Na revista Atlântico, A.A. Alves escreve que "quanto mais radicais forem as implicações anti-capitalistas de uma determinada causa ambientalista, mais apetecível ela se torna como mecanismo de propaganda (...) não é surpreendente que o tema das alterações climáticas suscite tantas paixões e esteja hoje no topo da agenda dos inimigos do capitalismo".
Mas a questão do "aquecimento global" (e das soluções propostas) terá alguma implicação "anti-capitalista"?
Para começar, diga-se que a expressão "anti-capitalista" é um bocado ambígua, porque pode significar duas coisas distintas - pode querer dizer "hostilidade aos capitalistas" ou "hostilidade ao capitalismo". Pode parecer o mesmo, mas não é - podermos facilmente imaginar politicas, atitudes, etc. que sejam favoráveis aos princípios do "sistema capitalista" (nomeadamente se definirmos "capitalismo" como "mercado livre") mas contrários aos interesses dos "capitalistas" (e vice-versa). No entanto, como o A.A.A refere-se aos "inimigos do capitalismo" (e não apenas dos "capitalistas"), deduzo que queira mesmo dizer "hostilidade ao capitalismo".
Agora (após esta aparente divagação que vai ser justificada mais para a frente) regressemos à questão - quais são as implicações "anti-capitalistas" da luta contra o aquecimento global? A filosofia de sistemas como o protocolo de Quioto ou Sistema de Transacções de Direitos de Poluição da UE é limitar a emissão de gases de estufa através da atribuição de "direitos de emissão de gases poluentes" transaccionáveis. Ora, isso é tudo menos "anti-capitalismo" - basicamente, isso mais não é que aplicar a lógica capitalista à atmosfera: mercantilizar o "direito a poluir" (como, no fundo, é dito pelo liberal Luis Pedro ou pelo trotskista Michael Lowi), em vez do sistema actual, que é uma espécie de "comunismo utópico" em que os "bens" (neste caso, o ar) não têm dono e cada um se serve à vontade ("de acordo com as suas necessidades"...).
É verdade que poderíamos dizer que essas medidas são "anti-capitalistas" no sentido de, em principio, irem contra os interesses dos "capitalistas" (já que reduzem o seu direito a poluir gratuitamente), mas acho que não é nesse sentido que a questão do "anti-capitalista" é levantada (diga-se que, mesmo nesse sentido, a limitação de emissão de gases poluentes não é necessariamente "contra os interesses dos capitalistas": se fosse feita leiloando os "direitos de poluição" e usando a verba obtida para reduzir os impostos sobre os lucros significaria apenas uma transferência de rendimento dentro da "classe capitalista" - dos capitalistas que poluem muito para os que poluem pouco).
Um ultimo ponto - há uma curiosa ironia no debate sobre o grau de gravidade da poluição atmosférica. Em principio, claro, sendo, em si, uma questão puramente cientifica e não politica, nem deveria haver grande relação entre as opiniões politicas de uma pessoa e a sua opinião sobre, digamos, se o aquecimento global existe e/ou qual a sua origem. No entanto, atendendo que os preconceitos ideológicos acabam sempre por afectar a nossa opinião, acho que o que seria de esperar, de acordo com o que as diferentes ideologias defendem, seria o seguinte:
O campo dos que dizem que a poluição, o aquecimento global, etc. não são graves deveria estar a abarrotar de adeptos do "Movimento Socialista Mundial" e de anarco-comunistas (este "abarrotar" deve ser relativizado, atendendo a que são duas ideologias ultra-minoritárias), que argumentariam "Estão a ver como é perfeitamente possível uma sociedade sem dinheiro nem preços e em que cada um se sirva simplesmente tirando o que necessita? É assim que funciona com o ar que respiramos e tem dado para todos sem haver nenhuma tragédia até agora".
O campo dos que dizem que a poluição ameaça a vida na Terra deveria estar a abarrotar de liberais (que, aliás, comparados com os anarco-comunistas ou com o MSM até parecem muitos), dizendo "Estão a ver como na ausência de direitos de propriedade, dinheiro, um mercado e preços o cálculo económico e o eficiente uso dos recursos é impossível? Veja o que aconteceu com a atmosfera - completamente destruída pela ausência de direitos de propriedade!".
