Tuesday, November 30, 2010

O que é que afinal diz o relatório do Banco de Portugal?

A TVI diz que o BP diz que os bancos portugueses estão bem. A Business Insider diz que o BP diz que os bancos portugueses estão mal.  Se alguém quiser pesquisar o relatório para chegar a alguma conclusão, está aqui (eu ainda tentei, mas desisti quando vi as centenas de páginas).

Eric Cantona e a Banca de Reservas Fraccionarias

(Banca de Reservas Fraccionarias é um termo que caracteriza o actual sistema monetário e bancário que permite que os depósitos à ordem sejam utilizados pelos bancos nas suas operações, colocando assim em risco a moeda depositada, e que ao mesmo tempo concede a capacidade dos bancos de conceder crédito fabricando do nada novos depósitos à ordem em vez de mobilizar depósitos já existentes - o que, segundo a teoria austríaca dos ciclos económicos, provoca as bolhas seguida das inevitáveis crises). Esta entrevista contém uma certa perspectiva de esquerda

Entrevista a Juan Torres López sobre la iniciativa de Eric Cantona

El conocido futbolista Eric Cantona ha convocado en Francia un movimiento popular para retirar el dinero de los bancos el próximo día 7 de diciembre (www.bankrun2010). Para conocer los posibles efectos de esta iniciativa entrevistamos a Juan Torres López, Catedrático de Economía, miembro del Comité Científico de ATTAC España y autor de los libros Desiguales. Mujeres y hombres en la crisis financiera (Icaria), con Lina Gálvez, y La crisis de las hipotecas basura. ¿Por qué se cayó todo y no se ha hundido nada? (Sequitur) con la colaboración de Alberto Garzón.

- ¿Qué efectos tendría una medida como esta que propone Cantona?

- Lógicamente depende de su seguimiento. Si se hiciera masivamente, los bancos no tendrían liquidez suficiente para devolver los depósitos a sus clientes porque la banca occidental opera con un sistema llamado de reservas fraccionarias. Esto significa que de todo el dinero que ingresa un cliente sólo conserva una pequeña parte (actualmente un 2% más algunos porcentajes adicionales dependiendo de la regulación de cada país). El resto lo usa para dar créditos. Por tanto, el dinero de los depósitos "no está" en el banco sino sólo en forma de anotaciones, así que en su totalidad no se podría retirar.

- ¿Eso quiere decir que los bancos no "conservan" el dinero de sus clientes sino que lo usan para crear más dinero?

- Efectivamente. El negocio de la banca es ese: crear medios de pago mediante la generación de deuda. Cada vez que dan un crédito con esa parte del depósito que no reservan crean dinero. No dinero legal (monedas y billetes) sino dinero bancario.


Juan Torres López es Catedrático de Economía Aplicada de la Universidad de Sevilla.www.juantorreslopez.com

Alberto Montero Soler (amontero@uma.es) es profesor de Economía Aplicada de la Universidad de Málaga y puedes leer otros textos suyos en su blog La Otra Economía.

Leslie Nielsen (1926-2010)








O lado mais disparatado do cinema/televisão dos anos 80 (ao ponto de algumas pessoas dizerem "os filmes com este homem são sempre uma anormalidade")? Sim, sem dúvida. Mas ao menos a ideia era mesmo essa.

Sunday, November 28, 2010

O traficante de droga - "inimigo universal"?

Uma coisa curiosa é que, nas "guerras" entre policias e traficantes, como agora no Brasil (ou no México) não se vê ninguém (ou quase) a tomar o lado dos traficantes.

Afinal, grande parte da opinião publica e da opinião publicada é a favor da legalização das drogas, logo deveriam considerar os traficantes de droga como simples comerciantes que só usam a violência em auto-defesa contra a violência do Estado (ok, também há as guerras ente cartéis); mas não é isso que se passa - pelo contrário, muitos anti-proibicionistas até gostam de vestir os seus argumentos com um capa anti-traficantes ("com a legalização desapareciam os lucros dos traficantes").

Também muitas pessoas que até tendem a ser relativamente tolerantes com o pequeno crime (estilo "temos que ver a miséria em que essas pessoas vivem") já não o são com os traficantes, mesmo que estes muitas vezes contribuam para obras de caridade nos bairros onde vivem e que o tráfico de droga seja muito menos prejudicial a terceiros inocentes que um assalto de rua (o tráfico de droga só prejudica quem quer ser prejudicado).

Um possivel argumento (pelo menos para um anti-capitalista) para ser contra os traficantes é eles serem uma espécie de capitalistas, mas atendendo a que vivemos numa sociedade capitalista, isso não os faz pior que qualquer outro capitalista, logo não é razão para uma animosidade específica contra os traficantes.

Duas leituras recomendadas (como de costume, eu recomendar um texto não quer dizer necessariamente que concorde com ele):

- The Drug Pusher [pdf], por Walter Block (em Defending the Undefendable)

- Da essência e legitimidade do lucro no negócio do aborto clandestino, por Tiago Mendes (penso que grande parte do raciocínio pode se aplicar ao tráfico de droga)

A crise irlandesa vista por robôs



[O eu postar este video não significa uma concordância total com tudo o que o robô vermelho diz].

Friday, November 26, 2010

9 anos e 50 dias

27 de Dezembro de 1979 - 15 de Fevereiro de 1989 - intervenção soviética no Afeganistão

7 de Outubro de 2001 - .... - intervenção da NATO no Afeganistão

Thursday, November 25, 2010

Factores que afectam a criatividade

How College Kills Creativity; Nothing Succeeds Like Failure, por Evan Goldstein, na Chronicle of Higher Education:

Jean-Paul Sartre said that the greatest gift a father can give his son is to die early. Sartre's remark, though harsh, isn't implausible. In a new book, Sudden Genius: The Gradual Path to Creative Breakthroughs (Oxford University Press), Andrew Robinson notes that a remarkable number of super-high achievers suffered the death of a parent at a young age. He cites a 1978 study of almost 700 historical figures that found that 25 percent of them—including J.S. Bach, Dante, Michelangelo, Leo Tolstoy, and Richard Wagner—lost at least one parent before the age of 10.

Robinson entertains the possibility of a correlation between tragedy and extreme creativity. Some psychologists believe that trauma can lead a child to turn inward and cultivate a taste for solitude. "The ability to be alone is critical," says Robinson, a former literary editor of the Times Higher Education Supplement, in an interview, noting that Mozart, who had an active social life, nonetheless withdrew for long stretches to focus on his work. "You don't write The Marriage of Figaro in six weeks if you go out and get drunk every night." Even in the sciences, where collaboration is common, Robinson says, major breakthroughs have been spearheaded by figures—Galileo, Newton, Darwin, and Einstein—with pronounced solitary streaks.

What are we to make of all of this? Not much, apparently. The notion that genius is nurtured by childhood adversity "is a tempting one," Robinson writes, but it crumbles under careful scrutiny. For every figure that fits the bill (Joseph Conrad was a bookish, withdrawn child whose parents died before he turned 12), another genius bucks the pattern (Henri Cartier-Bresson clashed with his wealthy parents, but they were supportive—and alive).

(...)

If the sources of genius remain something of a riddle, Robinson is emphatic about what does not contribute to creative excellence: higher education. The academy's emphasis on specialization and its "inherent tendency to ignore or reject highly original work that does not fit the existing paradigm" is an impediment to creativity, Robinson argues. He points to several intriguing studies. One, by Dean Keith Simonton, a professor of psychology at the University of California at Davis, suggests that creativity flourishes best among those with the equivalent of two years of an undergraduate education—no less, no more. Mihaly Csikszentmihalyi, a professor of psychology at Claremont Graduate University, has also looked at the relationship between education and innovation. In his 1996 book, Creativity: Flow and the Psychology of Discovery and Invention, he argued that formal education has historically had little effect on the lives of creative people. "If anything," Csikszentmihalyi wrote, "school threatened to extinguish the interest and curiosity that the child had discovered outside its walls."
[Via Marginal Revolution]

Dá-me a ideia que isto refuta esta minha hipótes (ou talvez não - de acordo com um dos estudos, só acima do bacharelato é que a educação tem efeitos negativos) mas em compensação confirma esta (é a vantagem de escrever posts com teorias contraditórias).

O papel positivo da Mafia?

