Por vezes argumenta-se que a propriedade privada é algo que faz parte da natureza humana (p.ex., o Dos Santos nesta discussão com o agitador).
Mas o que é "espontâneo" e "natural" não é a propriedade "capitalista", é a propriedade "proudhoniana" (i.e., definida por "ocupação e uso", à maneira dos "anarquistas individualistas").
Para começar, olhemos para os animais - o território de caça de um gato, o ninho de um casal de cegonhas, a toca de um grupo de coelhos, etc. são "deles" enquanto eles os usarem regularmente. Se eles deixarem de os usar (por morte, por se mudarem para outra área, por deixarem de necessitar deles, etc.), em breve outro animal se apossará deles sem pedir autorização a ninguém.
Olhe-se também para a "propriedade" que surge espontaneamente entre as crianças - no recreio da escola ou na rua. É natural que cada grupo de crianças se estabeleça num dado território e por vezes até reaja com hostilidade se outro grupo ocupar o seu espaço de brincadeira (embora diga-se que as lutas violentas entre grupos de crianças - ou mesmo de jovens - normalmente são mais pela "diversão" do que motivadas por qualquer conflito real de territórios ou coisa assim...). Mas é outra vez a mesma coisa - o território só "é deles" enquanto eles ocuparem regularmente esse território: se eles mudarem para outra escola, ninguém lhes vai pedir autorização para brincar no seu antigo "território"; mais, até é provavel que a mesma área seje "propriedade" de um grupo no turno da manhã e de outro à tarde.
Imagine-se agora um grupo de naúfragos que chega a uma ilha deserta. Claro que ninguém faz ideia do que eles farão exactamente, mas há certas hipoteses mais prováveis que outras.
P.ex, se um dos naufragos chegar morto à costa, e se tiver objectos úteis (digamos, um canivete) de certeza que os outros, mesmo que conheçam a familia do morto, vão utilizar esses objectos sem se preocuparem minimamente com a vontade do proprietário. Porque é que eu faço a referência a "mesmo que conheçam a familia do morto"? Porque, muitas vezes, os liberais/ancaps tentam contornar esta questão respondendo "bens de propriedade desconhecida podem ser livremente apropriados" - ora, se conhecerem os familiares, o proprietário não é "desconhecido": os naúfragos sabem quem são os herdeiros do morto. Até é provável que, se regressarem à civilização, devolvam os seus objectos pessoais à familia, mas de certeza que não lhe irão pagar uma renda, ou uma indemnização por "uso indevido de propriedade".
Continuando a seguir os nossos naúfragos, como é que eles irão gerir os recursos da ilha? O mais provável é que, para os bens abundantes, usem a regra do "cada um serve-se à vontade", e para bens raros adoptem uma divisão igualitária entre os interessados (note-se que estou apenas a falar dos bens pre-existentes - não estou a dizer que eles irão repartir igualitáriamente o peixe que pesquem). De certeza que, para bens escassos, não irão adoptar a regra de "o primeiro a usá-los passa a ser o dono" (que é a regra que os liberais - pelo menos os mais preocupados com questões de principio - defendem).
Se eles se dedicarem à agricultura, é natural que reconheçam o terreno que cada um cultiva como sua propriedade, mas quase que apostava que se um dos naúfragos decidisse, todos os anos, cultivar um terreno diferente do que havia cultivado no ano anterior, apenas lhe seria reconhecida a propriedade do terreno que cultivava em cada momento (ou seja, é duvidoso que alguêm fosse reconhecido como proprietário de quase toda a ilha através desse expediente).
Ora, todos estes actos, que parecem simples bom-senso, mais não são que a propriedade proudhoniana ("o dono é quem usa regularmente o bem em questão" - ou qualquer coisa como "possession is ten tenths of the law") a funcionar.
Claro que o facto de a propriedade "proudhoniana" ser natural e espontânea e a "capitalista" artificial não significa que o sistema proudhoniano seja "bom" por isso (eu até acho um sistema que pode ser muito complicado na prática, sobretudo numa sociedade em que a economia assente bastante nos "bens produzidos", em vez de em recursos naturais) - afinal, há muitas coisas artificias boas (computadores, óculos, vacinas, guarda-chuvas, etc.). Mas a questão é que quem está constantemente a invocar o argumento "o nosso sistema é que é natural" são os defensores da propriedade "capitalista".
