Henrique Raposo escreve "[s]empre pensei que uma das razões para o sucesso da alma esquerdista entre nós é esta tendência portuguesa para o consenso, para a unidade de propósito, para se chegar a um único “politicamente correcto” o mais rapidamente possível. À esquerda, não se debate ideias. Aponta-se apenas um inimigo e um destino a seguir. Pode haver muitas famílias, mas há sempre um inimigo impuro que deve ser abatido e que dá o propósito unificado à esquerda. Quem se desviar desse propósito é necessariamente um impuro, um traidor. Este culto da unidade é aquilo que sempre me afastou da esquerda."
Pois,a mim parece-me que é exactamente ao contrário (se estou a perceber bem o que HR diz) - a direita é que tem tendência para fazer "frentes unitárias" (embora seja um partido de esquerda que normalmente usa essa terminologia), e a esquerda é que se divide em facções distintas por tudo e por nada. Veja-se as eleições presidenciais: normalmente só há um candidato de direita e um monte de candidatos de esquerda; ou compare-se as lutas internas nos partidos de direita com os de esquerda: nos de direita, quando estão no poder unem-se em torno do chefe e entram em polémicas internas quando vão para a oposição; os de esquerda (com a excepção dos comunistas ortodoxos) normalmente estão sempre envolvidos em polémicas internas, quer estejam no governo ou na oposição (ou até mais quando estão no governo).
Aliás, a árvore genealógica da esquerda e da direita até tem sido ao contrário - à esquerda, o que predomina é a tendência para as ideologias se sub-dividirem em vários ramos: anarquistas vs. marxistas; revolucionários vs. social-democratas; ultra-esquerdistas vs. leninistas; trostskistas vs. estalinistas; trotskistas-mandelistas vs. trotskistas-morenistas, etc (ou, indo às origens, mal a esquerda tinha surgido, e já havia girondinos, jacobinos, hebertistas, enragés...). Pelo contrário, à direita, a tendência tem sido ao contrário - para a fusão entre liberalismo e conservadorismo.
E até faz sentido que a direita seja mais "unitária" que a esquerda - a direita, quase por definição, é pragmática e "realista" (creio que era o Burke que dizia algo como "não temos outra responsabilidade perante o nosso tempo senão a de aceitarmos o nosso tempo"), logo é natural que façam mais facilmente compromissos e tenham a atitude de "vamos concentrar-nos em objectivos práticos e não perder muito tempo a discutir filosofia"; pelo contrário, a esquerda é "idealista", quer mudar a sociedade para melhor ("melhor", claro está, na nossa opinião) - alguém de esquerda tende a ver-se como "um lutador contra as injustiças do mundo", logo temos mais dificuldade em aceitar compromissos, acordos, cedências, etc.
Se calhar até é verdade que há mais pluralismo dentro de organizações de direita do que de esquerda, mas isso é sobretudo porque à esquerda há mais a tendência para quem não concorda com a linha geral da organização ir criar uma nova organização ao lado.
Pois,a mim parece-me que é exactamente ao contrário (se estou a perceber bem o que HR diz) - a direita é que tem tendência para fazer "frentes unitárias" (embora seja um partido de esquerda que normalmente usa essa terminologia), e a esquerda é que se divide em facções distintas por tudo e por nada. Veja-se as eleições presidenciais: normalmente só há um candidato de direita e um monte de candidatos de esquerda; ou compare-se as lutas internas nos partidos de direita com os de esquerda: nos de direita, quando estão no poder unem-se em torno do chefe e entram em polémicas internas quando vão para a oposição; os de esquerda (com a excepção dos comunistas ortodoxos) normalmente estão sempre envolvidos em polémicas internas, quer estejam no governo ou na oposição (ou até mais quando estão no governo).
