Dos Santos responde ao meu post sobre o "anarco-comunismo":
"Se é proposto que um indivíduo tenha o direito de não pertencer a nenhuma comunidade em específico e não tenha forçosamente de fazer parte de um colectivo de trabalhadores, como se impede - sem coerção, atenção - que a sociedade se fragmente e crie uma economia capitalista, por sua conta, em que a propriedade possa ser definida livremente a nível individual? Existe uma diferença entre o anarco-comunismo definir que os indivíduos devem associar-se em comunas e simplesmente achar que assim deve ser. Se o anarco-comunismo propõe um sistema em que as pessoas são livres de decidir, então estaremos, provavelmente, a falar de anarco-capitalismo, onde não há restrição a definir a propriedade de forma individual ou associativa, contando que não se interfiram mutuamente de forma a respeitar os direitos dos seus membros (seja a vontade destes em manter uma associação com uma gestão colectiva ou de proteger a propriedade privada)."
Em primeiro lugar, é conveniente acertar definições (que, como o Dos Santos bem tem dito, são fundamentais para se poder discutir). Primeiro, vamos definir o que é "anarco-comunismo".
O anarquismo clássico divide-se em dois ramos: o anarquismo individualista, defensor de uma sociedade de pequenos proprietários; e o anarquismo social, que defende a propriedade comunitária combinada com usufruto individual ou colectivo. Um exemplo disso, em ponto pequeno, poderá ser dado por uma aldeia que possua colectivamento um terreno e estipule que cada habitante poderá utilizar meio hectare de terreno, havendo assim algumas pessoas a utilizar individualmente o "seu" meio hectare, grupos de 10 pessoas a utilizar colectivamente 5 hectares, grupos de 20 a utilizar 10 hectares, etc. (um exemplo real: a aldeia de Aivados, no Alentejo, possui colectivamente um herdade; essa herdade é explorada colectivamente, mas quem preferir pode explorar sozinho uma parcela do terreno, renunciando à sua parte nos proveitos da exploração colectiva).
Agora, "anarco-comunismo" é a sub-corrente do anarquismo social que defende que a melhor maneira de os individuos utilizarem a propriedade comunitária é trabalharem em conjunto, em comunidades de produtores-consumidores sem uso de dinheiro (ao contrários de outras facções, que propõem diferentes formas de organização) mas reconhecendo, sempre, o direito de trabalhar sozinho, para quem o preferir. Esta distinção é importante, porque, sobretudo nas críticas ao "anarco-comunismo", às vezes não se percebe muito bem se se está a falar do "anarco-comunismo" ou do "anarquismo social" em geral.
Quanto a "capitalismo", é sabido que, quando os anarquistas usam esta expressão, estão-se a referir à "definição 3", i.e., empresas usando trabalho assalariado e dirigidas pelo proprietário do capital (ou pelos seus representantes).
Portanto, se a questão for "como é que numa sociedade organizada segundo os principios do anarquismo social se impede o aparecimento de relações patrão-empregado?", a resposta é por que é que alguém haveria de querer trabalhar para um patrão se, à partida, tem tanto direito como ele a utilizar os bens da comunidade, nomeadamente os instrumentos de trabalho? Para que é que, numa sociedade anarco-socialista, alguêm precisa de trabalhar para um patrão?
Podemos fazer uma analogia com uma praia (sem áreas concessionadas). Em certos aspectos, até faz lembrar uma sociedade anarquista: a praia é publica, aberta a todos, usando-a uns individualmente, outros em familia, outros em grupo, etc. Poderia-se perguntar "o que é que impede alguêm de estabelecer direitos de propriedade sobre uma parte da praia e começar a cobrar renda ou portagem a quem lá ir?", mas a resposta é "o que é que impede alguém de ignorar essa proclamação e ir à praia recusando-se a pagar seja o que fôr ao suposto proprietário?".
Claro que é perfeitamente possível que num grupo de trabalho, possa surgir alguêm que, por carisma pessoal, competência técnica, etc. acabe por funcionar como "líder" do grupo, mas não acho que isso seja uma relação patrão-empregado.
A respeito da "coerção" que o Dos Santos fala, o que é que se entende por "coerção"? Se for "forçar/impedir alguêm a/de fazer alguma coisa atravez do uso da força (ou ameaça)", então uma sociedade sem coacção seria uma espécie de versão extrema do anarco-socialismo (que penso que ninguém defenda), em que qualquer bem que não estivesse na minha posse fisica mais directa poderia ser usado livremente por qualquer um, já que a ameaça do uso de força para impedir tal coisa seria "coacção".