7 Ways the Mafia Made the U.S. a Better Place: 'Renegade History, por Thaddeus Russell:

Imagine an America without jazz. Imagine an America in which alcohol is still illegal. Imagine an America without Broadway, Las Vegas, or Hollywood. Imagine an America with no racial integration or freedom to be gay in public. In my new book, A Renegade History of the United States, I show that all you have to do is imagine American history without organized crime ... Here are 7 ways that gangsters made America a better place:
[Via LewRockwell.com]

"Bloco de Esquerda" irlandês

Left-wing groups unite to fight poll (Irish Times):

Independent Socialist MEP Joe Higgins will attempt to reclaim his Dublin West seat in the next general election, he announced today.


Richard Boyd-Barrett, a councillor for People Before Profit Alliance, and former Tipperary South TD Seamus Healy, will also contest the election under a new United Left Alliance.

The new grouping expects to field some 20 candidates. Dublin councillors Clare Daly and Joan Collins are also involved.

Mr Higgins said the Socialist Party, the People Before Profit Alliance and the Tipperary-based Workers and Unemployed Action Group had come together to provide a “left alternative to the establishment parties”.

Sinn Féin was accused of being prepared to “prop up” Fianna Fáil, Fine Gael and Labour in a coalition government, at the launch in a Dublin city centre hotel this morning. (...)

Mr Boyd-Barrett said it was time for people to take to the streets in protest and called for high participation in Saturday’s march. “We all need to get behind it and send the strongest possible message to this rotten government: get out now.”
Por outro lado, as sondagens parecem indicar um grande aumento da votação e representação do Sinn Féin, que provavelmente elegerá um deputado numas eleições intercalares hoje.
Ou seja, parecem estar a desenhar-se na Irlanda duas potenciais "alternativas de esquerda" - a esquerda radical clássica da United Left Alliance (que penso poder se considerada como parecido com o "nosso" BE) e a esquerda nacionalista do Sinn Féin.

O Estado sempre existiu?

Rui Albuquerque escreve que «O governo, os tribunais, os parlamentos ou câmaras representativas, em suma, a dinâmica do poder e a sua organização, chamemos-lhe o "estado" ou o "princípio governativo", existem desde sempre, em qualquer local onde encontremos sociedades humanas».

Ele já havia feito essa afirmação em tempos, assim volto a repetir o que escrevi na altura:

Ora sociedades sem estado já houve muitas: p.ex., indo ao post anterior, temos outra vez as sociedades melanésias descritas por Marshall Sahlins; ou os Nuer do Sudão; Bruce Benson também dá alguns exemplos neste seu paper [pdf], etc.

RA poderá argumentar que os "big man" melanésios, as "linhagens" nuer, etc. são o equivalente a "Estados", ainda que de tipo peculiar (já que não há a figura de uma poder central com o monopólio da autoridade suprema sob um dado território). Talvez.

Mas assim, as agencias de protecção numa sociedade anarco-capitalista (ou talvez o conjunto das agências de protecção), ou, já agora, uma confedaração voluntária de colectivos de trabalhadores anarco-sindicalistas também serão "Estados". E até podemos concluir que afinal já há o "Estado mundial" - de certa forma, o conjunto das instituições internacionais, alianças militares e diplomáticas, equilibrios de força entre as potências, etc. realmente configura uma espécie de sistema politico internacional que, pelo mesmo critério, será também uma espécie de "Estado".

Ou seja, se adoptarmos essa definição de "Estado", isso em nada altera os termos da discussão entre "anarquistas" e "arquistas" - afinal, se dizemos que o "Estado" sempre existiu e faz parte da natureza humana, e depois adoptamos uma definição de "Estado" que inclui grande parte dos modelos politicos propostos pelos chamados "anarquistas", então a possibilidade da realização no mundo real dos (ou de alguns dos) modelos-propostos-pelos-anarquistas não foi refutada.

(...)

E, assim, em vez de se discutir se é possível uma sociedade sem Estado, passaríamos a discutir se é possível uma sociedade com um Estado sem uma autoridade suprema que reivindique o monopólio em ultima instância do uso da força. Mas não vejo qual a utilidade dessa mudança de terminologia, além de passarmos a ter que usar frases muito mais compridas e termos que reescrever a maior parte dos livros de filosofia politica, história e antropologia escritos nos últimos 200 anos.

Continuando a conversa - 25/11 - III

Continuando a responder ao Rui Botelho Rodrigues:

3. Teoria comunal e teoria free-for-all

(...)

A aplicação ao free-for-all é talvez ainda mais indefensável, porque é um «cheque em branco» a toda a agressão. Se não existe distinção entre a justa propriedade sobre cada corpo, isto significa, como o Miguel disse, que todos têm o direito de agredir contra não-agressores. Ora, se argumentar pressupõe o princípio da não-agressão, esta teoria é completamente injustificável – na verdade, a única forma de a justificar seria pela agressão contínua. Mais: nenhum contrato de não-agressão é legítimo, visto que um contrato pode apenas regular a propriedade e a posse de cada indivíduo. Se tais conceitos são inexistentes numa sociedade free-for-all, a quebra de um desses contratos resulta no mesmo cenário de agressão total. Além disso, visto que a utilidade de definir limites à propriedade justa dos indivíduos é evitar conflitos, esta teoria falha completamente em termos utilitários (além de em termos morais) porque em vez de evitar conflitos fomenta-os.

Mantenho o que escrevo - a teoria do "free-for-all" pode ser um "cheque em branco" à agressão, mas também é um "cheque em branco" à auto-defesa. Mas como para a maior parte das pessoas a vantagem de não ser agredido provavelmente ultrapassa as vantagens de agredir, é expectável que estabeleçam  (explicita ou tacitamente) acordos entre si em que se comprometem a não-agredir em troca de não serem agredidos.

O RBR diz que esses contratos não são legítimos, mas e daí? Se o João e o Aníbal se comprometem mutuamente a não se agredirem um ao outro, o que é que significa exactamente dizer que esse contrato "não é legitimo"? Que não há nenhuma força exterior que possa fazer cumprir o contrato caso um deles agrida o outro? Mas há - a partir do momento em que o João agride o Aníbal, isso quer dizer que o João não cumpre os acordos de não-agressão que estabelece, e a partir daí está sujeito a ser agredido, tanto pelo Aníbal (se este ainda estiver vivo...), como mesmo pelas outras pessoas (afinal, a razão dos indivíduos para não se agredirem seria não serem agredidos; a partir do momento em que o João mostrou que é capaz de agredir outros mesmo sem ter sido vítima de uma agressão prévia, isso quer dizer que os outros já não tem nenhuma razão específica para não agredirem o João).

E, já agora, porque é que argumentar pressupõe o principio da não-agressão? O eu estar a ser agredido (ou a agredir) não me impede de argumentar - veja-se os casos de sequestros políticos em que sequestrador e sequestrado passam o tempo (enquanto não vem o ou "resgate" ou a ordem de execução) a discutirem a suas respectivas posições (num contexto de agressão).

Continuando a conversa - 25/11 - II

Continuando a responder ao Rui Botelho Rodrigues:

2. Teoria Georgista.

«Parece-me que, à partida, a teoria georgista é tão compatível com cada pessoa possuir 1/6.800.000.000 de cada corpo como com cada pessoa possuir 100% de apenas um corpo.»

Se o objectivo do exercício presente é aplicar estas várias teorias sobre terra ou propriedade produtiva à propriedade sobre o próprio corpo, temos de lembrar que Henry George diz muito claramente que toda a terra devia ser propriedade colectiva, não que a terra deveria ser distribuída igualmente entre todos os indivíduos num determinado território. Assim, a única saída é a partilha colectiva de todos os corpos. O que é impossível de defender argumentativamente sem contradição performativa.
Aqui possivelmente o Rui terá razão, já que o meu conhecimento do georgismo não é em primeira mão, mas através de autores que privilegiam a variante "toda a gente tem igual direito aos recursos naturais" à variante "os recursos naturais pertencem à colectividade".

No entanto, esta critica de Henry George a Herbert Spencer parece indicar que mesmo George considerava o acesso à terra como um "direito igual de cada individuo" e não como um "direito da colectividade":
The fact is, that without noticing the change, Mr. Spencer has dropped the idea of equal rights to land, and taken up in its stead a different idea -- that of joint rights to land. That there is a difference may be seen at once. For joint rights may be and often are unequal rights.
The matter is an important one, as it is the source of a great deal of popular confusion. Let me, therefore, explain it fully.

When men have equal rights to a thing, as for instance, to the rooms and appurtenances of a club of which they are members, each has a right to use all or any part of the thing that no other one of them is using. It is only where there is use or some indication of use by one of the others that even politeness dictates such a phrase as "Allow me!" or "If you please!"

But where men have joint rights to a thing, as for instance, to a sum of money held to their joint credit, then the consent of all the others is required for the use of the thing or of any part of it, by any one of them.
Now, the rights of men to the use of land are not joint rights: they are equal rights.

