Wednesday, October 28, 2015

As carnes processada são tão perigosas como o tabaco?

Nos últimos dias têm-se dito que "as carnes processadas - como o bacon, as salsichas, os hambúrgueres e o presunto - provocam cancro e são tão perigosas como o tabaco".

Não são nada - sim, a OMS colocou-as no mesmo grupo que o tabaco, mas os grupos da OMS não são organizados pelo critério "dimensão do risco de provocar cancro", mas sim pelo critério "grau de certeza que existe sobre o risco de provocar cancro"; neste caso, o tal grupo em que foi incluído tanto o tabaco como as carnes processadas representa as substâncias em que há certeza que aumentam o risco de desenvolver cancro - mas inclui tanto aquelas em que há certeza que aumentam bastante o risco de ter cancro (como o tabaco) como aquelas em que há certeza de que aumentam pelo menos ligeiramente o risco de ter cancro (como é o caso das carnes processadas); o fator relevante aqui é a certeza, não o aumentarem muito ou pouco o risco (para os leitores que percebam de estatística, o que interessa aqui é se o efeito é estatisticamente significativo, não se é grande ou pequeno).

Tuesday, October 20, 2015

"Frente Popular"?

Tem sido usual chamar a uma eventual aliança PS/BE/CDU de "Frente Popular".

No entanto, tecnicamente (pelo menos se quisermos fazer uma analogia com as "frentes populares" dos anos 30), uma frente popular seria uma aliança entre o PS, o BE, a CDU... e o PSD (que será o mais parecido em Portugal com o Partido Radical em França, ou com a Esquerda Republicana de Azaña e sobretudo com a União Republicana de Martinez Barrio em Espanha): as frentes populares eram suposto serem alianças entre socialistas, comunistas, esquerdsitas diversos (como o POUM ou o BE) e a "burguesia liberal".

Monday, October 12, 2015

Razão e emoção (VII)

Mas talvez haja aqui um problema mais profundo - talvez seja mesmo difícil definir o que quer dizer "razão" (tal como é difícil definir "inteligência", conceito que é quase a mesma coisa do que "razão"), tendo como corolário que seja difícil definir o que é o oposto de "razão" (p.ex., suspeito que muita gente terá reticências ao que fiz em vários dos posts anteriores - apresentar "bom senso" como sendo o antónimo de "razão"*).

Em tempos, vi um episódio da série televisiva House, M. D. em que ocorre um bom exemplo do que pode ser a ambiguidade à volta de conceitos como "razão" e "racional": o "Dr. Foreman" (o chefe do protagonista) está a tentar obrigar o protagonista a aceitar qualquer coisa e está a conversar sobre isso com o "Dr. Wilson" (o melhor amigo do protagonista). O diálogo:
Dr. Foreman - Ele vai aceitar; ele é racional.

Dr. Wilson - Ele não é racional!

Dr. Foreman - Ele é racional; às vezes é tão racional que até irrita

Claramente os dois personagens estão usando diferentes definições de "racional" (para quem não conheça a série, uma descrição da personalidade do protagonista)

* este ponto pode ser ele próprio uma ilustração da diferença entre "bom senso" (ou o que lhe queiramos chamar) e "razão" - quando se houve falar de "razão" e "bom senso", a ideia que nos vem naturalmente à cabeça (ou seja, o "bom senso") é de que serão conceitos quase idênticos; já a ideia que poderão ser opostos implicará uma reflexão analítica e aprofundada (ou seja, a "razão").

[Para os leitores - assumindo que ainda alguém lê blogs... - que já estejam fartos desta temática - este deverá ser o último post da série]

Razão e emoção (VI)

Mais um argumento indiciando que não há à partida nenhuma contradição entre "razão" e "emoção" - o fenómeno que alguns designam como "paixão intelectual": isto é, pessoas que adoram atividades intelectuais que impliquem uso da razão (jogar xadrez, "piratear" sites informáticos, etc.). Aqui temos, ao mesmo tempo, emoção (já que essas pessoas gostam ou adoram essas atividades) e razão (pela natureza das atividades).

Wednesday, October 07, 2015

Razão e emoção (V)

Ainda a respeito deste assunto, outra coisa que me ocorre é a conversa que por vezes aparece de que os modelos económicos neoclássicos assumem que os agentes serão desprovidos de emoções ou de paixões.

Isso é um disparate, claro - as emoções estão mais que incorporadas nos modelos económicos: o que são as "preferências", as "funções utilidade" ou as "curvas de indiferença" se não a formalização das emoções/sentimentos/paixões dos agentes?

