Muita gente da minha área politica é capaz de não concordar com o que vou escrever, mas não tenho numa objecção de principio a um sistema em que as famílias possam por os filhos numa escola privada (ou numa escola organizada pelo sindicato, ou por uma "associação pedagógica alternativa", ou um colectivo autogerido de professores, ou seja o que for) e que seja o Estado a pagar (e não família em causa).
Desde que:
- o valor que o Estado pague à escola privada (ou sindical, ou "alternativa", ou...) seja equivalente o custo marginal de um aluno na escola pública
- a escola privada respeite os direitos dos seus trabalhadores
- a escola privada não cobre propinas adicionais ao subsidio estatal
- a escola privada não seleccione alunos (ou, se o fizer, o faça nas mesma circunstâncias da estatal)
Vamos analisar isso ponto por ponto (excluindo a questão dos direitos laborais, que é tão óbvia que não precisa de ser explicada):
Pagamento de acordo com o custo marginal - o "custo marginal" corresponde ao aumento de despesa que o Estado tem por mais alunos frequentarem a escola (ou, inversamente, a poupança que há se alunos deixarem de frequentar a escola). Os defensores dos "contratos de associação" falam muito do "custo por aluno", mas escondem essa diferença entre o custo marginal e o custo médio (despesa total a dividir pelo número de alunos) - no custo médio estão incluídos custos de estrutura que as escolas públicas têm sempre, tenham muitos ou poucos alunos. Ora, se um aluno não frequenta a escola pública mas o Estado tem as mesmas despesas que teria se ele a frequentasse, porque razão o estado deve ir ainda gastar dinheiro adicional a subsidiar uma escola privada? Só faz sentido subsidiar alunos numa escola privada se esse subsidio for igual (ou menor) do que o dinheiro adicional que o Estado gastaria se eles fossem para a escola pública.
Ausência de propinas adicionais - nos sistemas de "contratos de associação"/"charter schools" o Estado paga e as famílias não pagam nada; no sistema do cheque-ensino, ass escolas privadas fixam o valor das suas propinas (tal como agora) e o Estado dá uma espécie de subsidio às famílias para pagar as propinas, que as familias podem complementar com dinheiro delas (caso a escola que querem cobre uma propina mais alta que o valor do cheque-ensino). Eu sou contra o segundo sistema, tanto por razão filosóficas como pragmáticas:
A razão filosófica é acho que só faz sentido subsidiar alunos na escola privada se for para assegurar igualdade de acesso à educação; mas, num sistema em que as escolas cobrem propinas adicionais além do subsidio, isso quer dizer que as escolas "de elite" continuaram a ser para a elite económica e social, logo não vejo que essas escolas (ou os seus alunos) devam receber subsídios.
Depois há a razão pragmática - um sistema desses arriscava-se a uma espiral inflacionária: como as "melhores" escolas continuariam fora do alcance de muita gente, haveria pressões para o governo subir o valor do cheque-ensino (em nome da "justiça social"), que por sua vez incentivaria as escolas a subirem também o valor das propinas (já que agora os seus clientes poderiam pagar mais), o que levaria ainda a mais aumentos no cheque-ensino, numa potencialmente enorme transferência de riqueza para as escolas privadas mas que pouco ou nada benificiaria os alunos e as suas famílias (tanto no privado como no público)
- Não selecção de alunos - a razão aqui é a mesma que a "razão filosófica" apresentada no ponto anterior: não faz sentido estar a subsidiar escolas reservadas a elites. Há quem argumente que todas as escolas (desde que tenham mais procura do que capacidade) precisam de seleccionar; eu até acho que não, mas, a ser assim, pelo menos que essa selecção seja feita por uma regra geral comum a todas as escolas e que não crie circulos viciosos de favorecimentos (os melhores alunos irem para as melhores escolas e ficarem ainda melhores, os piores irem para as piores e...).
Eu até tenho uma ideia de, a ter mesmo que haver selecção de alunos por escolas, de qual seria talvez o sistema menos mau: quanto mais afastada fosse a nota do aluno face à nota média, mais prioridade teria (ou seja, os bons e os maus alunos ficariam à frente dos médios).
Razões para isso:
1º um sistema que desse prioridade aos bons alunos teria o problema que referi ali atrás; um sistema que desse prioridade aos maus alunos poderia levar a incentivos perversos. Um sistema que favoreça os bons e maus alunos não teria esses problemas
2º a razão mais importante - os bons e maus alunos são, por norma, pessoas mais complicadas que os médios, logo irem para uma escola "boa" ou "má" pode ser decisivo para a sua vida futura; já os alunos médios tendem a ser "médios" em qualquer situação - note-se que não estou a dizer que as "boas escolas" para os "bons alunos" serão necessariamente as mesmas "boas escolas" para os "maus alunos" (sem ter feito qualquer estudo sobre o assunto, baseando-me apenas na minha intuição, diria que os "maus alunos" precisam de muita atenção em quantidade e qualidade, os "médios" de atenção média em quantidade e qualidade, os "bons" de muita atenção em qualidade e pouca em quantidade).
[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]
Monday, January 31, 2011
Sobre as escolas públicas e privadas
Publicada por Miguel Madeira em 23:33