Were there only one man on earth, he would have a right to the use of the whole earth or any part of the earth.

When there is more than one man on earth, the right to the use of land that any one of them would have, were he alone, is not abrogated: it is only limited. The right of each to the use of land is still a direct, original right, which he holds of himself, and not by the gift or consent of the others; but it has become limited by the similar rights of the others, and is therefore an equal right. His right to use the earth still continues; but it has become, by reason of this limitation, not an absolute right to use any part of the earth, but (1) an absolute right to use any part of the earth as to which his use does not conflict with the equal rights of others (i.e., which no one else wants to use at the same time), and (2) a coequal right to the use of any part of the earth which he and others may want to use at the same time.

It is, thus, only where two or more men want to use the same land at the same time that equal rights to the use of land come in conflict, and the adjustment of society becomes necessary.
Mas de qualquer maneira, mesmo que o meu raciocinio não se aplique à "teoria georgista", continua a aplicar-se ao que poderiamos chamar a "teoria georgista modificada", isto é, à tal teoria (chamemos-lhe o que quisermos - "neo-georgismo", p.ex.) que acha que toda a gente tem igual direito ao usufruto dos recursos naturais.

Continuando a conversa - 25/11 - I

[Respondendo ao Rui Botelho Rodrigues, com quase seis meses de atraso]

O Miguel diz-nos que «segundo [a teoria Proudhom/Tucker/Carson] os recursos naturais devem ser propriedade (ou um nome parecido) de quem os "ocupa e usa" actualmente (em vez de do ocupante original ou a quem este tenha transferido a propriedade) - a regra de "a terra a quem a trabalha, a mina aos mineiros". Aplicando este raciocínio à propriedade de si mesmo, significaria que eu apenas poderia possuir o meu corpo enquanto eu habitasse o meu corpo, e que a propriedade absentista de corpos alheios seria considerada não-válida»; a mim parece-me que mesmo a dormir a mulher em questão está a "ocupar" o seu corpo (tal como, quando daqui a uns minutos eu for dormir, vou continuar a ocupar a minha casa).»

Como o Miguel bem escreveu, a teoria mutualista fala em «ocupação e uso», sendo ambos formas de acção. E como Mises nos lembra no primeiro parágrafo, da primeira página, do primeiro capítulo, da primeira parte da sua magnum opus «Human action is purposeful behavior. (...)»

Todas as formas de acção são, por definição, conscientes. Ou seja: o «actor» utiliza racionalmente meios para atingir fins determinados pelo uso da Razão, algo totalmente alheio à actividade inconsciente, como por exemplo, o sono. Se é verdade que existe o acto ou a decisão de «dormir», ou seja, a escolha consciente, racional e voluntária de descansar o corpo e a mente, uma vez adormecido o ser humano não está mais na posse total da sua Razão ou do seu corpo: está no domínio do inconsciente, ou seja, da não-acção. Mais importante: o próprio acto ou decisão de dormir inclui o conhecimento de que, durante o sono, existe uma suspensão da Razão e da Acção.

A teoria mutualista, que fundamentalmente confunde (ou aliás, funde) os dois conceitos de «propriedade» e «posse», fala, como o Miguel bem referiu, em ocupação e uso, não apenas em ocupação. Se é certo que é impossível conceber a ocupação total de um corpo humano por outro ser humano, é perfeitamente possível conceber o «uso» de um corpo humano por outro ser humano. Transportado para o exemplo, isto quer dizer que o corpo da pessoa adormecida (e logo, inconsciente e incapaz de «usar o próprio corpo») pode ser usado legitimamente (por exemplo mutilado, violado, morto) por um «usuário» necessariamente consciente e capaz de acção. Tal como um apropriador original de um pedaço de terra decide não habitar ou não usar a sua terra (e segundo a teoria mutualista, perde o direito a esse pedaço de terra para os próximos indivíduos a usar a terra), também um indivíduo que decide pôr o seu corpo em descanso – ou seja: abster-se de usar o próprio corpo – está, segundo os mutualistas, a declarar o seu corpo «sem dono» e a legitimar o uso do próprio corpo por terceiros. Mais do que isso, o primeiro usuário do corpo da pessoa adormecida obterá o direito de excluir a pessoa adormecida do uso do seu próprio corpo, já que a regra da «não-agressão contra justos proprietários» mantém-se no mutualismo. O que muda é a noção de «justiça».

(...)

PS: O facto de o Miguel achar que quando vai dormir a sua casa não fica «desocupada e sem uso» (excluindo talvez a cama) segundo a perspectiva mutualista, quer apenas dizer que o Miguel, como a maior parte dos mutualistas e fellow-travellers, não testa as suas convicções até aos seus limites lógicos.

Porque razão os mutualistas e afins hão de ter que adoptar a definição "miseana" de "uso"? E, ao admitir que quando eu durmo talvez se possa considerar que a cama está "em uso", RBR acaba por aceitar que eu não preciso de estar consciente para estar a usar alguma coisa; bem, talvez o que o RBR queira dizer seja algo como "para mim, a cama não está em uso de maneira nenhuma; mas no máximo ainda poderia admitir que o MM achasse - dentro dos pressupostos absurdos que ele parece defender - que a cama está em uso", mas mesmo que seja assim, não nos esquecemos que a tese do Hoppe é que o acto de defender um sistema de direitos de propriedade diferente do que ele defende é logicamente incoerente. Ora, acreditar que:

a) os direitos de propriedade (ou, pelo menos, os direitos de propriedade sobre recursos naturais) só são legítimos se o proprietários usar/ocupar pessoalmente a propriedade em questão

b) dormir ou mesmo estar em coma é um forma de uso

c) logo, eu sou o proprietário inaliénavel do meu corpo físico (logo posso usá-lo como bem quer e me apetece, p.ex., como instrumento para propagandear as minhas ideias)

até poderá ser estúpido, mas é logicamente coerente - a conclusão c) deriva sem falhas das premissas a) e b).

Já agora, , diga-se que grande parte dos mutualistas só aplica essa regra a recursos naturais, logo o que estaria em causa não seria a propriedade da cama, mas sim do terreno sobre qual a cama assenta.

Mas convém notar que me parece haver diferença importante de natureza entre a teoria Rothbard/Hoppe da propriedade e a teoria Proudhon/Tucker da propriedade: creio que a teoria R/H vê a regra "um recurso natural pertence ao primeiro que o utilizar, ou a quem esta, directa ou indirectamente, a transfira" como a encarnação do "direito natural"; pelo contrário, a teoria P/T vê a regra "um recurso natural pertence a que o utilizar/ocupar" não tanto como o "direito natural" mas simplesmente como um expediente prático para fazer cumprir a regra "cada um tem direito ao fruto do seu trabalho e ninguém tem o direito de se apossar do fruto do trabalho de outro". No fundo, o raciocínio é que, se eu cultivo batatas num terreno, eu tenho que ser "dono" desse terreno como forma de garantir a minha propriedade sobre as batatas; pelo contrário, se eu possuo um terreno, outra pessoa cultiva lá batatas e eu uso o meu direito de propriedade para lhe exigir uma renda, o direito da outra pessoa ao produto do seu trabalho está a ser violado (afinal, as batas são o fruto apenas do trabalho dele; o terreno também foi necessário, mas existiria de qualquer maneira mesmo que eu não existisse).

[Aliás, dá-me a ideia que a teoria lockeana da propriedade, se nas suas conclusões é parecida com a R/H, nos seus pressupostos filosóficos é semelhante à P/T]

Wednesday, November 24, 2010

A minha nova vizinha







[Atendendo a que ela foi construir a sua casa mesmo no meio do caminho, suspeito que, na melhor das hipóteses, em breve ficará sem-abrigo]

O ouro, os bancos e a esquerda contra a financeirização

Um aspecto que deve ser apreciado na velha ordem, é que no padrão-ouro, os preços tinham uma tendência para descer de forma estável (o aumento da produtividade e crescimento económico é isso mesmo, uma descida de preços reais, só ofuscada pelo inflacionismo), isso permitia a poupança pela população de forma completamente independente dos bancos e do sistema financeiro (e, diria eu, do regime político).


As pessoas, principalmente as menos dadas a investimentos mais complexos e com risco, poupavam acumulando moeda física (também existia uma desconfiança saudável com os bancos e os depósitos). A independência de mercados financeiros e sistema bancário estava assim assegurada.

