essa analogia não faz sentido (mesmo que eu tenha que pagar 25% de impostos, não tenho, durante 25% do tempo, o Estado a ordenar-me que trabalho fazer, aonde o fazer, quando o fazer, como o fazer e com quem o fazer - as caracteristicas distintivas do "trabalho forçado" e da "escravatura"), mas, se fizesse, isso até era um bom argumento para concentrar os impostos nos altos rendimentos: afinal, se cobrar 100 euros a quem ganhe 1.000 euros é escravizá-lo 10% do tempo e cobrá-los a quem ganhe 500 euros é escravizá-lo 20% do tempo, a conclusão lógica é que - para obter a mesma receita fiscal - o imposto progressivo é menos "escravizador".
Uma ultima nota a respeito de, para medir a carga fiscal, ter sido usada, não a despesa pública em percentagem do PIB, mas a variação. Isso é obviamente absurdo - dessa maneira (se tudo o resto fosse igual), um país cuja despesa pública tenha baixado de 60 para 50% teria uma carga fiscal inferior a um cuja despesa tivesse subido de 1 para 2%. No entanto, suspeito que percebo a motivação desse disparate matemático: os paises nórdicos, que têm tido bons resultados económicos e sociais, têm um nivel elevado de despesa pública, mas têm-no vindo a reduzir. Assim, ao usar como critério, não a despesa, mas a variação da despesa, esses países são "empurrados" para o topo da lista dos países com mais "liberdade económica" (para desespero dos liberais nativos), permitindo argumentar que os países mais prósperos são os que mais seguem o "mercado livre".
Aliás, até me dá a impressão que um país que, em vez de imposto sobre o rendimento, só tivesse um imposto sobre as vendas (estilo IVA), também não teria carga fiscal. Indo ainda mais longe, um país que tivesse uma taxa de IVA de 400% (e apenas essa) e em que, no ultimo ano, a despesa pública tivesse baixado de 85 para 80% do PIB seria talvez o pais mais "liberal" do mundo em termos de carga fiscal - afinal, não tem impostos sobre o rendimento nem sobre as empresas e a despesa pública está a descer.
O curioso é que, umas linhas abaixo, o estudo diz que "government expenditures are the most complete measure of a state's burden on the economy"; ora se é assim, porque a base de calculo (em vez das taxas máximas do imposto) não foi simplesmente a despesa pública em percentagem do PIB (ou, ainda mais correcto, a receita fiscal total em percentagem do PIB)? Nem é uma questão de não terem esse valor disponivel - têm-no, já que um dos itens do calculo é a tal variação da despesa pública (vou voltar a abordar essa da "variação").
Na verdade, com essa opção de medirem a carga fiscal com base na taxa marginal mais alta do imposto sobre o rendimento, até parece que os conservadores (e os seus aliados liberais) nos querem facilitar o trabalho de os apresentar como defensores apenas dos interesses dos "ricos"... E estes cálculos, realmente, são promovidos por pessoas e organização que são contra os impostos progressivos, a favor da substituição do imposto sobre o rendimento por um imposto sobre a vendas, etc.
O ataque à progressividade do sistema fiscal que está implicito nesse cálculo (e, de uma maneira geral, o entusiasmo liberal por "flat taxes" e afins) levanta outra questão: muitas vezes, os liberais argumentam que "impostos são trabalhos forçados", que ter que pagar 25% do rendimento em impostos é o mesmo que trabalhar como escravo para o Estado 25% do tempo, etc. Claro que essa analogia não faz sentido (mesmo que eu tenha que pagar 25% de impostos, não tenho, durante 25% do tempo, o Estado a ordenar-me que trabalho fazer, aonde o fazer, quando o fazer, como o fazer e com quem o fazer - as caracteristicas distintivas do "trabalho forçado" e da "escravatura"), mas, se fizesse, isso até era um bom argumento para concentrar os impostos nos altos rendimentos: afinal, se cobrar 100 euros a quem ganhe 1.000 euros é escravizá-lo 10% do tempo e cobrá-los a quem ganhe 500 euros é escravizá-lo 20% do tempo, a conclusão lógica é que - para obter a mesma receita fiscal - o imposto progressivo é menos "escravizador".
Uma ultima nota a respeito de, para medir a carga fiscal, ter sido usada, não a despesa pública em percentagem do PIB, mas a variação. Isso é obviamente absurdo - dessa maneira (se tudo o resto fosse igual), um país cuja despesa pública tenha baixado de 60 para 50% teria uma carga fiscal inferior a um cuja despesa tivesse subido de 1 para 2%. No entanto, suspeito que percebo a motivação desse disparate matemático: os paises nórdicos, que têm tido bons resultados económicos e sociais, têm um nivel elevado de despesa pública, mas têm-no vindo a reduzir. Assim, ao usar como critério, não a despesa, mas a variação da despesa, esses países são "empurrados" para o topo da lista dos países com mais "liberdade económica" (para desespero dos liberais nativos), permitindo argumentar que os países mais prósperos são os que mais seguem o "mercado livre".
1 comment:
Nunca entendi um ranking de liberdade economica em que a Suécia e a Alemanha fica nas primeiras posições...
Esse ranking é desonesto. Quer colocar as nações mais ricas como as mais liberais... puá.
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