Tiago Mendes escreve a defender a "taxa plana":
"Uma das vantagens da “taxa plana” de imposto sobre o rendimento pessoal é a existência de uma única taxa marginal, que torna o processo de cálculo e pagamento de impostos consideravelmente mais simples para todos. Dependendo do seu valor, e da forma como a economia reage a uma dada mudança fiscal, as receitas arrecadadas podem subir ou descer."
"Uma das vantagens da “taxa plana” de imposto sobre o rendimento pessoal é a existência de uma única taxa marginal, que torna o processo de cálculo e pagamento de impostos consideravelmente mais simples para todos. Dependendo do seu valor, e da forma como a economia reage a uma dada mudança fiscal, as receitas arrecadadas podem subir ou descer."
(...)
"São duas as críticas àquela que é mais conhecida por ‘flat rate’: (1) que não permite progressividade fiscal e (2) que prejudica os mais pobres. Duas ideias bastante insustentadas. Para que exista progressividade fiscal, com a taxa plana, é condição necessária e suficiente que algum rendimento inicial esteja isento de imposto. Por exemplo, uma taxa marginal de 25%, com isenção fiscal sobre os primeiros 400 euros mensais, faz com que a taxa média de imposto para quem aufere 500, 1.000, 2.000 e 10.000 euros mensais seja, respectivamente, de 5%, 15%, 20% e 24%. Para que os mais pobres não fiquem pior, basta que a taxa adoptada não seja demasiado elevada – e tendo em conta o valor de rendimentos isentos."
Antes de tudo, um pormenor: o que Tiago Mendes (e a maior parte dos defensores da taxa plana) propõe não é verdadeiramente um sistema com uma única taxa marginal de imposto - é um sistema com duas taxas marginais, sendo uma de 0%.
Vamos fazer umas simulações de como essa taxa plana funcionaria."São duas as críticas àquela que é mais conhecida por ‘flat rate’: (1) que não permite progressividade fiscal e (2) que prejudica os mais pobres. Duas ideias bastante insustentadas. Para que exista progressividade fiscal, com a taxa plana, é condição necessária e suficiente que algum rendimento inicial esteja isento de imposto. Por exemplo, uma taxa marginal de 25%, com isenção fiscal sobre os primeiros 400 euros mensais, faz com que a taxa média de imposto para quem aufere 500, 1.000, 2.000 e 10.000 euros mensais seja, respectivamente, de 5%, 15%, 20% e 24%. Para que os mais pobres não fiquem pior, basta que a taxa adoptada não seja demasiado elevada – e tendo em conta o valor de rendimentos isentos."
Antes de tudo, um pormenor: o que Tiago Mendes (e a maior parte dos defensores da taxa plana) propõe não é verdadeiramente um sistema com uma única taxa marginal de imposto - é um sistema com duas taxas marginais, sendo uma de 0%.
Imaginemos uma pessoa com um rendimento ilíquido de 743 euros/mês: actualmente desconta 6,5% de imposto, pagando 48 euros; aplicando a fórmula de TM sugere passaria a descontar 85 euros (400*0% + 343*25%).
Alguém com um rendimento de 1.307 euros/mês actualmente desconta 13,5%, ou seja 176 euros; passaria a descontar 226 euros (400*0% + 907*25%).
Efectivamente, em ambos os exemplos a carga fiscal aumenta, mas, em termos relativos, o aumento é maior para o contribuinte de rendimentos mais baixos (que tem um aumento equivalente a 5% do seu rendimento, enquanto o contribuinte que ganha mais tem um aumento equivalente a 3,8% do rendimento).
Isto é um gráfico comparado as actuais taxas de IRS (a vermelho) com a taxa que resultaria da regra hipotética sugerida por TM:
Conforme se vê, para os contribuintes com rendimentos entre os 500 e 2.200 euros/mês haveria um aumento de impostos; só daí para cima uma redução.
Vamos agora comparar com as taxas marginais de imposto - para tal, em vez da comparação com base no rendimento mensal, vou comparar com o anual (já que para esse é mais fácil determinar a taxa marginal de imposto), assumindo que, na taxa plana o limiar de isenção seria de 5.600 euros.
Taxas marginais de IRS (usando os valores de 2006)
De | a | Sistema Actual | Taxa Plana |
0,00 | 4.451,00 | 10,50% | 0% |
4.451,00 | 5.600,00 | 13% | 0% |
5.600,00 | 6.732,00 | 13% | 25% |
6.732,00 | 16.692,00 | 23,50% | 25% |
16.692,00 | 38.391,00 | 34% | 25% |
38.391,00 | 55.639,00 | 36,50% | 25% |
55.639,00 | 60.000,00 | 40% | 25% |
60.000,00 | 42% | 25% |
Assim, a taxa marginal de IRS desceria para os contribuintes com rendimentos anuais menores que 5.600 euros (nesses talvez não descesse, já que, de qualquer forma, com os abatimentos acabam, em regra, por não pagar IRS) ou maiores que 16.692 euros e aumentaria para os contribuintes com rendimentos dentro desse intervalo (recordo que a taxa marginal aumentar ou diminuir não significa que a taxa real de imposto vá aumentar ou diminuir); ou seja, em principio essa taxa plana "estimularia" o trabalho de quem ganhasse mais que 16.692 euros e "desestimularia" para quem ganhasse menos.