O outro aspecto da "financeirização" é, claro está, a capacidade do sistema bancário conceder crédito produzindo moeda em vez de ter de convencer poupança monetária prévia a ser mobilizada a troco de um juro. Essa capacidade está na origem complexo banca-indústria-poder-político. A expansão de crédito beneficia os primeiros receptores das novas quantidades de moeda, cuja despesa na economia é efectuada antes que esta antecipe subidas de preços (inicialmente de activos reais e financeiros produzindo a bolha, e só mais tarde com alguma relevância nos preços no consumidor). É este "complexo" que, quando a inevitável crise aparece, depois é protegido pelos bancos centrais e regime (pela emissão de mais moeda e colocando as taxas de juro a perto de zero).

A poupança monetária é sempre prejudicada. As pessoas que menos tiraram partido do sistema de expansão de crédito enquanto outras beneficiavam da bolha, deveriam ser as que depois, num movimento de queda de preços e falências, poderiam ver a sua poupança aplicada quer em activos desvalorizados, quer em crédito a juros reais elevados. Seria a vingança contra os especuladores com crédito fácil.

Num movimento de deflação maligna (resultado de uma crise económica e bancária) existiria uma redistribuição de propriedade dos mais alavancados-especuladores para os mais sóbrios e não-financeirizados. Uma espécie de revolução natural (resultado da pura aplicação de direitos de propriedade e contratos a favor dos mais sóbrios e como disse, menos "financeirizados").

Mas não. Quando a crise aparece, é emitida toda a moeda e os juros fixados ao mais baixo nível possível para ajudar os tais especuladores que mais recorreram ao crédito fácil (a expressão "crédito fácil" faz sentido no contexto em que ele pode ter lugar sem mobilização de poupança monetária prévia e assim sendo, a taxas de juro artificialmente baixas).

Tuesday, November 23, 2010

Revolution (2)

...entretanto, #bankrun já é assunto e hashtag no twitter.

Revolution: Bank Run 2010: Starve the Beast

via faustiesblog.blogspot.com

Since Karen Tostado began her civil disobedience (via withdrawal of custom) campaign, people have begun to realise that we are in this global mess because of bankers and politicos, that our voices don't count, and that the best way to rid the world of their unholy, undemocratic system is to Starve the Beast, thus:

- stop buying from corporations;
- remove your funds from global financial institutions;
- pay cash, wherever possible;
- stop using credit cards and pay down debt;

The new Bank Run 2010 campaign, inspired by Eric Cantona, has just shot this important cause into the mainstream, where it should spread quickly.

Here it is:



PS: Murray N Rothbard deve estar a rir-se, afinal a revolução ainda acontece na Europa.

dominó = federalismo

Euro = risco país + risco bancário -> depósitos saem para risco país e bancário mais seguro = sector bancário e estado desse país insolvente -> bailout -> próximo?

Conclusão: não tarda nada os federalistas aparecem como salvadores a propor que as dívidas nacionais (pelo menos em parte) se tornem federais da UE, passando depois as adicionais a equivaler-se a dívidas estaduais.

Re: O que o Papa efectivamente disse sobre os preservativos

...e ainda que a moral não funcione, o próprio deveria ter receio por potencial responsabilidade civil e penal.

Monday, November 22, 2010

O que o Papa efectivamente disse sobre os preservativos

"There may be a basis in the case of some individuals, as perhaps when a male prostitute uses a condom, where this can be a first step in the direction of a moralization, a first assumption of responsibility"

Efeitos do colonialismo

How helpful was British colonialism?, no blog da Foreigb Policy:

[A] new study by Lakshmi Iyer of the Harvard Business School casts some doubt on whether British governing institutions really has a postivie economic impact in the long run. Here's the abstract:
This paper compares economic outcomes across areas in India that were under direct British colonial rule with areas that were under indirect colonial rule. Controlling for selective annexation using a specific policy rule, I find that areas that experienced direct rule have significantly lower levels of access to schools, health centers, and roads in the postcolonial period. I find evidence that the quality of governance in the colonial period has a significant and persistent effect on postcolonial outcomes.
The finding is particularly interesting given that Iyer also shows that the areas directly annexed by the British tended be those with higher agricultural productivity. Despite their potential, these areas "did not invest as much as native states in physical and human capital."(...)

Iyer's paper provides an interesting companion to another recent study by Alexander Lee and Kenneth Schultz of Stanford, which compared economic outcomes of formerly British and formerly French districts of Cameroon:
[W]e focus on the West African nation of Cameroon, which includes regions colonized by both Britain and France. Taking advantage of the artificial nature of the former colonial boundary, we use it as a discontinuity within a national demographic survey. We show that rural areas on the British side of the discontinuity have higher levels of wealth and local public provision of improved water sources. Results for urban areas and centrally-provided public goods show no such effect, suggesting that post-independence policies also play a role in shaping outcomes. 
Taken together, the moral of these studies could be that colonalism isn't great for a country's future political and economic wellbeing, but if a country is going to be colonized, they're better off with the British than the French.
[Via Marginal Revolution]

Irlanda - governo à beira da queda? (II)

The Irish Times:

Two of the three Independent TDs on whose support the Government relies today said they would withdraw their backing.


Independent TD for Kerry South Jackie Healy-Rae said recent events "have totally undermined whatever little bit of confidence” he had in the Government. (...)

North Tipperary TD Michael Lowry told RTÉ radio this afternoon it was "highly unlikely" that he would support the upcoming budget.


The Fianna Fáil/Green Party Coalition had a working majority of three until the decision by Mr Lowry and Mr Healy-Rae. With the support of Minister for Health Mary Harney and the two Independent TDs it would have command the support of 82 TDs, with 79 Opposition votes.

Estado paga casamento de beneficiário há decadas da assistência social

Na Reason.

Sistema monetário estatista versão 2

Com a ajuda ao sector bancário irlandês, somos espectadores do resultado lógico do Euro ao facilitar os movimentos de depósitos e financiamento de curto prazo entre diferentes riscos-país.

Uma saída possível para os defensores do actual sistema monetário (que não o do seu colapso ou hiper-inflação) de moeda produzida pelos Estados (em vez de liberdade monetária com uso de ouro/prata) seria:

- o banco central injectar todas as reservas necessárias para os bancos terem 100% de reservas sobre os depósitos à ordem
- decretar simultaneamente a obrigatoriedade de 100% de reservas

desta forma

- a produção de moeda para conceder crédito desaparecia (fazendo desaparecer as bolhas de crédito seguidas de crises pelo menos esta importante componente)
- os depósitos à ordem passam a estar isentos de risco de incumprimento
- os bancos passam a ter de convencer expressamente e formalmente os depositantes a aplicar as suas poupanças monetárias em operações de crédito ao banco a prazo, que assim sim, poderiam financiar o seu crédito (os bancos passam a puros intermediários)-> a concessão de crédito passa a ser efectuada a partir de poupança monetária prévia.

o problema que subsistiria é como a quantidade de moeda poderia aumentar. Tal poderia ser efectuado precisamente pelo financiamento de défices directamente emissão monetária.

Este tipo de aumento de emissão de moeda é muito inflacionário nos preços (muito mais que o aumento de quantidade de moeda para concessão de crédito), assim sendo:

- os efeitos da sua utilização exagerada serão muito mais visíveis no comportamento dos índices de inflação no consumidor e podem assim ser contrariados na discussão pública e política (ao contrário do aumento da quantidade de moeda para crédito ao investimento, cujos malefícios não são revelados na inflação de preços em bens de consumo).
- estará implícito que as pessoas aceitariam assim uma componente inflacionista (que é uma espécie de imposto) no financiamento dos défices em vez de ser financiado por dívida pública colocada nos bancos (ganhando estes a diferença entre a taxa a que o banco central financia as reservas e os juros da dívida pública)-> um argumento que começa cada vez mais a ser evocado aqui e ali.

PS: é mais ou menos isto que algumas propostas (ou pelos menos transparece como implícito, ainda que não articulados exactamente desta forma) populares têm circulado na internet como o "Money-as-Debt" e Zeitgeist.
PS2: claro que a minha opinião é que o melhor sistema monetário é um de liberdade monetária com 100% de reservas para notas e depósitos e que qualquer outro desenhado terá sempre uma tendência inevitável a ser subvertido ou a correr mal.

Irlanda - governo à beira da queda?

O Partido Verde irlandês (que faz parte do governo) defende eleições em Janeiro. No entanto, vão permanecer no governo até ao orçamento (e o plano da UE/FMI) ser aprovado.

A execução de hipotecas nos EUA

Banks are on track to seize over one million homes this year. Nearly as many homes were seized last year and the year before. In coming months the number of bank seizures is expected to rise.

In this storm of repossessions, thousands of Americans have been wronged -- it's inevitable. And some of these stories are really horrible.