Se alguma coisa, os economistas (incluindo os que seguem a metodologia neoclássica) até são muito mais dados a aceitar a validade das emoções/sentimentos/paixões do que grande parte das pessoas "normais" (exemplo - para a maior parte das pessoas, alguém abandonar um curso com excelentes perspectivas de emprego - digamos, engenheiro informático - para se dedicar à flauta é algo "irracional", mas um economista achará esse comportamento como perfeitamente racional, significando apenas que a utilidade que o agente deriva de tocar flauta é maior da que obteria com o dinheiro que ganharia tirando o outro curso - e assim deixar o curso é a opção que maximiza a utilidade).

A ideia de que os economistas ignoram as emoções/sentimentos/paixões vem, é claro, de os modelos neoclássicos assumirem agentes puramente racionais; e como na cultura popular "razão" e "emoção" são vistos como opostos, gera-se a ideia que os economistas ignorarão as emoções.

Razão e emoção (IV)

Uma forma de testar isto ou isto talvez fosse testado a correlações entre os chamados "5 grandes" fatores da personalidade e provavelmente também inteligência: o ser "emocional" poderia ser medido pelo fator "neuroticismo"; o ser "racional" será provavelmente uma combinação de inteligência e de "abertura" (esta é complicada, porque "abertura" é um índice composto que mistura coisas como interesses intelectuais e sensibilidade artística - o ideal seria comparar apenas com uma sub-escala referente à parte intelectual).

Uma correlação negativa entre "neuroticismo" e inteligência e/ou "abertura intelectual" seria um ponto a favor da dicotomia tradicional; uma correlação próxima do zero, a favor da independência entre "razão" e "emoção"; uma correlação positiva a favor da minha segunda hipótese (de uma associação positiva entre "razão" e "emoção", ou, por outras palavras, de uma associação negativa entre "bom senso" e "sensibilidade")

Provavelmente fazendo uma busca na internet rapidamente se encontrará montes de artigos sobre o assunto (eu tentei fazer essa busca no Google, mas como na primeira página não encontrei nada que me parecesse relevante desisti).

Tuesday, October 06, 2015

Razão e emoção (III)

Ainda a respeito da suposto dicotomia razão-emoção, para falar a verdade, ocorre-me uma tese mais radical da que exponho aqui, de que "os eixos razão vs. instinto/bom senso/senso comum/intuição e emoção vs. calma parecem-me perpendiculares, sem qualquer oposição entre entre razão e emoção". Será que, no mundo real, até não há uma correlação positiva entre "razão" e "emoção" (ou, dito de outra maneira, uma oposição entre "sensibilidade" e "bom senso")?

Isto é, o que suspeito é que muitas vezes as pessoas mais racionais e analíticas (que fazem sempre grandes reflexões e análises antes de chegar a qualquer conclusão, e muitas vezes com interesse em temas como xadrez, matemática, filosofia, programação informática e/ou discussões teóricas) até são as mais dadas a serem afetadas por emoções intensas (sejam essas emoções ataques de fúrias, nervosismo, paixões obsessivas, ansiedade, entusiasmo, etc, etc. - o catálogo é provavelmente infinito), enquanto as pessoas que vivem mais de acordo com regras expeditas (o tal "bom senso") e que não perdem muito tempo com "especulações" até não serão muitas vezes as mais calmas e emocionalmente equilibradas?

Há uns tempos esteve na moda a teoria da distinção entre inteligência e "inteligência emocional", com os seus proponentes a dizerem que muitas vezes as pessoas com alta inteligência tinham baixa "inteligência emocional"; se assumirmo que "inteligência" e "razão" andam perto ("razão" será talvez um misto de "inteligência" e "tendência para a reflexão") e que "inteligência emocional" (ao contrário do que o nome pode dar a entender) parece-me, na prática, siginificar ser pouco emocional (creio que a definição teórica será mais algo como saber controlar as emoções, mas na prática acho que isso vai dar em ser pouco emocional), não será algo parecido com a tese que avento neste post?

Mais dois ponto:

Compare-se as seguintes frases: "Fulano é uma pessoa muito emocional, que pensa sempre muito antes de fazer qualquer coisa" e "Fulano é uma pessoa muito nervosa, que pensa sempre muito antes de fazer qualquer coisa"; estas duas frases são quase iguais em significado (quase, porque "muito nervoso" implica "muito emocional", mas o inverso não), mas a segundo soa como algo relativamente normal de se dizer, enquanto à primeira audição a primeira parece quase um contra-senso (um exemplo dos efeitos do framing?).