Claro que se poderá argumentar que os valores sugeridos por TM (25% com 400 euros de dedução) são apenas um exemplo, mas a questão é que, se se quiser aumentar a progressividade do imposto (a fim das classes média e baixa não ficarem prejudicadas) isso significa aumentar o limiar de isenção - mas aumentar o limiar de isenção significa também (para obter a mesma receita fiscal) ter que aumentar a taxa marginal. Ou seja, parece-me que, se se pretender que uma taxa plana tenha um grau de progressividade comparável ao do sistema fiscal actual, provavelmente isso implicará uma taxa marginal bastante alta, pelo que uma taxa plana pode ser ainda mais ineficiente económicamente do que o sistema de escalões progressivos.
"Se é consensual que são os ricos quem mais facilmente foge aos impostos, talvez conviesse lembrar a alguma esquerda que tantos anos de taxas de IRS progressivas não pareceram ter grande efeito sobre a elevada variância na nossa distribuição de rendimentos"
Dizer que "as taxas de IRS progressivas não parecem ter grande efeito sobre a desigualdade de rendimentos" implica saber como seria essa desigualdade numa realidade paralela com IRS sem taxas progressivas.
4 comments:
CAro Miguel,
Excelente análise, como é habitual. Deixa-me responder com mais calma mais tarde. Para já, três pequenos esclarecimentos:
(i) "flat rate" é, de facto, uma "taxa marginal única"... mas no sentido de haver uma única taxa marginal estritamente positiva. Julgo que todos (ou quase todos) os países onde ela existe têm um montante de isenção fiscal;
(ii) a minha proposta de 25% era indicativa, não um valor definitivo;
(iii) discordo do teu último parágrafo:
"Dizer que "as taxas de IRS progressivas não parecem ter grande efeito sobre a desigualdade de rendimentos" implica saber como seria essa desigualdade numa realidade paralela com IRS sem taxas progressivas."
Não creio que implique. É apenas uma leitura da realidade, com base no facto de termos taxas muito progressivas e uma grande desigualdade. Não digo que uma outra política levará, necessariamente (com 100% de certeza, se quiseres, ou, melhor ainda, como se fosse uma "implicação lógica"), a uma menor desigualdade. Digo que "parece" que aquilo que temos não funcionou.
(iv) se tiveres tempo e pachorra, seria interessante calcular qual seria a taxa marginal única que permitiria que:
1. Aqueles com rendimentos abaixo do rendimento médio não ficassem pior;
2. Aqueles com rendimentos abaixo do rendimento mediano não ficassem pior;
A minha ideia é que será algo entre os 20% e os 22%. É possível também ajudar o limite de isenção. Normalmente, isto é feito tendo em conta o valor do salário mínimo. Em parte, escolhi valores "redondos" para poder ilustrar, de forma "comunicativa", a progressividade da taxa plana, desde que com alguma isenção inicial.
Ou seja, o meu ponto (i) apenas pretende reforçar que não há nada de errado ou subreptício em chamar "taxa plana" a um sistema que tem, de facto, na prática, uma taxa marginal inicial de 0% e depois uma UNICA taxa marginal positiva, a partir de um dado montante de rendimentos.
CLaro que para calcular o que eu sugiro em (iv) é preciso ter a distribuição de rendimentos, idealmente por intervaloes mais apertados que os escalões actualmente existentes.
Acresce ainda - e isto é potencialmente bastante relevante - que qualquer alteração fiscal leva a efeitos na economia, nomeadamente no que concerne aos valores declarados - quer dizer, aos valores que antes não o eram e agora passam a ser. Isto para além do acréscimo (ou diminuição) do nível de actividade económica. Essa análise, claro, é mais complexa e arbitrária. É um comentário mais para ter em conta que existem outros efeitos, do que propriamente para os calcular.
Repara ainda que a taxa plana vem, normalmente, e eu defendo isso, associada a uma diminuição dos benefícios fiscais, que favorecem a classe média alta e a classe alta.
Finalmente, a análise "formal" - a que tu fazes - é relativamente simples. O menos óbvio é saber não como mudam os pagamentos "devidos" de quem ganha 1.500 ou 2.000 euros, mas os pagamentos "efectivos" dessas pessoas. Ou seja, importa ter em conta que os incentivos à fuga e evasão fiscal mudam para muita gente.
TM
Na pratica, acho que concordaremos em que a maioria das pessoas com rendimentos baixos, por serem trabalhadores por conta de outrem, dificilmente fogem ao fisco. Quanto mais sobes nos rendimentos, mais evasao e fuga fiscais tens. Portanto, a taxa plan nao muda muito em termos de evasao e fuga fiscais para os que tem rendimentos mais baixos, mas muda para os outros. Ou seja, a linha que tu sugeres seria uma boa aproximacao para os mais pobres, mas nao para os mais ricos.
TM
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