These foreclosure horror stories don't mean much alone, but together they could possibly cause a more significant political reaction to foreclosure-gate than we've seen so far.

Click here to here to read some horror stories >
Alguns desses casos poderão atribuidos à imprudência dos devedores, mas muitos não.

Irlanda - ministro atropela manifestante

Sunday, November 21, 2010

Irlanda - finalmente os sindicatos contra a austeridade

Reuters - Unions say cuts may finally drive Irish to the streets:

An Irish public that has quietly endured harsh cuts so far may finally run out of patience and take to the streets when the deeply unpopular government unveils its next austerity measures, labor unions said on Saturday.
"I think we're close to the tipping point," Jack O'Connor, General President of SIPTU, Ireland's largest labor union, told Reuters in a phone interview.

"The kind of policies that have been pursued to date, which have been seen to fail and have discriminated very severely against the people on middle and low incomes, will not work," he said. "And there will be a reaction to those kind of policies."

Trade unions, student groups and senior citizens are planning a protest in Dublin on Saturday November 27. The march, organized by Ireland's umbrella union body, ICTU, will call for greater fairness in budget cuts.
O'Connor, whose union represents some 200,000 workers, said a good turnout at the march -- anything over 25,000 protestors -- could help shape the character of budget adjustments.

Despite facing some of the continent's deepest cuts, Ireland has largely been spared the civil unrest and protests that have hit other parts of Europe where governments implemented tough budgetary measures to cope with economic downturn.

Next week the government will issue its four-year plan for cutting the worst budget deficit in the eurozone, with a target of 15 billion euros in savings by 2014.

This will be followed by a 2011 budget early next month expected to include some 6 billion euros of those savings. Public sector jobs will be lost and services and benefits cut.

An IMF/EU-sponsored rescue package is also expected next week, which many in Ireland view as a loss of sovereignty.

"A lot of political leaders have been saying that they can't understand the calm about the Irish citizens at the moment, but I think it's the calm before the storm," said Eamon Devoy, General Secretary of the 40,000-strong Technical Engineering and Electrical Union (TEEU).

"People are enduring it, but just about. It's bubbling to the surface. Any further attacks on working people and social welfare systems and pensions and so on just won't be tolerated.

"The talk now is of the budget, and effectively destroying the social welfare system. I think there is going to be huge civil unrest as a result of that," Devoy told Reuters.

The TEEU is calling for a general election to usher in a new government. In any event, an election by early next year is widely seen as all but inevitable even if the budget passes next month given the government's weak hold on power.

Thursday, November 18, 2010

Democracia II

Os mecanismos de defesa a longo prazo da democracia deveriam passar por:

- aprovação dos orçamentos de estado, por câmara especial, para a qual, pelo menos, os beneficiários líquidos mais directos tivessem o voto suspenso (falo aqui da aprovação do OE e não do restante processo legislativo, e a suspensão seria imediatamente levantada assim deixasse de ser considerada como b.l.).

- constituição dispondo o direito de secessão pacífico a comunidades com uma dada dimensão geográfica e populacional mínima.

- orçamentos estado equilibrados e sistema monetário não cíclico.

Wednesday, November 17, 2010

Democracia

Como já escrevei anteriormente, o voto universal, que constitui uma capacidade de invadir direitos de propriedade de terceiros, é a origem da sua deriva para a auto-destruição.

A cada programa de colecta de impostos e redistribuição, várias forças concorrem:

- o número de beneficiários líquidos directos e indirectos do OE vai aumentando, e o número de contribuintes líquidos diminuindo. Com o tempo, o voto universal assegura um conflito de interesses (os beneficiários detêm a capacidade de votar no seu interesse, pago pelos contribuintes líquidos) e uma percepção que mais vale estar do lado dos beneficiários que do lado dos contribuintes.

- a transferência de riqueza, pensemos no rendimento mínimo garantido (podemos reduzir todo o aparato do estado social a um rendimento mínimo), desincentiva os rendimentos imediatamente superiores a serem contribuintes, e incentiva sim, a juntarem-se aos beneficiários, quer por deixar o estatuto de contribuintes líquido, quer por pressionar via voto, a que a fasquia do rendimento mínimo seja aumentado.

- a democracia e um sistema monetário que permite a inflação quantitativa de moeda para suportar os défices parece estar ligado, e também aqui, a pressão da maioria silenciosa de um número crescente de beneficiários líquidos, pressiona a recorrer à inflação quantitativa para adiar os problemas que a prazo se vão acumulando.

Por tudo isto, o que alguns autores estabeleceram como um ciclo histórico de regimes entre democracia, desabamento, monarquia, talvez não seja disparate.

Re: Hans-Hermann Hoppe, a monarquia e a democracia (V)

A tese de Hoppe está bem demonstrada no caso das pequenas monarquias absolutas islâmicas dos Emirados Árabes Unidos.

As piores capas de livros de fantasia/ficção cientifica

Good Show Sir - Only the worst Sci-fi/Fantasy book covers


[Via Marginal Revolution]

Monday, November 15, 2010

Os trabalhadores da Groundforce têm 7% de aumento ao ano?

Fala-se muito que os trabalhadores da Groundforce tinham aumentos anuais de 7%, uma paragem de meia-hora para o pequeno-almoço, etc.

Pelos vistos, já há um ano se falava nisso, e nessa altura o SITAVA fez um comunicado sobre o assunto [pdf]:

Os trabalhadores da Groundforce usufruem dos mesmos direitos dos restantes trabalhadores
portugueses (ex., os feriados são os mesmos para todos, são obrigatórios e estão definidos em lei geral do País, o Código do Trabalho) e estão submetidos aos mesmos deveres dos restantes trabalhadores (ex., os “deveres” estão igualmente definidos no C.T.). Na Groundforce os trabalhadores estão todos incluídos em horários de trabalho elaborados pela Empresa (repito: pela Empresa) que obedecem às regras definidas no C.T. e no A.E. Neles estão definidas horas de entrada e saída e os intervalos para descanso e refeições, igualmente em conformidade com o que dispõe a lei.

(...)

Então eles que têm sido tão contidos face a actualizações das tabelas salariais (2006: inflação
3.1%, actualização das tabelas 0%; 2007: inflação 2.3, actualização das tabelas 1.5; 2008: inflação 2.6, actualização das tabelas 0; 2009: empresa ainda não respondeu á proposta do SITAVA, contrariando a lei))!!; eles que têm sido tão contidos face a horários de trabalho perto do insuportável!!; eles que têm suportado retirada e/ou abaixamento de direitos!!; eles que têm denunciado negócios desastrosos, mudanças de instalações de Administrações desnecessárias!!; face a tudo isto e muito mais que tornaria fastidioso este comentário, então eles é que devem assumir a responsabilidade dos prejuízos!?

Nestas condições como é possível falar‐se de “aumento médio salarial de 7%”?! Repare‐se no
ridículo: fazendo fé nesses 7%, se se atingia um aumento médio de 7% com actualizações das tabelas salariais de 0% ou abaixo da inflação, então com actualizações salariais reais esse aumento médio disparava para quanto?
O acordo de empresa da Groundforce está aqui; note-se que ainda não o li e não sei quem tem razão.

Sunday, November 14, 2010

Futuras cenas da crise irlandesa?

If you thought the bank bailout was bad, wait until the mortgage defaults hit home, por Morgan Kelly:

So, thanks to the discreet intervention of the ECB, the first stage of the crisis has closed with a whimper rather than a bang. Developer loans sank the banks which, thanks to the bank guarantee, sank the Irish State, leaving it as a ward of the ECB.

The next act of the crisis will rehearse the same themes of bad loans and foreign debt, only this time as tragedy rather than farce. This time the bad loans will be mortgages, and the foreign creditor who cannot be repaid is the ECB. In consequence, the second act promises to be a good deal more traumatic than the first.
Where the first round of the banking crisis centred on a few dozen large developers, the next round will involve hundreds of thousands of families with mortgages. Between negotiated repayment reductions and defaults, at least 100,000 mortgages (one in eight) are already under water, and things have barely started.
Banks have been relying on two dams to block the torrent of defaults – house prices and social stigma – but both have started to crumble alarmingly.

People are going to extraordinary lengths – not paying other bills and borrowing heavily from their parents – to meet mortgage repayments, both out of fear of losing their homes and to avoid the stigma of admitting that they are broke. In a society like ours, where a person’s moral worth is judged – by themselves as much as by others – by the car they drive and the house they own, the idea of admitting that you cannot afford your mortgage is unspeakably shameful.

