Saturday, November 30, 2013

Re: Mais que um jogo

Há dias, o Vitor Cunha do Blafémias publicou um texto que, sinceramente, me pareceu um bocado bizarro (ao contrário das reflexões perfeitamente normais que eu costumo publicar aqui).

No clube de futebol local, a equipa de crianças dos 6 aos 9 anos apenas aparenta a idade fora de campo; quando delimitados pelo rectângulo tornam-se mártires voluntários por uma causa que não articulam. Transcendendo o frio, a dor, o cansaço e a sua própria incapacidade para perceberem o jogo, correm com o objectivo único da sublime visão de uma bola a entrar na baliza. Nestas idades é pouco importante a baliza onde o golo ocorre, desde que ocorra. É primário, instintivo, tão bélico como sexual – inerentemente masculino – completamente biológico, completamente individualista. O resultado da equipa é irrelevante: importante é que a criança vença o jogo, bastando para isso um golo mais que qualquer um dos outros, seja em que baliza for, seja de que equipa for. As crianças não querem saber do “bem comum”, não fazem ideia do que isso seja e não é claro o momento em que os adultos de uma dada geração os transformam para assimilarem a dialéctica de comunidade enquanto mantêm o primarismo biológico da individualidade.

O treinador – mister na adoptada nomenclatura anglo-saxónica – torna-se no absolutista de Hobbes, garantido o contrato social através do poder absoluto da punição pela recolha ao banco de suplentes. O resultado expande-se sem que o diferencial da satisfação pelo golo se dilate: golo é golo. No fim vencem todos, mesmo os derrotados, os que marcaram menos ou nenhum golo: venceram o objectivo (goal) de no próximo jogo transcenderem novamente a sinédoque da vida que os espera quando o estatismo os aglutinar.
 Não sei se se o Vitor Cunha queria chegar a alguma conclusão mais geral aqui ou se era uma simples comentário sobre o futebol infantil, mas de qualquer maneira, basta pensar num simples situação para todo o seu argumento deixar de fazer sentido - e se, em vez de um jogo de futebol no clube local, com um mister, estivermos a falar de um jogo autorganizado no recreio da escola (nos meus tempos de escola primária, costumava haver jogos de futebol durante o intervalo; imagino que ainda os haja)? Aliás, imagino que a maior parte das crianças da idade 6-9 passem muito mais tempo a jogar no recreio do que em clubes.

A própria existência de jogos infantis sem mister deita por terra a tese que é a sua autoridade que obriga as crianças a se sujeitarem ao "bem comum"; claro que há um contra-argumento - é que nos jogos autogestionários continua a haver um mister, um "mister colectivo" constituído pelo resto da equipa, com o seu equivalente a "ficar no banco" ("não jogas mais connosco"); mas o próprio facto de, nesses jogos, as crianças preferirem jogar com uns (normalmente os melhores) em vez de com outros (por regras os mais azelhas) demonstra que, mesmo para as crianças, a equipa é importante - afinal, se cada um se estivesse a lixar para o resultado da equipa e só quisesse marcar os "seus" golos, pouca diferença lhe faria que os seus colegas de equipa jogassem bem ou mal.

Agora uma nota pessoal - entre os 6 e os 9 anos, só me lembre de ter jogado futebol no recreio uma vez; a nossa brincadeira favorita era mesmo andar à pedrada (na primeira e na segunda classe, era a nossa turma contra a outra turma da primeira/segunda classe; na terceira/quarta classe era contra a turma da segunda/terceira - que, embora andassem um ano atrás, eram quase todos mais velhos que nós); mas a dinâmica colectiva de uma batalha de pedras é mais ou menos a mesma que a de um jogo de futebol, logo penso que a minha experiência de vida algo idiosincrática em nada põe em causa o que escrevi acima.

Para falar a verdade, até suspeito que as crianças no escalão 6-aos-9, se alguma coisa, até são mais dadas que o "público em geral" a desenvolverem lealdades a pequenos grupos (por alguma razão isto tem artigo na wikipedia). Mas se quisermos extrapolar daqui para uma reflexão mais geral sobre a natureza humana, suspeito que corremos o risco de chegar à conclusão que os humanos serão institivamente "tribais" e que tanto o individualismo como o colectivismo-universalismo serão algo contranatura (uma conclusão que talvez não agrade nem a esquerdistas nem a liberais...).

Monday, November 18, 2013

O RBI pode fazer baixar os salários? (II)

Na Rubra, Rivania Moura publica o artigo "Defendemos que as pessoas vivam com o mínimo possível?" (via Raquel Varela), em resposta ao meu post anterior sobre o RBI.

