Thursday, March 29, 2007

Mesmo a propósito

A questão do que Rousseau pretendia dizer quando dizia que é "a sociedade que faz o homem mau" vem mesmo a propósito deste artigo (postado, tanto nos comentários ao post de Palmira Silva como por Patricia Lança n'O Insurgente).

A tese central do texto ("A History of Violence") é que a violência humana tem vindo a diminuir ao longo dos últimos milénios, séculos e anos, num processo continuo.

Em que medida é que isso se relaciona com as teses de Rousseau, e as suas diferentes interpretações? Acho que se relaciona de duas maneiras contraditórios.

Como disse, a tese de Rousseau (que é a sociedade que faz o homem mau) costuma ser apresentada de duas maneiras: uma (que é a que eu aprendi na faculdade) é a de que o homem, naturalmente, não é nada, e que é a sociedade que o vai fazer "bom" ou "mau" (e que, portanto, melhorar o homem é fácil - é só melhorar a sociedade em que ele está inserido); outra (que é a que aprendi no secundário) é a de que o homem é naturalmente "bom".

Ora, se a efectivamente a violência humana tem vindo a diminuir, e o Homem está se a tornar cada vez "melhor", isso tem duas conclusões opostas - por um lado, parece deitar por abaixo o "rousseaunanismo" em "versão ensino secundário"; por outro, parece confirmar em absoluto o rousseaunanismo em"versão ensino superior".

1 comment:

Anonymous said...

A versão universitária também não está completamente acertada. O primeiro homem de Rousseau não é bom nem mau no sentido moral, político - porque está fora desse mundo. Mas é bom no sentido de não estar corrompido, de não ter medo - nem sequer da morte. É a sociedade, a civilização, que o corrompe, transformando a apetência natural da auto-preservação na apetência viciosa retratada na inveja, no orgulho e em outros artificialismos. O contrato social de Rousseau é uma tentativa de regresso a essa bondade natural - de livrar a cerviz do cidadão do sarrafo da inveja, da hierarquia, da desigualdade, através da renúncia ao que são entendidos como direitos naturais (nesta perspectiva, ilegítimos) e da submissão à vontade comum. Em boa medida, a versão da secundária é mais acertada - a outra aproxima-se mais da tabula rasa dos empiricistas.

Onde o texto do Pinker contradiz Rousseau, para lá da ficção do homem natural imune à corrupção, é na demonstração que a sociedade onde a desigualdade é predominante e as instituições desenhadas para conter a violência não se desintegrou.

O próprio Pinker é claro nesta questão:

Reason: You say in The Blank Slate that Hobbes was right and Rousseau was wrong. Is civilization basically the development of institutions designed to rein in male violence?

Pinker: I think that's got a lot of truth to it, absolutely.

(ele endereça o assunto com maior profundidade no livro Blank Slate, que não tenho aqui à mão)

De resto, a questão que me parece mais importante é esta:

"The author argues not that genes are everything and culture is nothing--no one believes that--but explores why the extreme position (that culture is everything) is so often seen as moderate, and the moderate position is seen as extreme". E isto é uma refutação da tese rousseauna (aplicada aos modernos seguidores do genebrino, como em keynesiana), seja qual for o grau académico da versão.

links:
http://www.reason.com/news/show/...show/ 28537.html
http://www.amazon.com/Blank-Slat...e/dp/ 0670031518