That will change. The perception growing among borrowers is that while they played by the rules, the banks certainly did not, cynically persuading them into mortgages that they had no hope of affording. Facing a choice between obligations to the banks and to their families – mortgage or food – growing numbers are choosing the latter.

In the last year, America has seen a rising number of “strategic defaults”. People choose to stop repaying their mortgages, realising they can live rent-free in their house for several years before eviction, and then rent a better house for less than the interest on their current mortgage. The prospect of being sued by banks is not credible – the State of Florida allows banks full recourse to the assets of delinquent borrowers just like here, but it has the highest default rate in the US – because there is no point pursuing someone who has no assets.
If one family defaults on its mortgage, they are pariahs: if 200,000 default they are a powerful political constituency. There is no shame in admitting that you too were mauled by the Celtic Tiger after being conned into taking out an unaffordable mortgage, when everyone around you is admitting the same.

The gathering mortgage crisis puts Ireland on the cusp of a social conflict on the scale of the Land War, but with one crucial difference. Whereas the Land War faced tenant farmers against a relative handful of mostly foreign landlords, the looming Mortgage War will pit recent house buyers against the majority of families who feel they worked hard and made sacrifices to pay off their mortgages, or else decided not to buy during the bubble, and who think those with mortgages should be made to pay them off. Any relief to struggling mortgage-holders will come not out of bank profits – there is no longer any such thing – but from the pockets of other taxpayers.

The other crumbling dam against mass mortgage default is house prices. House prices are driven by the size of mortgages that banks give out. That is why, even though Irish banks face long-run funding costs of at least 8 per cent (if they could find anyone to lend to them), they are still giving out mortgages at 5 per cent, to maintain an artificial floor on house prices. Without this trickle of new mortgages, prices would collapse and mass defaults ensue.

However, once Irish banks pass under direct ECB control next year, they will be forced to stop lending in order to shrink their balance sheets back to a level that can be funded from customer deposits. With no new mortgage lending, the housing market will be driven by cash transactions, and prices will collapse accordingly.
While the current priority of Irish banks is to conceal their mortgage losses, which requires them to go easy on borrowers, their new priority will be to get the ECB’s money back by whatever means necessary. The resulting wave of foreclosures will cause prices to collapse further.

Along with mass mortgage defaults, sorting out our bill with the ECB will define the second stage of the banking crisis. For now it is easier for the ECB to drip feed funding to the Irish State and banks rather than admit publicly that we are bankrupt, and trigger a crisis that could engulf other euro-zone states. Our economy is tiny, and it is easiest, for now, to kick the can up the road and see how things work out.
By next year Ireland will have run out of cash, and the terms of a formal bailout will have to be agreed. Our bill will be totted up and presented to us, along with terms for repayment. On these terms hangs our future as a nation. We can only hope that, in return for being such good sports about the whole bondholder business and repaying European banks whose idea of a sound investment was lending billions to Gleeson, Fitzpatrick and Fingleton, the Government can negotiate a low rate of interest.

With a sufficiently low interest rate on what we owe to Europe, a combination of economic growth and inflation will eventually erode away the debt, just as it did in the 1980s: we get to survive.

How low is sufficiently low? Economists have a simple rule to calculate this. If the interest rate on a country’s debt is lower than the sum of its growth rate and inflation rate, the ratio of debt to national income will shrink through time. After a massive credit bubble and with a shaky international economy, our growth prospects for the next decade are poor, and prices are likely to be static or falling. An interest rate beyond 2 per cent is likely to sink us.

This means that if we are forced to repay the ECB at the 5 per cent interest rate imposed on Greece, our debt will rise faster than our means of servicing it, and we will inevitably face a State bankruptcy that will destroy what few shreds of our international reputation still remain.

Why would the ECB impose such a punitive interest rate on us? The answer is that we are too small to matter: the ECB’s real concerns lie with Spain and Italy. Making an example of Ireland is an easy way to show that bailouts are not a soft option, and so frighten them into keeping their deficits under control.

Given the risk of national bankruptcy it entailed, what led the Government into this abject and unconditional surrender to the bank bondholders? I have been told that the Government’s reasoning runs as follows: “Europe will bail us out, just like they bailed out the Greeks. And does anyone expect the Greeks to repay?”
The fallacy of this reasoning is obvious. Despite a decade of Anglo-Fáil rule, with its mantra that there are no such things as duties, only entitlements, few Irish institutions have collapsed to the third-world levels of their Greek counterparts, least of all our tax system.

And unlike the Greeks, we lacked the tact and common sense to keep our grubby dealing to ourselves. Europeans had to endure a decade of Irish politicians strutting around and telling them how they needed to emulate our crony capitalism if they wanted to be as rich as we are. As far as other Europeans are concerned, the Irish Government is aiming to add injury to insult by getting their taxpayers to help the “Richest Nation in Europe” continue to enjoy its lavish lifestyle. (...)


As ordinary people start to realise that this thing is not only happening, it is happening to them, we can see anxiety giving way to the first upwellings of an inchoate rage and despair that will transform Irish politics along the lines of the Tea Party in America. Within five years, both Civil War parties are likely to have been brushed aside by a hard right, anti-Europe, anti-Traveller party that, inconceivable as it now seems, will leave us nostalgic for the, usually, harmless buffoonery of Biffo, Inda, and their chums.

You have read enough articles by economists by now to know that it is customary at this stage for me to propose, in 30 words or fewer, a simple policy that will solve all our problems. Unfortunately, this is where I have to hold up my hands and confess that I have no solutions, simple or otherwise.

Ireland faced a painful choice between imposing a resolution on banks that were too big to save or becoming insolvent, and, for whatever reason, chose the latter. Sovereign nations get to make policy choices, and we are no longer a sovereign nation in any meaningful sense of that term.
[Via Megan McArdle]

Diga-se que eu tenho esperança que na Irlanda a viragem possa ser para a hard left (que teve bons resultados nas últimas eleições europeias) do que para a hard right.

O (não) julgamento de Khalid Sheik Mohammed

Wuss or totalitarian? You decide, por "Thoreau":

 The Obama administration has reversed itself and decided not to hold trials for people accused of involvement in 9/11.  Instead, they will be held indefinitely without trial.  In the best scenario, they are wusses who are too chicken to adhere to the law when the bedwetter crowd starts complaining.  In the worst scenario, they’re as totalitarian as Bush

Hans-Hermann Hoppe, a monarquia e a democracia (V)

Agora, uma tentativa de análise empírica actual - uma comparação entre o grau de "liberdade económica" e o regime politico; a tese de Hoppe será as monarquias tradicionais tenderão a ser mais liberais que as democracias; se eu estiver correcto, qualquer das hipóteses é possivel, sendo a única certeza que as ditaduras temporárias tenderão a ser menos liberais que as democracias e monarquias tradicionais.

Para medida da liberdade económica, usei o índice da Heritage Foundation (deixando de lado as dúvidas que podem ser levantadas à sua validade); contei Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita, Koweit, Bahrein, Qatar, Emiratos Árabes Unidos, Omã, Suazilândia e Butão como "monarquias tradicionais" (também contaria o Brunei, Tonga, Mónaco e talvez o Liechenstein se a Heritage tivesse calculado um índice para eles); os outros países contei como "democracias" se a Freedom House contasse o seu indice de "Political Rights" [pdf] como menor ou igual a 5, e como "ditaduras" se fosse 6 ou 7.

Os resultados:

- as "monarquias tradicionais" têm um "índice de liberdade económica" médio de 65,18, com um desvio-padrão de 5,66
- as "democracias" têm um índice médio de 63,32, com um desvio-padrão de 9,86
- as "ditaduras" têm um índice médio de 49,05, com um desvio-padrão de 12,4

Eu confesso que não estava à espera destes resultados - as monarquias tradicionais efectivamente vão à frente, embora quase empatadas com as democracias (se eu tivesse sido mais restritivo na minha definição de "democracia", ou calculado uma média ponderada em vez de uma simples média aritmética é possivel que o resultado já não fosse esse). De qualquer forma, a análise empírica actual (em contraste com à dos séculos passados) é compatível com a teoria de Hoppe (embora também o seja com a minha).

Seja como for, eu ganharia de quaqluer maneira - se a tese de Hoppe estiver errada, ganhava porque a minha crítica estava certa; se Hoppe estiver certo, posso dizer capitalismo é um sistema reaccionário ligado à autocracia feudal...

Hans-Hermann Hoppe, a monarquia e a democracia (IV)

Depois da (semi)-refutação teórica, a empírica: o facto é que a revolução industrial começou em Inglaterra, o que havia mais parecida na época com uma monarquia parlamentar; e o que poderíamos chamar a "revolução industrial 0" (isto é, anterior à 1ª e à ), a expansão das manufacturas nas Provincias Unidas holandesas,  aconteceu no que à época era uma espécie de república.