A respeito dos pontos 1, 2 e 5 (sobretudo do 2), parece-me que Rivania Moura está a argumentar que o RBI é pior para os interesses dos trabalhadores (e dos que gostariam de ser trabalhadores mas não conseguem...) do que outras politicas que poderiam ser seguidas. Mas o meu ponto é que, se tudo o resto for igual, o RBI fará subir (ou não minimo, não fará descer) os salários. Claro que se formos comparar um mundo com RBI e uma politica orçamental de austeridade e contração da economia com um mundo alternativo sem RBI com uma politica orçamental expansionista visando o pleno emprego, provavelmente os trabalhadores viverão melhor e os salários acabarão por ser mais altos no segundo do que no primeiro; mas acho que o que faz sentido é analisar os méritos de uma proposta politica comparando-a com o que aconteceria se essa proposta não fosse implementada, não tanto com o que aconteceria se, em vez dessa proposta, fosse implementada outra (ainda mais tratando-se de propostas que não são incompativeis entre si).

É verdade que, de certa forma, há um potencial conflito entre o RBI e outras politicas alternativas - o tempo dos militantes e ativistas de esquerda é um recurso limitado, e portanto cada minuto, post, manifestação, conferência, panfleto, etc., feita a defender o RBI poderá significar menos um feito a defender politicas melhores. Logo, por esse caminho, a defesa do RBI poderia levar a uma má situação para os trabalhadores (pelo efeito da "energia" gasta pelos ativistas pró-RBI deixar de ser utilizada na luta por causas mais vantajosas). Mas duvido que na prática esse efeito seja significativo.

A respeito do ponto 3, de que um subsidio pago por igual a todos não redistribui rendimentos - efetivamente, pode-se dizer que um subsidio igualitário por si só não redistribui rendimento; mas o dinheiro para esse subsídio tem de vir de algum lado. Tem sido propostas várias fontes de financiamento para um RBI, mas o mais provável é que este fosse financiado via impostos - basta esses impostos serem progressivos ou mesmo proporcionais para haver redistribuição (já que os que mais têm vão pagar mais para um bolo que depois vão ser dividido igualitariamente).

Finalmente vamos ao ponto 4, o mais relevante do meu ponto de vista:

O RBI fará baixar os salários todos, mesmo não sendo discriminatório como é o RSI (rendimento mínimo actual) ou o Bolsa família, ou o Cesta Básica da Argentina. Vejamos um exemplo. Imaginem que se fixava em Portugal o RBI a 200 euros. Ora, se existem trabalhadores a ganhar um salário de 500 euros e outros trabalhadores desempregados e sem salário, o rendimento acrescido de 200 euros fará que o primeiro passe a ter um rendimento de 700 euros enquanto o segundo terá de viver com 200 euros. Portanto, esse sistema continua a manter a concorrência entre os trabalhadores pelo emprego e continua a pressionar os salários para baixo.
De novo, não se paercebe qual o mecanismo pelo qual o RBI fará baixar os salários - Rivania Moura escreve (provavelmente com razão) que o RBI continua a manter a concorrência entre os trabalhadores; mas para o RBI fazer os salários baixar (ou seja, fazer com que sejam menores do que seriam se não houvesse RBI), não basta que a concorrência se mantenha; para o RBI originar uma baixa de salários, seria necessário que fizesse aumentar a concorrência entre os trabalhadores. Ora, não estou a ver porque a concorrência para ganhar 700 em vez de 200 há-de ser mais aguerrida do que a concorrência para ganhar 500 em vez de zero (será mais de esperar o contrário, porque 500 euros adicionais fazem mais diferença a quem não tem nada do que a quem já tem 200 euros).

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

O "elo mais fraco" da zona euro

A Holanda?

Sunday, November 17, 2013

"Bolhas"

Uma critica por vezes feita a Paul Krugman é à sua passagem em (em tom aparentemente irónico), em 2002, de que para fazer a economia sair do crise motivada pelo fim da bolha das dot-coms, o FED teria que criar uma bolha imobiliária.

Mas agora, pelos vistos, Krugman vem mesmo, de forma séria e supostamente "aprofundada", defender as bolhas como via para o crescimento:

2. An economy that needs bubbles?

We now know that the economic expansion of 2003-2007 was driven by a bubble. You can say the same about the latter part of the 90s expansion; and you can in fact say the same about the later years of the Reagan expansion, which was driven at that point by runaway thrift institutions and a large bubble in commercial real estate.

So you might be tempted to say that monetary policy has consistently been too loose. After all, haven’t low interest rates been encouraging repeated bubbles?

But as Larry emphasizes, there’s a big problem with the claim that monetary policy has been too loose: where’s the inflation? Where has the overheated economy been visible?