Mas o que é "espontâneo" e "natural" não é a propriedade "capitalista", é a propriedade "proudhoniana" (i.e., definida por "ocupação e uso", à maneira dos "anarquistas individualistas").
Para começar, olhemos para os animais - o território de caça de um gato, o ninho de um casal de cegonhas, a toca de um grupo de coelhos, etc. são "deles" enquanto eles os usarem regularmente. Se eles deixarem de os usar (por morte, por se mudarem para outra área, por deixarem de necessitar deles, etc.), em breve outro animal se apossará deles sem pedir autorização a ninguém.
Olhe-se também para a "propriedade" que surge espontaneamente entre as crianças - no recreio da escola ou na rua. É natural que cada grupo de crianças se estabeleça num dado território e por vezes até reaja com hostilidade se outro grupo ocupar o seu espaço de brincadeira (embora diga-se que as lutas violentas entre grupos de crianças - ou mesmo de jovens - normalmente são mais pela "diversão" do que motivadas por qualquer conflito real de territórios ou coisa assim...). Mas é outra vez a mesma coisa - o território só "é deles" enquanto eles ocuparem regularmente esse território: se eles mudarem para outra escola, ninguém lhes vai pedir autorização para brincar no seu antigo "território"; mais, até é provavel que a mesma área seje "propriedade" de um grupo no turno da manhã e de outro à tarde.
Imagine-se agora um grupo de naúfragos que chega a uma ilha deserta. Claro que ninguém faz ideia do que eles farão exactamente, mas há certas hipoteses mais prováveis que outras.
P.ex, se um dos naufragos chegar morto à costa, e se tiver objectos úteis (digamos, um canivete) de certeza que os outros, mesmo que conheçam a familia do morto, vão utilizar esses objectos sem se preocuparem minimamente com a vontade do proprietário. Porque é que eu faço a referência a "mesmo que conheçam a familia do morto"? Porque, muitas vezes, os liberais/ancaps tentam contornar esta questão respondendo "bens de propriedade desconhecida podem ser livremente apropriados" - ora, se conhecerem os familiares, o proprietário não é "desconhecido": os naúfragos sabem quem são os herdeiros do morto. Até é provável que, se regressarem à civilização, devolvam os seus objectos pessoais à familia, mas de certeza que não lhe irão pagar uma renda, ou uma indemnização por "uso indevido de propriedade".
Continuando a seguir os nossos naúfragos, como é que eles irão gerir os recursos da ilha? O mais provável é que, para os bens abundantes, usem a regra do "cada um serve-se à vontade", e para bens raros adoptem uma divisão igualitária entre os interessados (note-se que estou apenas a falar dos bens pre-existentes - não estou a dizer que eles irão repartir igualitáriamente o peixe que pesquem). De certeza que, para bens escassos, não irão adoptar a regra de "o primeiro a usá-los passa a ser o dono" (que é a regra que os liberais - pelo menos os mais preocupados com questões de principio - defendem).
Se eles se dedicarem à agricultura, é natural que reconheçam o terreno que cada um cultiva como sua propriedade, mas quase que apostava que se um dos naúfragos decidisse, todos os anos, cultivar um terreno diferente do que havia cultivado no ano anterior, apenas lhe seria reconhecida a propriedade do terreno que cultivava em cada momento (ou seja, é duvidoso que alguêm fosse reconhecido como proprietário de quase toda a ilha através desse expediente).
Ora, todos estes actos, que parecem simples bom-senso, mais não são que a propriedade proudhoniana ("o dono é quem usa regularmente o bem em questão" - ou qualquer coisa como "possession is ten tenths of the law") a funcionar.
Claro que o facto de a propriedade "proudhoniana" ser natural e espontânea e a "capitalista" artificial não significa que o sistema proudhoniano seja "bom" por isso (eu até acho um sistema que pode ser muito complicado na prática, sobretudo numa sociedade em que a economia assente bastante nos "bens produzidos", em vez de em recursos naturais) - afinal, há muitas coisas artificias boas (computadores, óculos, vacinas, guarda-chuvas, etc.). Mas a questão é que quem está constantemente a invocar o argumento "o nosso sistema é que é natural" são os defensores da propriedade "capitalista".
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