Friday, June 17, 2011

Erros dos agentes económicos e recessões

Murray Rotbard, o Carlos Novais e o André Azevedo Alves levantam a questão "Como é que a dada altura se dá uma concentração de erros na actuação dos agentes económicos num determinado ponto do tempo?", dedicando-a especiamente a Krugman, Stieglitz e aos keynesianos.

Em primeiro lugar, vamos recordar a teoria keynesiana das recessões:

- os agentes económicos decidem ter mais moeda em seu poder do que a que têm (isso não implica que todos os agentes decidam aumentar o seu stock de moeda - basta que o saldo entre os que querem aumentar e os que querem reduzir seja positivo)

- para terem mais moeda em seu poder, os agentes vão querer gastar (seja em consumo, seja em investimento) menos do que ganham, ou seja vão querer vender mais do que compram

- mas como os compras do Desidério são as vendas da Natalina, o desejo de toda* a gente comprar menos do que vende apenas leva a que as vendas totais caiam (*não é necessário ser "toda a gente", basta o tal saldo liquido referido 2 pontos acima)

- contra-argumento: se as vendas caiem, os produtores vão baixar os preços; com os preços mais baixos o valor real da moeda aumenta, os agentes já não têm razão para querer vender mais do que compram e a economia volta a funcionar

-contra-contra-argumento: os agentes demoram a ajustar os preços, porque, como dito aqui, pensar em mudar os preços, calcular que novos preços praticar e mudá-los efectivamente (imprimindo novos menus, p.ex.) tem um custo; alem disso, como a maior parte dos agentes não vão baixar substancialmente os seus preços antes dos seus fornecedores também os baixarem substancialmente, pode levar anos até à combinação de pequenas baixas consecutivas de preços produzir a tal baixa geral de preços necessária para pôr a economia outra vez a funcionar

Essencialmente, a teoria keynesiana das recessões é isto (depois há uma carrada de pontos adicionais - armadilhas de liquidez, aceleradores, multiplicadores, "balance sheets", etc. - mas não afectam o fundamental).

Aliás, a teoria monetarista das recessões também é essencialmente isto - os keynesianos tendem a considerar que as recessões ocorrem porque os agentes querem deter mais moeda, enquanto os monetaristas tendem a achar que as recessões ocorrem porque a quantidade de moeda diminui; mas na prática, e atendendo às várias definições de "moeda" - M1 M2, M3,...  - a diferença entre "os agentes querem deter mais moeda" e "a quantidade de moeda em circulação diminuir" é bastante ténue (se eu transferir dinheiro de uma conta a prazo para uma à ordem, isso tanto pode ser considerado um aumento da procura de M1 como uma diminuição da oferta de M2).

Agora, vamos regressar à questão dos erros dos agentes e de porque razão eles se concentram num determinado momento. Mais exactamente, no caso do modelo keynesiano (ou keynesiano/monetarista) das recessões, que erros os agentes cometeram? A única coisa aqui que pode ser considerado um erro é não baixarem logo os preços. Portanto, porque razão é que a maior parte dos agentes cometem, ao mesmo tempo, o erro de praticar preços mais altos do que os adequados?

Imagine-se que, esta noite, por volta das 5 da manhã, a temperatura terrestre descia 10º; seria de esperar que muita gente amanhã vestisse roupa fresca (pelo menos, no Hemisfério Norte) e só quando saíssem à rua é que percebessem que estava muito mais frio do que esperavam; não há nenhum mistério em muita gente cometer o euro de se vestir "à fresca" - afinal, se toda a gente foi afectada por um descida inesperada da temperatura, é natural que comentam o mesmo erro ao vestir-se.

Da mesma maneira, se houver um aumento geral da procura de moeda, e portanto, uma redução geral da procura de bens e serviços (o que não exclui que possa haver um aumento da procura de alguns bens ou serviços especificos), é também perfeitamente normal que a maior parte das empresas se veja com preços mais elevados do deveria ser; da mesma maneira, nenhum mistério aqui.

De qualquer forma, sinceramente, nem me parece fazer grande sentido dirigir a pergunta "Como é que a dada altura se dá uma concentração de erros na actuação dos agentes económicos num determinado ponto do tempo?" especialmente aos keynesianos; afinal, na teoria keynesiana das recessões os "erros dos agentes" nem desempenham grande papel no mecanismo das crises; mesmo os tais preços demasiado altos que demoram a ser reduzidos nem chegam bem a ser "erros", mas simplesmente o resultado de tanto os nossos processos mentais como as decisões organizacionais não ocorreram a uma velocidade instantânea. De certa maneira, a visão keynesiana das recessões é uma espécie de "several rights make a wrong": uma carrada de agentes, todos eles tomando a melhor decisão possivel (dentro dos limites humanos à capacidade de tomar decisões perfeitas), e a combinação de decisões individualmente boas produzindo um mau resultado. Aliás, tanto nos anos 30 como agora, grande parte da polémica entre keynesianos e "anti-keynesianos" consiste nos "anti-keynesianos" a dizer que a crise foi provocada por erros, maus investimentos, trabalhadores especializando-se nos ramos errados, etc., enquanto os keynesianos dizem que é apenas um problema de procura agregada insuficiente

P.S. com "anti-keynesianos" estou, como é óbvio, apenas referindo-me aos críticos "pela direita" do keynesianismo; não estou incluindo marxistas,  "economistas radicais", etc.

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