Aliás, a árvore genealógica da esquerda e da direita até tem sido ao contrário - à esquerda, o que predomina é a tendência para as ideologias se sub-dividirem em vários ramos: anarquistas vs. marxistas; revolucionários vs. social-democratas; ultra-esquerdistas vs. leninistas; trostskistas vs. estalinistas; trotskistas-mandelistas vs. trotskistas-morenistas, etc (ou, indo às origens, mal a esquerda tinha surgido, e já havia girondinos, jacobinos, hebertistas, enragés...). Pelo contrário, à direita, a tendência tem sido ao contrário - para a fusão entre liberalismo e conservadorismo.
E até faz sentido que a direita seja mais "unitária" que a esquerda - a direita, quase por definição, é pragmática e "realista" (creio que era o Burke que dizia algo como "não temos outra responsabilidade perante o nosso tempo senão a de aceitarmos o nosso tempo"), logo é natural que façam mais facilmente compromissos e tenham a atitude de "vamos concentrar-nos em objectivos práticos e não perder muito tempo a discutir filosofia"; pelo contrário, a esquerda é "idealista", quer mudar a sociedade para melhor ("melhor", claro está, na nossa opinião) - alguém de esquerda tende a ver-se como "um lutador contra as injustiças do mundo", logo temos mais dificuldade em aceitar compromissos, acordos, cedências, etc.
Se calhar até é verdade que há mais pluralismo dentro de organizações de direita do que de esquerda, mas isso é sobretudo porque à esquerda há mais a tendência para quem não concorda com a linha geral da organização ir criar uma nova organização ao lado.
2 comments:
Sobre a citação de Burke, eu acho interessante porque é um ponto que me inclina ao radicalismo: considero a escolha de não se compromissar com as imperfeições da realidade vingente uma escolha moral.
E acho que esse é o motivo da popularidade da esquerda, de uma maneira geral. Mesmo quando ela está errada, ela passa a idéia de que o compromisso com o status quo é absurdo.
Eu não sei se me classificaria como um esquerdista, embora eu às vezes o faça e alguns anarquistas de esquerda terem sido influentes na minha maneira de pensar, mas acho que o espírito de "revolução permanente" deve ser algo a se cultivar. Não falo do sentido socialista de revolução, mas da disposição de sempre empurrar as condições atuais para um cenário que seja mais condizente com ideais de justiça e liberdade.
A pergunta complicada para qual todo mundo e ao mesmo tempo ninguém tem uma resposta pronta é a seguinte: como fazer isso?
Mas bem, isso são outros quinhetos...
Caro Madeira,
Não discordo com Henrique Raposo, que a esquerda tem um culto de unidade (que também me afasta), não existe debate de idéias, apenas inimigos a combater.
A esquerda, mesmo que lhe fosse possibilitada, nunca assumiria um espaço de coligação onde partilhasse o poder (uma eventual coligação à esquerda em legislativas por exemplo, de certo modo tal como a direita desenhou na anterior legislatura). Não assumiria porque não deseja gerir essa responsabilidade, não sabe fazê-lo mas se soubesse é demasiado difícil (a governação), sendo muito mais confortável o papel que tem desempenhado, disparar, criticar, destruir toda e qualquer iniciativa de quem quer que seja, mais ou menos à sua direita.
Por outro lado, a sua afirmação "...isso é sobretudo porque à esquerda há mais a tendência para quem não concorda com a linha geral da organização ir criar uma nova organização ao lado." só me leva a reforçar aquilo que já sinto, ou seja, esclarece-me a certeza... que à esquerda, quem não concorda é excluído, expulso, renegado, excomungado... a isso chamam-lhe criar alternativas.
Esclareço que me sinto mais situado à esquerda do que à direita... mas aquela esquerda que tolera e sabe gerir a relação construtiva com a direita... uma esquerda que deixou de existir e que só continua nos meus ideais (razão porque decidi nunca mais me envolver na política do meu país, recuso-me a votar e aguardo que tantos como eu um dia mostrem abstenção de 99% e assim façam entender que o que está mal não é a ideologia política, mas sim os medíocres que a gerem e o modo como a gerem)
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