Friday, June 09, 2006

Sindicatos, desemprego, etc.

Há uma semana, António Costa Amaral (AA) escreveu "Sindical-parasitismo" (assunto que também passou para o 19 meses depois).

O assunto já é velho de uma semana, e já deixei alguns comentários nos posts respectivos, mas agora venho abordar sobretudo a relação entre os sindicatos e desemprego.

AA argumenta que os sindicatos criam desemprego, já que ao fazerem com que o nível salarial seja mais elevado do que seria se não houvesse sindicatos, fazem também que seja "mais caro e arriscado empregar".

Se a única variável que os sindicatos podessem influenciar fosse o salário, isso seria logicamente correcto: ao aumentar o preço de um bem (neste caso, o trabalho, ou, mais exactamente, a capacidade de trabalho), isso iria reduzir a procura desse bem (bem, algumas excepções téoricas, mas acho que não se aplicam neste caso). Logo, quanto mais altos fossem os salários que os sindicatos conseguissem negociar com os empregadores, menos trabalhadores estes iriam querer contratar.

No entanto, há um factor que afecta esse raciocinio: é que os sindicatos tentam agir, não apenas sobre os salários, mas também sobre o tempo de trabalho (horários, férias, etc.), e a sua acção sobre o tempo de trabalho até pode aumentar o emprego.

Imagine-se uma empresa (ou sector de actividade) com 1.000 trabalhadores, trabalhando 40 horas por semana, com 5 semanas de férias por ano (ou seja, 1.880.000 horas de trabalho por ano).

Agora, vamos supor que o sindicato conseguia uma redução do horário de trabalho de 40 para 35 horas, sem redução de salário. Isso implicaria que, para a empresa, o custo-hora aumentasse 14,3%, já que o dinheiro que antes pagavam por 40 horas, têm agora que pagar por apenas 35. Como é óbvio, se a hora de trabalho ficou mais cara, a procura de horas de trabalho por parte das empresas vai diminuir. No nosso exemplo, vamos imaginar que a(s) empresa(s) chega(m) à concusão que, com o novo custo-hora, só faz sentido "comprar" 1.650.000 horas de trabalho. Quais vão ser as consequências disso em termos de emprego?

Antes, cada empregado trabalhava 1.880 horas/ano [40 horas/semana * (52 - 5) semanas]. Agora passa a trabalhar apenas 1.645 horas/ano. Logo, se a procura de trabalho passar de 1.880.000 horas/ano para 1.650.000 horas/ano, isso significa um aumento da mão-de-obra empregue de 1.000 para 1.003 trabalhadores. Ou seja, a acção dos sindicatos contribuiria para reduzir o desemprego.

Note-se que não é obrigatório que uma redução do tempo de trabalho reduza o desemprego (o efeito do aumento do custo-hora pode provocar uma redução tão grande na procura de trabalho que mais que anule o efeito de cada trabalhador passar a trabalhar menos horas), mas é possível que tenha essa consequência.

Já agora, há outra situação em que a acção dos sindicatos pode reduzir o desemprego, mesmo agindo apenas sobre os salários. A oferta de trabalho, por vezes, segue um padrão diferente do que acontece com outros produtos - em vez de uma redução de preço originar uma redução na oferta, acontece o oposto: como ganham menos, os trabalhadores passam a arranjar segundos empregos, a oferecer-se para fazer trabalho extraordinário, a pôr o filhos a trabalhar (ou, pelo menos, a fazer menos pressão para que estes continuem na escola), etc. Assim, os sindicatos, a fazerem com que os salários sejam mais elevados vão reduzir, é certo, a procura de trabalho, mas também podem estar a reduzir a oferta de trabalho, o que até pode levar a uma redução global do desemprego.

Nota: com "oferta de trabalho", refiro-me à oferta de trabalho pelos trabalhadores, e com "procura de trabalho" refiro-me à procura de trabalho pelas empresas (é que por vezes estes termos são usados ao contrário).

3 comments:

aL said...

Miguel, obrigada pela referência. Apesar do tema poder ser similar, o meu ponto não é exactamente o mesmo que o AA.

apenas a falta de tempo é que me impede de concluir o meu post. penso que início da próxima semana consegurei fazê-lo, respondendo assim a alguns comentários [teus inclusivé]

Anonymous said...

pois o que ele gostava é que isto fosse como na china.

primeiro, a redução do horario de trabalho aumenta a produtividade/hora, o que vai fazer com que se aumente no numero de trabalhadores. e todo o raciocinio que o miguel fez.

segundo, as pessoas não são como a madeira ou o minerio, etc... o resultado dos sidicatos é o aumento do poder de compra. isto é bom.
se se queixam da diminuição da procura do produto é porque o produto é uma porcaria. caso contrario se for algo com valor acrescentado, os trabalhadores já terão dinheiro para comprar.

terceiro, o miguel já disse tudo.

agora há uma tentativa de virar os que estão "fora do sistema" (leia-se desempregados) contra os que estão dentro do sistema, acusando-os de "corporativismo". o que é uma parvoice, trata-se de proteger direitos que tornam a vida de trabalho mais digna e mais segura.

Anonymous said...

outra coisa que "falsifica" a logica de mercado são as leis anti imigração, tão caras á maioria da direita.

mas disso eles não falam.