Nenhum desses países eram democracias, claro, mas penso que o argumento fundamental de Hoppe, de que a monarquia é melhor que a democracia devido à visão de longo prazo do rei aplicaria-se, não apenas em comparação com a democracia, mas em comparação com qualquer regime de tipo parlamentar, independentemente do sufrágio ser universal ou restrito.

[Claro que de novo temos a velha história da correlação e da causa]

Hans-Hermann Hoppe, a monarquia e a democracia (III)

A validade da tese hoppesiana depende muito do que se considera ser os efeitos a longo (e muito longo prazo) das politicas presentes. Se se considerar que as politicas tomadas agora vão ter consequências indirectas significativas daqui a 100 anos, o argumento a favor da monarquia (tanto face à ditadura temporária, como face à democracia) fica mais forte - no fundo, podemos dizer que quanto maior a distância entre os pontos "B" e "C" deste gráfico, mais forte é o argumento de Hoppe.

Assim, se considerarmos que crescimento económico tem como principal motor a acumulação continua de capital e o juro composto, isso será um ponto a favor de Hoppe: uma politica que reduza a acumulação de capital agora acabará por ter consequências gigantescas a longo prazo, logo há todo o interesse em os governantes terem um horizonte de longo prazo.

Mas se assumirmos que o crescimento económico muitas vezes não depende sobretudo da acumulação continua de capital, mas da adopção de novas tecnologias, creio que o argumento hoppesiano fica enfraquecido - as vantagens de ter um governante preocupado com o longo prazo já não serão tão grandes se for relativamente fácil um pais "saltar" etapas de desenvolvimento e conseguir ir para o "pelotão da frente" mesmo que tenha tido más politicas à 100 anos atrás.

Ou seja, aquilo a que um economista germanófono repatriado nos EUA que combinava o liberalismo económico com simpatias monárquico-aristocráticas chamou "destruição criativa" acaba por limitar a validade da teoria de Hoppe.

Hans-Hermann Hoppe, a monarquia e a democracia (II)

Ainda sobre este assunto, recomendo o artigo de Mancur Olson, Dictatorship, Democracy, and Development, de 1993 (apesar da forma incorrecta com ele usa o termo "anarquia") - um versão livre aqui, em PDF.

Hans-Hermann Hoppe, a monarquia e a democracia

Já há algum tempo que pensava fazer uma série de posts sobre a posição de Hans-Hermann Hoppe acerca da monarquia e a democracia. Eu estava pensando em fazer isso quando acabasse a discussão sobre a "ética argumentativa" (ainda não acabei - ainda há alguns rascunhos nas entranhas do blogue a responder ao Rui Botelho Rodrigues, aguardando apenas que eu vença a minha apatia crónica e ganhe energia para os acabar), mas já que a conversa surgiu noutros sítios, vou dar também a minha contribuição.

Para começar - para quem não conheça a teoria de HHH (e quem não conheça duvido que tenha interesse nesta discussão), um pensador anarco-capitalista, é (simplificando) de que monarquia absoluta é menos má do que a democracia, já que como o rei é o "dono" do Estado e pode deixa-lo aos seus descendentes preocupa-se mais com o longo prazo do que um governo eleito democraticamente; no seu texto, Rui Albuquerque contra-argumenta que tal não é historicamente correcto, já que mesmo no absolutismo o Estado nunca foi propriedade privada do rei - no entanto, não acho essa crítica muito relevante: afinal, mesmo que o Estado monárquico-absolutista não fosse propriedade privada do rei, estava mais perto disso do que o Estado democrático moderno, logo as diferenças entre a monarquia absoluta realmente existente e a democracia vão na mesma direcção que o teorizado por Hoppe, mesmo que não num grau tão intenso.

Mas serão que o raciocínio hoppesiano faz sentido?

Isto que fiz acima pretendem ser duas curvas de Laffer, relacionando a carga fiscal com o volume da receita - a vermelha representa a curva de Laffer de curto-prazo, relacionando a receitas agora com a taxa de imposto agora; a azul será uma espécie de curva de Laffer de longo prazo, relacionando o valor esperado das receitas futuras com a taxa de imposto.

Vamos admitir que o governantes são puramente egoistas, não se preocupando com coisas como "interesse geral" e afins. Assim, onde irá ficar o nivel de impostos?

Um ditador temporário quererá sacar o máximo enquanto estiver no poder, logo irá fixar os impostos no ponto "C".

Um rei quererá maximizar as receitas suas e dos seus descendentes, logo irá fixar os impostos no ponto "B".

E um governo democrático? Em principio, o seu objectivo é ser reeleito, e para isso interessam duas coisas: por um lado, quanto maior a receita fiscal que tenha, melhor (mais dinheiro que tem para distribuir em programas para ganhar votos); por outro, quanto melhor estiver a economia, também maiores são as hipóteses de ser reeleito (penso que isso é mais ou menos evidente). Assim, a politica de um governo democrático tenderá a andar algures entre a politica que maximiza a receita fiscal imediata e a politica que maximize o crescimento económico; desta forma (e assumindo o pressuposto que a melhor politica para a economia seriam impostos de 0%), numa democracia os impostos andarão algures entre "A" e "C".

E o que concluo daqui? Que, mesmo fazendo um raciocínio usando o que penso serem os pressupostos de Hoppe, a única que se poderia concluir é que uma monarquia absoluta seria preferível a uma ditadura temporária; a respeito do que é melhor, democracia ou monarquia absoluta, nada se poderia concluir.

Thursday, November 11, 2010

Implicaçóes da relatividade para a economia interplanetária

Ali em baixo, escrevi que "enquanto ninguém descobrir uma maneira de ultrapassar a teoria de relatividade (e a impossibilidade de viagens acima da velocidade da luz), a Terra e o hipotético Gliese 581 g nunca poderão ter um governo comum".

Mas, curiosamente, a relatividade, se dificulta (ou melhor, impede quase definitivamente) um governo interplanetário, por outro lado talvez facilite a circulação interplanetária de pessoas e bens.

Imagine-se uma nave que ande a 95% da velocidade da luz - essa nave levaria uns 21 anos a fazer a viagem Terra - Gliese 581 g. Num mundo newtoniano, isso tornaria a viagem praticamente inviável; mas a relatividade leva a que o tempo corra mais devagar dentro de um objecto em movimento: dentro de uma nave deslocando-se a 95% da velocidade da luz, o tempo corre a 31% do ritmo a que corre "lá fora"*, pelo que, para os passageiros da nave esses 21 anos iriam parecer pouco mais que 6 anos (o que já torna a viagem mais realista, embora ainda mais demorada que as viagens Portugal-Índia no tempo das Descobertas) - claro que também há o outro lado da moeda: num mundo "relativista" é muito mais difícil construir uma nave que ande a 95% da velocidade da luz do que num mundo newtoniano.

E aonde é que eu quero chegar com isto - é que, se a relatividade quase impossibilita um governo interplanetário e, ao mesmo tempo, talvez até facilite circulação interplanetária de pessoas e bens, acaba por ser favorável a uma espécie de "liberalismo interplanetário" (não necessariamente "capitalista"), o que é irónico atendendo a que Einstein era um socialista e que os estudos mais aprofundados sobre os efeitos da relatividade sobre o comércio e aplicação financeiras interplanetárias foram feitos por um keynesiano.

