Ali em baixo, Filipe Abrantes interroga-se sobre a minha "atracção pelo comunismo de conselhos". Bem, a minha atracção, tanto pelo "comunismo de conselhos" como pela maioria das outras correntes aqui referidas, deriva sobretudo da minha oposição à divisão entre "dirigentes" e "executores". Sou da opinião que é melhor que "quem decide" e "quem executa" sejam as mesmas pessoas: por um lado, em termos de "realização pessoal", acho que é muito mais satisfatório pôr-se em prática um projecto em que se tenha participado na elaboração do que limitar-se a seguir ordens vindas de cima; por outro lado, em termos de eficiência, quanto mais perto a tomada de decisão estiver de quem executa, em principio, melhores são as decisões já que mais informados estão os decisores da situação concreta (como regra geral, poderemos dizer que, numa organização, quanto mais elevado for o nível hierarquico de quem tomou uma decisão, maior a probabilidade de essa decisão se basear em pressupostos completamente desfasados da realidade).
Agora, vejo dois contra-argumentos que podem ser levantados:
a) "E porque é que não é liberal?", afinal pode-se dizer que, se o fim da divisão "dirigentes/executantes" é assim tão bom, acabaria por ser fornecido pelo mercado: se as empresas menos hieraquizadas forem mesmo mais eficientes e tiverem trabalhadores mais satisfeitos acabariam por, pela "livre concorrência", por derrotar as mais hieraquizadas (já que estas, elém de serem menos eficientes, teriam custos salariais mais elevados, para compensar os seus empregados da menor realização profissional). E o argumento da menor eficiência das empresas hierarquizadas até pode ser feito reaproveitando as criticas de alguns economistas liberais à intervenção estatal.
No entanto, há um ponto que deita por terra esta tese: é que as taxas de juro activas (dos empréstimos) são mais altas que as passivas (dos depósitos). O que é que isso implica? Entre outras coisas, que uma empresa que recorra a capitais próprios tem menos custos financeiros que uma que recorra a capitais alheios - para a empresa que usa capitais próprios, o custo (neste caso, o custo de oportunidade) do capital corresponde ao dinheiro que se deixa de ganhar por ter o dinheiro na empresa em vez de em aplicações financeiras (p.ex. depósitos a prazo); para a empresa que recorre a capitais emprestados, o custo corresponde aos juros que tem que pagar pelos empréstimos. Ora, como os juros dos empréstimos tendem a ser maiores que os dos depósitos, os custos para as empresas com poucos capitais próprios tenderão a ser maiores. Assim, temos que, mesmo que a auto-gestão seja eficiente, um grupo de trabalhadores dificilmente se pode despedir do emprego e criar uma nova empresa para competir com a do ex-patrão - onde têm o capital para isso? [aqui um artigo, em pdf, concluindo que o acesso ao capital é das principais condicionantes do auto-emprego; já agora, ver também este post já de há uns meses n'O Insurgente e o meu comentário].
Efectivamente, há dois casos de sucesso das cooperativas de trabalhadores - as regiões de Mondragon (no Pais Basco - alguém têm em casa electrodomésticos da Fagor?) e Emilia Romagna (em Itália), mas em ambas o problema do acesso ao capital é minimizado por as cooperativas já existentes financiarem a criação de novas empresas (sistema que só funciona a partir de uma certa massa critica). Entre os defensores do "controlo dos meios de produção pelos trabalhadores" têm sido propostos vários sistemas para tentar ultrapassar esse problema, como o mutualismo, o micro-crédito ou o que alguém chamou "comunismo de risco", mas duvido da viabilidade desses sistemas para uma transformação social em larga escala, embora possam ser uteis numa estratégia de "construir o novo sistema dentro do velho".
[Divagando um pouco, desconfio que a diferença entre taxas de juro activas e passivas afecta muito mais a nossa sociedade do que parece à primeira vista - p.ex., se não fosse essa diferença, quase não haveria razão para a gravidez na adolescência provocar frequentemente abandono escolar]
b) Pode-se também argumentar que isso é, em grande medida, uma questão de tamanho - numa pequena empresa, mesmo que formalmente organizada segundo os princípios da hierarquia capitalista, os trabalhadores podem ter mais participação efectiva na direcção do seu trabalho do que num "colectivo igualitário" de milhares de pessoas (até porque, com muita gente - por mais "reuniões de base" que se faça - acaba por aparecer sempre alguma delegação de poderes). E o "comunismo de conselhos", que pretende, a longo prazo, um regime socialista mundial, é especialmente vulnerável a essa critica (e a critica que faço aqui aos trotskistas, acerca das "200 reuniões", também se aplica aos comunistas de conselhos). Por isso, por um lado, até prefiro o anarquismo, com a sua defesa da máxima autonomia local, do que o "comunismo de conselhos" (ou outras ideologias semelhantes em termos de objectivo final, como o trotskismo ou o "comunismo de esquerda"), com a sua defesa da planificação centralizada; mas por outro, há situações em que a planificação central é necessária; também diga-se que o comunismo de conselhos tem uma posição ambivalente - ou "dialéctica" - na questão centralização/descentralização: a sua posição é , mais ou menos, defender uma planificação centralizada sem uma direcção centralizada (no texto do "conselhista" Helmut Wagner - apenas conheço uma versão on-line em galego - a criticar o anarquismo espanhol, o ultimo capitulo, "Modo de Produção Bolchevique versus Modo de Produção Comunista" gira à volta desta contradição e de como o autor a pretende superar).
Seja como for, repito o que já escrevi muitas vezes - a minha posição entre o(s) marxismo(s) anti-burocrático(s) e o anarquismo é um bocado de agnosticismo.
