Thursday, November 25, 2010

O Estado sempre existiu?

Rui Albuquerque escreve que «O governo, os tribunais, os parlamentos ou câmaras representativas, em suma, a dinâmica do poder e a sua organização, chamemos-lhe o "estado" ou o "princípio governativo", existem desde sempre, em qualquer local onde encontremos sociedades humanas».

Ele já havia feito essa afirmação em tempos, assim volto a repetir o que escrevi na altura:

Ora sociedades sem estado já houve muitas: p.ex., indo ao post anterior, temos outra vez as sociedades melanésias descritas por Marshall Sahlins; ou os Nuer do Sudão; Bruce Benson também dá alguns exemplos neste seu paper [pdf], etc.

RA poderá argumentar que os "big man" melanésios, as "linhagens" nuer, etc. são o equivalente a "Estados", ainda que de tipo peculiar (já que não há a figura de uma poder central com o monopólio da autoridade suprema sob um dado território). Talvez.

Mas assim, as agencias de protecção numa sociedade anarco-capitalista (ou talvez o conjunto das agências de protecção), ou, já agora, uma confedaração voluntária de colectivos de trabalhadores anarco-sindicalistas também serão "Estados". E até podemos concluir que afinal já há o "Estado mundial" - de certa forma, o conjunto das instituições internacionais, alianças militares e diplomáticas, equilibrios de força entre as potências, etc. realmente configura uma espécie de sistema politico internacional que, pelo mesmo critério, será também uma espécie de "Estado".

Ou seja, se adoptarmos essa definição de "Estado", isso em nada altera os termos da discussão entre "anarquistas" e "arquistas" - afinal, se dizemos que o "Estado" sempre existiu e faz parte da natureza humana, e depois adoptamos uma definição de "Estado" que inclui grande parte dos modelos politicos propostos pelos chamados "anarquistas", então a possibilidade da realização no mundo real dos (ou de alguns dos) modelos-propostos-pelos-anarquistas não foi refutada.

(...)

E, assim, em vez de se discutir se é possível uma sociedade sem Estado, passaríamos a discutir se é possível uma sociedade com um Estado sem uma autoridade suprema que reivindique o monopólio em ultima instância do uso da força. Mas não vejo qual a utilidade dessa mudança de terminologia, além de passarmos a ter que usar frases muito mais compridas e termos que reescrever a maior parte dos livros de filosofia politica, história e antropologia escritos nos últimos 200 anos.

4 comments:

rui a. said...

Ó Miguel Madeira, é mais complicado do que isto. Andar à cata de cabeças de alfinete, não chega para ter uma caixa de costura. O problema está nas relações de poder. É uma coisa biológica: o Lorenz explicava bem o fenómeno no meio dos babuínos e nós, que da condição de animais não escapamos, não somos muito diferentes. Até nas comunidades hipies de consumidores compulsivos de erva, a coisa manifesta-se. As instituições de governo plasmadas no estado, mais não são do que formas ritualizadas dos diferentes momentos civilizacionais para descrever e estabelecer essas relações. Nisto, os conservadores são muito lúcidos, e é por isso que eu ando háalguns anos a insistir que eles são imprescindíveis aos liberais. De resto, o liberalismo só existe, por causa do poder. Se este não existisse, o liberalismo não teria qualquer razão de ser.

Cumps.,

Anonymous said...

E o que é que um 'guru' de uma comunidade de consumidores de erva (whatever that means) tem a ver com um governante? Nada, obviamente. Não pode impedir um membro de sair, não lhe cobra impostos, não anda à cata a ver se tem uma pistola na mochila, etc.

CN said...

Rui, é uma questão de ambição. Ou dizemos o poder é o poder, e vai sempre existir o poder, ou reclamamos uma ética universal. A Verdade não convive com meias verdades.

Rui Botelho Rodrigues said...

Mais uma vez: os ancaps (e com eles todos os anarquistas individualistas) não advogam o fim das relações de poder (embora Max Stirner possa ser assim entendido). Advogam sim o fim das relações de poder não voluntariamente concedidas.
A escolha é entre poder legitimado por meios contratuais, ou poder legitimado pela superioridade física. Quase todos os liberais, de resto, acreditavam na legitimação contratual do Estado - simplesmente erraram tremendamente na sua percepção do conceito de contrato e/ou na aplicação desse conceito ao Estado.
A tarefa repetida do Rui de imputar a todos os anarquistas (como a todos os racionalistas) as fantasias de alguns, não é porque o Rui não perceba os argumentos. E se não é ignorância, só pode ser estratégia.
Essa estratégia já foi usada e é, conservadoramente testada pelo tempo, eficaz a suprimir ideologias «fora da caixa» (isto é: contra o status quo). Pode ser até ter uma componente social benéfica. Porém, se queremos debater ideias, não serve.