So how can you reconcile repeated bubbles with an economy showing no sign of inflationary pressures? Summers’s answer is that we may be an economy that needs bubbles just to achieve something near full employment – that in the absence of bubbles the economy has a negative natural rate of interest. And this hasn’t just been true since the 2008 financial crisis; it has arguably been true, although perhaps with increasing severity, since the 1980s.
 
Há primeira vista, custa-me a acreditar que possamos estar numa situação em que a taxa de juro de equilibrio entre a poupança e o investimento seja menor que zero: tal significaria que, mesmo sem receber juro nenhum, as pessoas estariam dispostas a poupar mais dinheiro do que as empresas estariam dispostas a pedir emprestado (mesmo sem pagar juros nenhuns). Tal só faria sentido numa economia em que a propensão à poupança fosse muito grande e quase não houvesse oportunidades de investimento lucrativo (nem uma coisa nem outra me parecem corresponder ao estado da economia mundial das últimas décadas).

Mas, se essa visão estiver correcta, isso não será mais ou menos aquilo a que outra escola do pensamento económico chamaria "o estádio final do capitalismo"?




Saturday, November 16, 2013

O RBI pode fazer baixar os salários?

A Raquel Varela deu uma entrevista à Dinheiro Vivo onde, entre outras criticas ao chamado "Rendimento Básico Incondicional" (termo que parece ter ganho a melhor sobre o meu "Rendimento Universal Garantido...), argumenta que este "ia de facto actuar como um RSI pressionando os salários de Todos para baixo".

Não me parece que isso (tanto a respeito do RBI, como mesmo do RSI) faça grande sentido - qual poderá ser o mecanismo que faria o RBI baixar os salários?

Em principio (assumindo as condições técnicas, como a produtividade, como um dado) o valor dos salários depende da facilidade ou dificuldade dos patrões em arranjarem trabalhadores: se for fácil contratar e se para cada empregado tiverem dois desempregados a pedir emprego, podem baixar os salários; se for difícil contratar e as vagas na empresa ficarem muitas vezes desertas, têm que subir os salários para atrair trabalhadores.

Assim, para o RBI fazer baixar os salários, teria que aumentar a quantidade de pessoas que andam à procura de emprego, e assim permitir aos patrões baixar os salários. Ora, há alguma razão para pensar que, com o RBI, houvesse mais gente a querer trabalhar e estar empregada? Creio que não - na verdade, um RBI permitiria a alguma pessoas manterem o seu atual padão de rendimento trabalhando menos (p.ex., se eu ganho 1373 euros trabalhando 35 horas por semana, e passasse a receber 100 euros de RBI, poderia passar a trabalhar apenas 32 horas e meia, passando a ganhar apenas 1275 euros de ordenado, e com mais os 100 euros continuava a ganhar o que ganhava antes*). Assim, com algumas pessoas a querer trabalhar menos, o efeito disso sobre os salários seria para fazer subir, não para os fazer baixar.

O que admito que provavelmente faria baixar os salários seria algo parecido ao EITC norte-americano, em que o estado subsidia os trabalhadores com baixos salários, mas não quem não tenha salário. Ai sim, os trabalhadores têm mais incentivo para aceitar empregos, porque aí a diferença entre aceitar ou não o emprego corresponde não apenas ao salário mas ao salário mais o subsidio.

Para explicar melhor o meu raciocinio, vamos comparar quatro situações, em que é proposto a um trabalhador um emprego a ganhar 500 euros (em 3 delas há um subsidio estatal de 100).

Sem subsidios nenhuns:

Se o trabalhador aceitar o emprego: ganha 500 euros
Se recusar: ganha 0 euros

Com subsidios estilo RSI

Se aceitar: ganha 500 euros (ordenado)
Se recusar: ganha 100 euros (subsidio)

Com subsidios estilo RBI:

Se aceitar: ganha 500 euros (ordenado) + 100 euros (subsidio)
Se recusar: ganha 100 euros (subsidio)

Com subsidios estilo EITC:

Se aceitar: ganha 500 euros (ordenado) + 100 euros (subsidio)
Se recusar: ganha 0 euros

A mim parece-me que a situação em que o trabalhador tem mais a perder se recusar um emprego é o modelo EITC, depois o modelo sem subsidio, depois o modelo RBI e finalmente o modelo RSI. Assim, creio que podemos concluir que tanto o RBI como o RSI diminuem a pressão para os trabalhadores arranjarem emprego, contribuindo para alterar a relação de forças entre o trabalho e o capital de forma relativamente mais favorável ao primeiro.