Podemos, em vez disso, definir "coacção" como "uso (ou ameaça de uso) da força contra direitos legítimos", mas então aí o conceito de "coacção" torna-se completamente circular (voltar a chamar a atenção para o que Kevin Carson escreve a esse respeito): o uso de força necessário para fazer respeitar a propriedade "capitalista" seria "coacção" na prespectiva de um socialista, e o uso de força necessário para fazer respeitar a propriedade "anarco-socialista" seria "coacção" na prespectiva de um liberal.
Em primeiro lugar, é conveniente acertar definições (que, como o Dos Santos bem tem dito, são fundamentais para se poder discutir). Primeiro, vamos definir o que é "anarco-comunismo".
O anarquismo clássico divide-se em dois ramos: o anarquismo individualista, defensor de uma sociedade de pequenos proprietários; e o anarquismo social, que defende a propriedade comunitária combinada com usufruto individual ou colectivo. Um exemplo disso, em ponto pequeno, poderá ser dado por uma aldeia que possua colectivamento um terreno e estipule que cada habitante poderá utilizar meio hectare de terreno, havendo assim algumas pessoas a utilizar individualmente o "seu" meio hectare, grupos de 10 pessoas a utilizar colectivamente 5 hectares, grupos de 20 a utilizar 10 hectares, etc. (um exemplo real: a aldeia de Aivados, no Alentejo, possui colectivamente um herdade; essa herdade é explorada colectivamente, mas quem preferir pode explorar sozinho uma parcela do terreno, renunciando à sua parte nos proveitos da exploração colectiva).
Agora, "anarco-comunismo" é a sub-corrente do anarquismo social que defende que a melhor maneira de os individuos utilizarem a propriedade comunitária é trabalharem em conjunto, em comunidades de produtores-consumidores sem uso de dinheiro (ao contrários de outras facções, que propõem diferentes formas de organização) mas reconhecendo, sempre, o direito de trabalhar sozinho, para quem o preferir. Esta distinção é importante, porque, sobretudo nas críticas ao "anarco-comunismo", às vezes não se percebe muito bem se se está a falar do "anarco-comunismo" ou do "anarquismo social" em geral.
Quanto a "capitalismo", é sabido que, quando os anarquistas usam esta expressão, estão-se a referir à "definição 3", i.e., empresas usando trabalho assalariado e dirigidas pelo proprietário do capital (ou pelos seus representantes).
Portanto, se a questão for "como é que numa sociedade organizada segundo os principios do anarquismo social se impede o aparecimento de relações patrão-empregado?", a resposta é por que é que alguém haveria de querer trabalhar para um patrão se, à partida, tem tanto direito como ele a utilizar os bens da comunidade, nomeadamente os instrumentos de trabalho? Para que é que, numa sociedade anarco-socialista, alguêm precisa de trabalhar para um patrão?
Podemos fazer uma analogia com uma praia (sem áreas concessionadas). Em certos aspectos, até faz lembrar uma sociedade anarquista: a praia é publica, aberta a todos, usando-a uns individualmente, outros em familia, outros em grupo, etc. Poderia-se perguntar "o que é que impede alguêm de estabelecer direitos de propriedade sobre uma parte da praia e começar a cobrar renda ou portagem a quem lá ir?", mas a resposta é "o que é que impede alguém de ignorar essa proclamação e ir à praia recusando-se a pagar seja o que fôr ao suposto proprietário?".
Claro que é perfeitamente possível que num grupo de trabalho, possa surgir alguêm que, por carisma pessoal, competência técnica, etc. acabe por funcionar como "líder" do grupo, mas não acho que isso seja uma relação patrão-empregado.
A respeito da "coerção" que o Dos Santos fala, o que é que se entende por "coerção"? Se for "forçar/impedir alguêm a/de fazer alguma coisa atravez do uso da força (ou ameaça)", então uma sociedade sem coacção seria uma espécie de versão extrema do anarco-socialismo (que penso que ninguém defenda), em que qualquer bem que não estivesse na minha posse fisica mais directa poderia ser usado livremente por qualquer um, já que a ameaça do uso de força para impedir tal coisa seria "coacção".
Podemos, em vez disso, definir "coacção" como "uso (ou ameaça de uso) da força contra direitos legítimos", mas então aí o conceito de "coacção" torna-se completamente circular (voltar a chamar a atenção para o que Kevin Carson escreve a esse respeito): o uso de força necessário para fazer respeitar a propriedade "capitalista" seria "coacção" na prespectiva de um socialista, e o uso de força necessário para fazer respeitar a propriedade "anarco-socialista" seria "coacção" na prespectiva de um liberal.
1 comment:
muito bem caro miguel.
a grande logica por tras do anarquismo é criar uma sociedade de produtores livres e independentes.
o trabalho, assim como a saude e a educação são um direito inalienavel e universal.
como tal, o produtor tem todo o direito a usufruir ao maximo do seu trabalho, isto implica obviamente que os outros tenham o dever de lhe garantir esse direito.
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