Se a hipotese que proponho neste post fizer sentido, terá alguma ligação com o que deu origem à conversa (a tendência para a esquerda ou para a direita)? Talvez; não me admirava que as pessoas "racionais" e "emocionais" tenham tendência para a esquerda, para o extremismo e/ou para posições minoritárias, enquanto as pessoas com mais "bom senso" e emocionalmente equilibradas tenham tendência para a direita, para a moderação e/ou para posições maioritárias (mas isto, claro, são puros palpites a partir de uma tese que é ela própria apenas um palpite).

Razão e emoção (II)

Mas há uma reflexão mais profunda que me ocorre acerca da suposta dicotomia razão-emoção; imagine-se uma dicotomia entre pessoas que gostam ir à praia e pessoas que gostam de costeletas de borrego.

Perante esta suposta dicotomia, a maior parte das pessoas reagiria "Hum?? Mas o que tem uma coisa a ver com a outra? Podem perfeitamente haver pessoas que adoram praia e costeletas de borrego, e inversamente pessoas que detestam ambas as coisas".

E é exatamente aí que eu quero chegar a respeito da razão-emoção: a mim parece-me que o oposto de "razão" é, conforme as circunstancias, "instinto"/"bom senso"/"senso comum"/"intuição" (abaixo, escrevo um pouco mais sobre isso), e o oposto de "emoção" é "calma"; à partida, os eixos razão vs. instinto/bom senso/senso comum/intuição e emoção vs. calma parecem-me perpendiculares, sem qualquer oposição entre entre razão e emoção.

A respeito do "instinto", do "bom senso", do "senso comum" e da "intuição" - são conceitos diferentes, mas têm todos em comum a ideia de tomar decisões e/ou chegar a conclusões sem precisar de pensar no assunto, por um processo quase automático similar a um reflexo físico (enquanto "razão" significa chegar as conclusões através da reflexão e da análise): "instinto" costuma ser usado quando se parte do princípio que é algo natural que já nasceu com a pessoa (mas por vezes é usado figurativamente, quando por exemplo se fala em "desenvolver o instinto de...", no sentido de qualquer automatismo mental, mesmo que adquirido), "senso comum" a algo que uma pessoas interioriza por desde sempre ter convido com essas ideias, "intuição" quando - ao contrário do "senso comum" - se refere a uma ideia excêntrica que ocorreu à pessoa em causa, e "bom senso" é quase a mesma coisa que "senso comum", com um pouco de "instinto" à mistura. Diga-se que, embora haja vários substantivos para designar o tal processo de "reflexo mental", o adjetivo "intuitivo" é usado em geral para todos eles.

Aliás, a própria ideia de uma dicotomia razão-emoção parece-me ela própria um exemplo de "reflexo mental" - é uma ideia que nos ocorre intuitivamente, mas creio que não sobrevive a uma análise lógica (que é o que tentei fazer neste post).

Razão e emoção (I)

Luís Aguiar-Conraria fala aqui da tendência que por vezes existe para a esquerda falar como se tivesse o monopólio do coração e a direita como se tivesse o monopólio da razão. Também há uns tempos Chris Dillow escreveu um artigo sob o mesmo tema.

Mas uma coisa que me ocorre é que me parece, sobretudo acerca da esquerda, haver dois estereótipos quase contrários - por um lado, há a tal tendência para achar que a esquerda será mais emocional e a direita mais racional; mas, ao mesmo tempo, também há uma tendência para achar que os esquerdistas são teóricos frios e abstratos, cuja dita "consciência social" é motivada menos por uma empatia afetiva com as pessoas que sofrem, e mais por uma adesão cerebral a um sistema ideológico para, supostamente, melhorar o mundo (e que daí a darem tiros ou guilhotinarem pessoas de carne e osso em nome da Humanidade e do Progresso abstratos pode ir um saltinho) - creio que Edmund Burke até escreveu qualquer coisa de o espirito revolucionário ser o resultado da mentalidade dos geómetras e dos químicos, que levariam para a política a mentalidade criada nos seus diagramas e tubos de ensaio.

Essas duas visões talvez não sejam necessariamente contraditórias, mas parece-me haver uma potencial tensão entre elas (uma confissão pessoal - fazendo uma auto-análise, acho que a segunda descrição aplica-se mais a mim que a primeira; a maior parte dos leitores não me conhecem pessoalmente, mas duvido que alguém que me conhecesse fosse dizer que eu teria "coração mas não razão", ou coisa assim). Ou será que se trata de esquerdas diferentes, e o estereótipo do "coração sem razão"/"bleeding hearts" será mais dirigido à soft left anglo-saxónica, e o do "teóricos abstratos e geométricos" à esquerda revolucionária continental?

Monday, October 05, 2015

Se António Costa fosse do PSD

Nesta altura estaria a defender a demissão de Passos Coelho da liderança do partido e a apresentar-se como candidato à sucessão.