Agora, há outro argumento que pode ser usado contra o "comunismo de conselhos", que já não tem a ver com o seu modelo de sociedade mas com a estratégia para lá chegar: a sua linha de recusar totalmente participar no "sistema", defendendo o boicote às eleições, o abandono dos sindicatos (por estes "estarem feitos com os patrões"), etc. parece ser suicida em termos de eficácia, e nesse ponto eu discordo de forma quase total deles.
No entanto, há um ponto que deita por terra esta tese: é que as taxas de juro activas (dos empréstimos) são mais altas que as passivas (dos depósitos). O que é que isso implica? Entre outras coisas, que uma empresa que recorra a capitais próprios tem menos custos financeiros que uma que recorra a capitais alheios - para a empresa que usa capitais próprios, o custo (neste caso, o custo de oportunidade) do capital corresponde ao dinheiro que se deixa de ganhar por ter o dinheiro na empresa em vez de em aplicações financeiras (p.ex. depósitos a prazo); para a empresa que recorre a capitais emprestados, o custo corresponde aos juros que tem que pagar pelos empréstimos. Ora, como os juros dos empréstimos tendem a ser maiores que os dos depósitos, os custos para as empresas com poucos capitais próprios tenderão a ser maiores. Assim, temos que, mesmo que a auto-gestão seja eficiente, um grupo de trabalhadores dificilmente se pode despedir do emprego e criar uma nova empresa para competir com a do ex-patrão - onde têm o capital para isso? [aqui um artigo, em pdf, concluindo que o acesso ao capital é das principais condicionantes do auto-emprego; já agora, ver também este post já de há uns meses n'O Insurgente e o meu comentário].
Efectivamente, há dois casos de sucesso das cooperativas de trabalhadores - as regiões de Mondragon (no Pais Basco - alguém têm em casa electrodomésticos da Fagor?) e Emilia Romagna (em Itália), mas em ambas o problema do acesso ao capital é minimizado por as cooperativas já existentes financiarem a criação de novas empresas (sistema que só funciona a partir de uma certa massa critica). Entre os defensores do "controlo dos meios de produção pelos trabalhadores" têm sido propostos vários sistemas para tentar ultrapassar esse problema, como o mutualismo, o micro-crédito ou o que alguém chamou "comunismo de risco", mas duvido da viabilidade desses sistemas para uma transformação social em larga escala, embora possam ser uteis numa estratégia de "construir o novo sistema dentro do velho".
[Divagando um pouco, desconfio que a diferença entre taxas de juro activas e passivas afecta muito mais a nossa sociedade do que parece à primeira vista - p.ex., se não fosse essa diferença, quase não haveria razão para a gravidez na adolescência provocar frequentemente abandono escolar]
b) Pode-se também argumentar que isso é, em grande medida, uma questão de tamanho - numa pequena empresa, mesmo que formalmente organizada segundo os princípios da hierarquia capitalista, os trabalhadores podem ter mais participação efectiva na direcção do seu trabalho do que num "colectivo igualitário" de milhares de pessoas (até porque, com muita gente - por mais "reuniões de base" que se faça - acaba por aparecer sempre alguma delegação de poderes). E o "comunismo de conselhos", que pretende, a longo prazo, um regime socialista mundial, é especialmente vulnerável a essa critica (e a critica que faço aqui aos trotskistas, acerca das "200 reuniões", também se aplica aos comunistas de conselhos). Por isso, por um lado, até prefiro o anarquismo, com a sua defesa da máxima autonomia local, do que o "comunismo de conselhos" (ou outras ideologias semelhantes em termos de objectivo final, como o trotskismo ou o "comunismo de esquerda"), com a sua defesa da planificação centralizada; mas por outro, há situações em que a planificação central é necessária; também diga-se que o comunismo de conselhos tem uma posição ambivalente - ou "dialéctica" - na questão centralização/descentralização: a sua posição é , mais ou menos, defender uma planificação centralizada sem uma direcção centralizada (no texto do "conselhista" Helmut Wagner - apenas conheço uma versão on-line em galego - a criticar o anarquismo espanhol, o ultimo capitulo, "Modo de Produção Bolchevique versus Modo de Produção Comunista" gira à volta desta contradição e de como o autor a pretende superar).
Seja como for, repito o que já escrevi muitas vezes - a minha posição entre o(s) marxismo(s) anti-burocrático(s) e o anarquismo é um bocado de agnosticismo.
Agora, há outro argumento que pode ser usado contra o "comunismo de conselhos", que já não tem a ver com o seu modelo de sociedade mas com a estratégia para lá chegar: a sua linha de recusar totalmente participar no "sistema", defendendo o boicote às eleições, o abandono dos sindicatos (por estes "estarem feitos com os patrões"), etc. parece ser suicida em termos de eficácia, e nesse ponto eu discordo de forma quase total deles.
3 comments:
Obrigado pelos posts. Vou estudar isso.
Esse texto do Helmut Wagner foi publicado pela Centelha (extinta)de Coimbra na antologia Contra-revolução burocrática.
Penso que essa discussão é muito interessante. Porém, o comunismo de conselhos é a forma teórica mais avançada para pensar a luta contra o capitalismo e o processo de burocratização dos sindicatos e abstencionismo são importantes para evitar a corrupção e cooptação do movimento oposicionista. Uma estratégia revolucionária bem pensada nesta perspectiva é apresentada por Nildo Viana em "Manifesto Autogestionário", que está disponibilizado na rede social do Movimento Autogestionário ( http://movaut.ning.com ), inclusive tendo um grupo de discussão sobre estratégia revolucionária, entre diversos outros, vídeos, etc. Uma excelente rede com bons debates.
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