Saturday, December 22, 2007

Salário mínimo (II)


Será forçosamente assim? Não. Vejo pelo menos duas situações teóricas em que o salário minimo pode fazer subir os salários sem gerar desemprego.

Primeiro caso:

João Miranda representa a procura de trabalho* como uma curva (na verdade uma recta) decrescente (em que quanto mais alto é o salário, menos trabalhadores as empresas querem ter) e a oferta como uma curva (recta) ascendente (em que quanto mais alto é o salário, maior é a oferta de trabalhadores - ou, pelo menos, de horas trabalhadas).

Ora, se face à procura de trabalho não há grandes dúvidas a esse respeito, já o mesmo não pode ser dito da oferta: na realidade, podemos ter uma curva decrescente, em que, quanto menor o salário, maior a oferta de trabalho, porque haverá mais trabalhadores dispostos a fazer horas extraordinárias, a arranjar segundos empregos, etc.

E, assumindo curvas de oferta diferentes para diferentes trabalhadores (para uns crescente para um dado nivel salarial, para outros crescente), podemos perfeitamente ter uma curva da oferta de trabalho "errática", umas vezes crescente, outras decrescentes:


Neste cenário hipotético, teríamos dois possíveis pontos de equilíbrio no mercado de trabalho - o A e o B (há outro ponto de intersecção entre a oferta e a procura, mas é praticamente impossível haver lá um equilíbrio - basta o salário ser ligeiramente maior que o ponto de intersecção para termos mais procura que oferta, fazendo o salário subir ainda mais, até ao ponto A; se o salário for ligeiramente menor, descerá até ao ponto B).

Ora, num caso destes, estabelecer um salário mínimo até pode, simplesmente, fazer o salário praticado "saltar" do equilíbrio B para o A, sem criar desemprego nenhum.

Também podemos ter outra variante, em que realmente o salário mínimo crie desemprego, mas em que um aumento do salário mínimo reduza o desemprego (isso acontecerá se a oferta de trabalho for decrescente e mais elástica do que a procura):

Claro que há aqui dois pontos - em primeiro lugar, duvido que casos destes sejam muito frequentes; e, em segundo, mesmo que o sejam, é praticamente impossível a um decisor politico identificar uma situação dessas para saber se deve ou não aumentar o salário mínimo; ou seja, mesmo que um aumento do salário mínimo consiga, por esta via, aumentar os salários sem aumentar o desemprego, será por pura sorte.

No entanto, penso que demonstrei que é possível (talvez não provável, mas possível) o salário mínimo ter impacto nos salários sem gerar desemprego (ou um aumento do salário mínimo aumentar os salários sem aumentar o desemprego).

Como escrevi atrás, há mais outra maneira do salário mínimo poder subir os salários sem subir o desemprego - pode ser que nestes dias faça um post sobre isso.

*tenha-se presente que a "procura de trabalho" corresponde à "oferta de emprego" e que a "oferta de trabalho" corresponde à "procura de emprego".

3 comments:

Unknown said...

Desejo um bom Natal ao autor do blogue e a todos os seus leitores.

José Carreira

(www.cegueiralusa.com)

Miguel Madeira said...

Obrigado, igualmente.

Anonymous said...

Eu sei que não é isto que está em análise neste post, mas uma sociedade pode preferir suportar um aumento de desemprego do que permitir que os seus cidadãos vivam abaixo de condições mínimas de vida.

Pode ainda a sociedade usar o salário mínimo como purga para negócios que só possam existir através da exploração desumana dos trabalhadores. Pode obrigar, por exemplo, ao aumento de produtividade de um sector por modernização.

Sendo que um problema grave de Portugal é a falta de produtividade , estabelecer um salário mínimo alto não será uma forma aumentá-la?