*tempo dentro da nave = tempo fora da nave* Sqrt[1-(velocidade da nave/velocidade da luz)^2]

RE: RE: Monarquia e democracia, descentralização e centralização

Rui Botelho Rodrigues em resposta ao meu post sobre o assunto:

Em primeiro lugar, o argumento assume que o progresso técnico-científico, ao permitir maior centralização, é naturalmente inclinado nessa direcção. Tal é simplesmente falso. O progresso tecnológico é, em si, necessariamente neutro. É a ideologia prevalecente que direcciona (para a centralização ou não) os sucessos do progresso tecnológico. O ímpeto ideológico que trouxe a democracia e a centralização é a razão pela qual o progresso tecnológico (o meio) foi usado para os fins democráticos e centralizadores – o meio tecnológico não criou o fim da centralização. Se assumirmos que sim, teríamos de acreditar que cada avanço tecnológico da história humana traz consigo uma equivalente dose de “centralização possível” – o que é historicamente falso (o progresso tecnológico foi acompanhado, em épocas distintas, por centralização tal como descentralização).
 Bem, realmente o progresso tecnológico não implica forçosamente a centralização; mas o atraso tecnológico (nomeadamente na área dos transportes e comunicações) implica quase forçosamente a descentralização - se demoram meses para o "centro" conseguir comunicar com a periferia e ainda mais tempo para conseguir chegar lá com as suas tropas, o governo centralizado é virtualmente impossível; num exemplo extremo, enquanto ninguém descobrir uma maneira de ultrapassar a teoria de relatividade (e a impossibilidade de viagens acima da velocidade da luz), a Terra e o hipotético Gliese 581 g nunca poderão ter um governo comum (ou sequer constituir uma confederação voluntária de comunidades livres coordenadas por uma assembleia de delegados revogáveis a qualquer instante) - qualquer pedido que o chefe da repartição planetária fizesse ao ministro demoraria pelo menos 40 anos a ser respondido (possivel contra-argumento ao meu argumento: a China tem sido um estado geograficamente grande e fortemente centralizado há pelo menos uns mil anos; possivel contra-contra-argumento: penso que a maioria da população chinesa está concentrada numa zona relativamente pequena da China, e nas zonas mais remotas e menos povoadas o poder era exercido por senhores locais directamente submetidos à pessoa do Imperador e não ao Estado chinês, como o Dalai-lama no Tibete ou os khans mongóis ou turcos).
Em segundo, o progresso científico e tecnológico não favorece a democracia em si (favoreceu a democracia no momento histórico particular que o Miguel refere – em que o status quo maioritariamente monárquico foi ideologicamente substituído pelo sistema maioritariamente republicano e democrático). Igualmente, poderia favorecer exactamente o oposto, dado o que foi escrito acima: o progresso científico é ideologicamente neutro, não cria necessariamente desconfiança perante a tradição ou autoridade – o facto do progresso tecnológico massivo do último século ter coincidido com a desconfiança perante a tradição ou a autoridade (ou pelo menos a autoridade monárquica) é apenas isso: uma coincidência – um alinhamento entre o então presente desenvolvimento tecnológico e o conteúdo ideológico proeminente do momento em questão.

Agora vou alterar ligeiramente o que escrevi - não é tanto o progresso cientifico/técnico que está associado à desconfiança perante a tradição e a autoridade: é a velocidade do progresso cientifico/técnico que está associada à desconfiança perante a tradição e a autoridade; e também não é muito claro aí se temos causa ou apenas correlação - é por cause de estarem constantemente a aparecer novas tecnologias e novas ideias que as pessoas perdem o respeito pelas tradições e elites estabelecidas (nos vários aspectos da vida)? Ou é a pouca deferência pelas tradições e autoridades que favorece o progresso técnico/cientifico? Ou é um terceiro factor que causa ambos?

Outro ponto que se pode argumentar é que a minha ligação entre "falta de confiança na tradição e autoridade" e "democracia" não é forçoso - afinal, porque indivíduos "pouco respeitadores", se não aceitam a autoridade de um rei, da Igreja ou da aristocracia, hão-de aceitar a autoridade dos outros indivíduos (e serem o que alguém chamou "1/10.000.000 de tirano e um escravo por inteiro")? No entanto, creio que a democracia é mais fácil de "vender" a indivíduos "não-deferenciais" que as outras formas de governo (governos monárquicos ou aristocráticos implicam que o individuo aceite que "há alguém que tem mais capacidade para mandar em mim do que eu", enquanto a democracia pode mais facilmente ser apresentado apenas como um mal menor do género "cada um é que devia mandar em si, mas como infelizmente iriam surgir conflitos entre as decisões individuais, precisamos de um meio qualquer de os resolver...").

Um último ponto - de acordo com a minha teoria reformulada, a combinação entre um Estado centralizado e uma sociedade autoritária e hierarquizada provavelmente corresponderia a uma tecnologia evoluída mas estática (um bom exemplo ficcional desta combinação seria o "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley - este exemplo não é meu: roubei-o a um texto qualquer de Ernest  Gellner).

Thursday, November 04, 2010

As causas da derrota Democrata nos EUA

Ao que me parece, há (pelo menos) 3 teorias:

- a teoria Paul Krugman: é culpa da crise económica

- a teoria Nuno Gouveia / Bryan Caplan: Obama teve uma agenda demasiado à esquerda e afugentou os eleitores moderados

- a teoria Justin Raimundo: os bons resultados dos Democratas em 2006 e 2008 foram por causa da(s) guerra (s) e da redução das liberdades civis; como nesses campo Obama manteve as políticas anteriores, os seus eleitores desiludiram-se

Agora a questão é se haverá alguma forma de tentar averiguar qual das teorias é melhor.

Zombies, Vampiros, Lobisomens e a Sociedade de Classes

Comentário no Science not Fiction:

We should all find zombies depressing politically! Zombie flicks surge when Republicans are gaining control and fear the masses. Vampire flicks represent fear of a predatious-controlling aristocracy and surge when democrats gain. S’truth! In fact…

There’s a whole monster CLASS SYSTEM. Vampires are old-style aristocrats (and worshiping them makes their fans true traitors), while zombies are the proletariat. So who’s the MIDDLE CLASS?

Well, it used to be lycanthropes, werewolves. Poor schlumps in the suburbs, the only monsters with families,mortgages to pay and lawns that need mowing. Their affliction is portrayed with sympathy and angst and made for INTERESTING stories! Their new powers and temptations conflicting with bourgeois values, leading to inevitable tragedy…
[Será coincidência que a direita pareça ser mais dada a accreditar na coexistência pacífica com vampiros do que com zombies?]

Wednesday, November 03, 2010

Hayek vs. Keynes Sequel Sneak Peak at The Economist Buttonwood Gathering

"Insucesso é não emitir"

Alguns analistas dizem que hoje a "emissão de dívida pública foi um sucesso":

Os custos de financiamento do Estado português aumentaram em 2,2 milhões de euros no leilão de hoje face às últimas emissões mas, ainda assim, esta emissão é considerada um “sucesso” pelos analistas contactados pela Lusa.


“Este leilão teria corrido mal se não tivéssemos tido interessados em comprar a dívida”, disse à agência Lusa Filipe Silva, gestor do mercado de dívida do Banco Carregosa.

Uma posição partilhada por Ricardo Marques, da IMF – Informação de Mercados Financeiros: “Insucesso é não emitir".

Ou seja, a emissão de dívida só não teria sido "um sucesso" se... ninguém quisesse emprestar dinheiro ao Estado português fosse a que juro fosse.

["Aquela ida ao restaurante correu otimamente- é verdade que saiu caro e a comida até nem foi muito boa, mas deixaram-nos entrar e até nos serviram"]

O vencedor das eleições norte-americanas

O establishment do Partido Republicano (e, através dele, Wall Street, o complexo industrial militar e afins) - os Republicanos conseguiram a maioria da Camara dos Representantes e uma "minoria de bloqueio" sólida no Senado, e com o bónus de alguns elementos potencialmente menos controláveis (Christine O'Donnel, Sharon Angle, talvez Joe Miller) terem ficado pelo caminho (no fundo, ficou definido o que é o papel da "base" republicana - votar nos candidatos do partido - e o que não é - ter pretensões e põr-se a escolher candidatos contra a opinião dos seus superiores naturais).

Ou seja, com este Congresso dificilmente passarão medidas de apoio às famílias endividadas, expansão do subsídio de desemprego, etc,, mas é suficientemente "moderado" para, se houver necessidade disso, aprovar um novo bailout à banca, ou um votar um aumento da despesa (se o beneficiário fôr o Pentágono).

Mencken e a democracia

Já conhecia estas (em baixo) de Mencken mas não esta (via LRCblog):


"democracy...the art of running the circus from the monkey cage.”

outras:

“There’s really no point to voting. If it made any difference, it would probably be illegal.”

“Every election is a sort of advance auction sale of stolen goods.”

“Democracy is the theory that the common people know what they want and deserve to get it good and hard.”

“Under democracy one party always devotes its chief energies to trying to prove that the other party is unfit to rule — and both commonly succeed, and are right.”

Democracy has an “ineradicable tendency to abandon its whole philosophy at the first sign of strain. . .When the national safety is menace. . .all the great tribunes of democracy. . .convert themselves, by a process as simple as taking a deep breath, into despots of an almost fabulous ferocity.”

“The whole aim of practical politics is to keep the populace in a continual state of alarm (and hence clamorous to be led to safety) by menacing them with an endless series of hobgoblins, all of them imaginary.”

“As democracy is perfected, the office of president represents, more and more closely, the inner soul of the people. . . On some great and glorious day the plain folks of the land will reach their heart’s desire at last, and the White House will be adorned by a downright moron.”