*Isto é um simplificação, já que, no mundo real, o trabalhador normalmente não decide a quantidade de horas que vai trabalhar - é-lhe apresentada uma proposta "pegar ou largar" de "ou aceitas trabalhar X horas ou nada feito". Mas há montes de situações em que o trabalhador pode escolher, em certo ponto, a quantidade de horas de trabalho (a opção entre arranjar ou não um segundo emprego, a opção por fazer horas extraordinárias, ou mesmo as situações em que o trabalhador pode optar por trabalhar a tempo inteiro ou em part-time), o que, no agregado, levará a que um RBI reduza a oferta global de trabalho (atenção que com "oferta de trabalho" refiro-me a "trabalhadores oferencedo-se para vender a sua força de trabalho", embora na linguagem coloquial "oferta de trabalho" seja frequentemente usado ao contrário)

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Thursday, November 14, 2013

O ensino público e o privado

O Rui Fonseca interroga-se porque razão o ensino superior (onde o ensino público tem melhor fama que o privado) parece funcionar ao contrário do básico e secundário (onde é o privado que tem melhor fama).

Uma primeira explicação poderá residir no facto do ensino superior público selecionar os seus alunos (o que o torna qualitativamente diferente do básico e secundário, abertos a todos).

No entanto, há outro factor que talvez possa contar - seria útil, quando se fala de "ensino privado", distinguir entre duas coisas diferentes: escolas privadas que, direta ou indiretamente, pertencem a pessoas, e que em principio têm por fim o lucro; e escolas privadas que pertencem a instituições, e que provavelmente visam outros fins que não o lucro (o exemplo mais típico será o das escolas ligadas à Igreja, mas talvez haja mais casos).

Tal como o Rui nota, a Católica é uma exeção à regra da má imagem das universidades privadas, e tal não parece ser uma raridade portuguesa: p.ex., pelo que costumo ler em sites norte-americanos a "hierarquia do prestigio" das universidades norte-americanas parece-me ser, essencialmente, em primeiro lugar as universidades privadas "sem dono" (Harvard, Yale, etc., que estão organizadas sob a forma de fundações perpétuas, sendo a sua direção escolhida por um misto de representantes dos professores, dos antigos alunos e/ou de "figuras de prestígio" cooptadas - um exemplo); em segundo lugar, as universidades públicas (com as "state universities" talvez melhor vistas que os "community colleges"); e, em último, sendo frequentemente apontadas como "fábricas de diplomas", as chamadas "for-profits", as universidades privadas "como dono".

Seria interessante se alguém pegasse nos tais rankings e fizesse um estudo tripartido, distinguindo a classificação do ensino privado "com" e "sem dono".

Alguns números sobre a Irlanda

Déficit público...7,3% do PIB

Dívida púlica.....124% do PIB

Crescimento económico em 2013....0-0,5%

Para falar a verdade, os "fundamentais" não me parecem muito melhores que os portugueses (o que pode ter duas leituras - ou a Irlanda não está assim tão boa, ou Portugal não está assim tão mal).

Saturday, November 09, 2013

As "minhas" escolas no ranking

Segundo o Expresso:

Escola Ranking Geral Média 2013 N.º Provas %ASE Exame
Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes 235/
619
9.61/20 521 37.7 11º/12º
Escola Secundária Poeta António Aleixo 248/
619
9.54/20 735 28.8
Escola Básica D. Martinho Castelo Branco 626/
1148
2.68/5 287 44.7
Escola Básica do 1º Ciclo com Jardim de Infância de Mexilhoeira da Carregação 3763/
4621
2.41/5 56 41.8
Escola Básica do 1º Ciclo com Jardim de Infância Major David Neto 1424/
4621
2.97/5 272 42.9

Observações:

- Em rigor, eu andei na ESPAA do 7º ao 9º, logo deveria ter ido ver a "classificação" pelos resultados do 9º ano; mas como a ESPAA agora é só do 10º ao 12º...

- Ao contrário do costume, a "Escola" (ESMTG) ficou à frente do "Liceu" (ESPAA)

- O que me surpreendeu foi a percentagem de alunos cobertos pela Ação Social Escolar na Mexilhoeira da Carregação, na Major David Neto e na Martinho Castelo Branco: no meu tempo a Mexilhoeira da Carregação era uma zona extremamente desfavorecida, com uma escola largamente frequentada por filhos de operários, enquanto a Major David Neto e a Martinho Castelo Branco (então chamada simplesmente de "Ciclo") eram escolas "normais", com uma proporção de "pobres", "ricos" e "remediados" que provavelmente reflectia a na população em geral. Pelos vistos agora a Mexilhoeira da Carregação até terá menos alunos pobres do que as outras duas (embora a diferença provavelmente não seja significativa). Possivelmente a transformação, nas últimas décadas, da Mexlhoeira da Carregação num dormitório de Portimão fez com que a sua população se tornasse socialmente similar à da cidade.

Wednesday, November 06, 2013

Tuesday, November 05, 2013

Anarchy