Não preciso de dizer qual é a "curiosa ironia" que referi à pouco, pois não?
Mas a questão do "aquecimento global" (e das soluções propostas) terá alguma implicação "anti-capitalista"?
Para começar, diga-se que a expressão "anti-capitalista" é um bocado ambígua, porque pode significar duas coisas distintas - pode querer dizer "hostilidade aos capitalistas" ou "hostilidade ao capitalismo". Pode parecer o mesmo, mas não é - podermos facilmente imaginar politicas, atitudes, etc. que sejam favoráveis aos princípios do "sistema capitalista" (nomeadamente se definirmos "capitalismo" como "mercado livre") mas contrários aos interesses dos "capitalistas" (e vice-versa). No entanto, como o A.A.A refere-se aos "inimigos do capitalismo" (e não apenas dos "capitalistas"), deduzo que queira mesmo dizer "hostilidade ao capitalismo".
Agora (após esta aparente divagação que vai ser justificada mais para a frente) regressemos à questão - quais são as implicações "anti-capitalistas" da luta contra o aquecimento global? A filosofia de sistemas como o protocolo de Quioto ou Sistema de Transacções de Direitos de Poluição da UE é limitar a emissão de gases de estufa através da atribuição de "direitos de emissão de gases poluentes" transaccionáveis. Ora, isso é tudo menos "anti-capitalismo" - basicamente, isso mais não é que aplicar a lógica capitalista à atmosfera: mercantilizar o "direito a poluir" (como, no fundo, é dito pelo liberal Luis Pedro ou pelo trotskista Michael Lowi), em vez do sistema actual, que é uma espécie de "comunismo utópico" em que os "bens" (neste caso, o ar) não têm dono e cada um se serve à vontade ("de acordo com as suas necessidades"...).
É verdade que poderíamos dizer que essas medidas são "anti-capitalistas" no sentido de, em principio, irem contra os interesses dos "capitalistas" (já que reduzem o seu direito a poluir gratuitamente), mas acho que não é nesse sentido que a questão do "anti-capitalista" é levantada (diga-se que, mesmo nesse sentido, a limitação de emissão de gases poluentes não é necessariamente "contra os interesses dos capitalistas": se fosse feita leiloando os "direitos de poluição" e usando a verba obtida para reduzir os impostos sobre os lucros significaria apenas uma transferência de rendimento dentro da "classe capitalista" - dos capitalistas que poluem muito para os que poluem pouco).
Um ultimo ponto - há uma curiosa ironia no debate sobre o grau de gravidade da poluição atmosférica. Em principio, claro, sendo, em si, uma questão puramente cientifica e não politica, nem deveria haver grande relação entre as opiniões politicas de uma pessoa e a sua opinião sobre, digamos, se o aquecimento global existe e/ou qual a sua origem. No entanto, atendendo que os preconceitos ideológicos acabam sempre por afectar a nossa opinião, acho que o que seria de esperar, de acordo com o que as diferentes ideologias defendem, seria o seguinte:
O campo dos que dizem que a poluição, o aquecimento global, etc. não são graves deveria estar a abarrotar de adeptos do "Movimento Socialista Mundial" e de anarco-comunistas (este "abarrotar" deve ser relativizado, atendendo a que são duas ideologias ultra-minoritárias), que argumentariam "Estão a ver como é perfeitamente possível uma sociedade sem dinheiro nem preços e em que cada um se sirva simplesmente tirando o que necessita? É assim que funciona com o ar que respiramos e tem dado para todos sem haver nenhuma tragédia até agora".
O campo dos que dizem que a poluição ameaça a vida na Terra deveria estar a abarrotar de liberais (que, aliás, comparados com os anarco-comunistas ou com o MSM até parecem muitos), dizendo "Estão a ver como na ausência de direitos de propriedade, dinheiro, um mercado e preços o cálculo económico e o eficiente uso dos recursos é impossível? Veja o que aconteceu com a atmosfera - completamente destruída pela ausência de direitos de propriedade!".
Não preciso de dizer qual é a "curiosa ironia" que referi à pouco, pois não?
1 comment:
Não preciso de dizer qual é a "curiosa ironia" que referi à pouco, pois não?
ahahahahahah!!! ;)
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