Monday, March 16, 2020

O mundo do Covid-19: "sobreviventes" e "ainda-não-infetados"?

Já se tem se escrito muita coisa sobre o impacto económico da epidemia de Covid-19; mas algo que me ocorreu (e penso não tem sido muito falado) é o impacto económico e social de, daqui a uns meses, passarem a haver dois tipos de pessoas: as que ainda não apanharam Covid-19; e as que o apanharam e se curaram (os "sobreviventes").

Apesar de um ou outro caso de reinfeção, tudo indica que os "sobreviventes" estarão largamente imunizados e provavelmente também não contagiarão outras pessoas, logo é de esperar que daqui a umas semanas tenhamos os "sobreviventes" a trabalhar (pelo menos nos trabalhos que não podem ser feitos a partir de casa) e os "ainda-não-infetados" fechados em casa; nem me admiraria que, quando começarem a haver muitos "sobreviventes", comecem a ser emitidos documentos certificativos de que alguém teve o Covid-19 e curou-se, e as quarentenas passem a ser no sentido de proibir totalmente os "ainda-não-infetados" de sair à rua, só sendo os "sobreviventes" autorizados a circular (talvez o exército e a polícia até passem a ter divisões especiais de "sobreviventes", que farão o essencial do patrulhamento).

Será que se isto durar muito tempo não poderá levar  a, mesmo depois da pandemia acalmar, uma sociedade dividida entre "ainda-não-infetados" e "sobreviventes", em que se calhar os segundos serão preferidos para empregos, ou até mesmo como amigos (embora nesse segundo ponto imagino que a dinâmica seja os "sobreviventes" até a não serem particularmente seletivos, e serem sobretudo os "ainda-não-infetados" a fugirem dos outros "ainda-não-infetados" e a procurarem relacionar-se sobretudo com "sobreviventes")?

Thursday, March 12, 2020

O Covid-19 talvez seja sazonal

Talvez.

Temperature and Latitude Analysis to Predict Potential Spread and Seasonality for COVID-19:

A significant number of infectious diseases display seasonal patterns in their incidence, including human coronaviruses. We hypothesize that SARS-CoV-2 does as well. To date, Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), caused by SARS-CoV-2, has established significant community spread in cities and regions only along a narrow east west distribution roughly along the 30-50 N” corridor at consistently similar weather patterns (5-11 degrees Celsius and 47-79% humidity). There has been a lack of significant community establishment in expected locations that are based only on population proximity and extensive population interaction through travel. We have proposed a simplified model that shows a zone at increased risk for COVID-19 spread. Using weather modeling, it may be possible to predict the regions most likely to be at higher risk of significant community spread of COVID-19 in the upcoming weeks, allowing for concentration of public health efforts on surveillance and containment.
Ver como a infeção evolui em Portimão (onde estamos com paraticamente um tempo de Primavera) nos próximos dias poderá sar uma pista.

Ver também COVID-19 And Its Weather Dependency, por Razib Khan.

Monday, March 02, 2020

Os três blocos judeus de Israel

Há tempos li um artigo chamado Nobody hijacked Israel. It's just not what its pioneers thought they'd created, publicado pelo Times of Israel.

O entrevistado nesse artigo faz uma distinção entre os judeus da Europa (os sobreviventes de Varsovia, os pioneiros dos kibbutzim, etc., que continuam a moldar muito a ideia que se tem de Israel) e os judeus oriundos do Médio Oriente, que atualmente serão metade da população judaica (e com tendência a assimilar os descendentes dos judeus europeus):

Many Israelis think the basis of the country is the European Jewish world — Herzl and Ben-Gurion — and that the Jews of the Middle East then came and joined that story. I think it’s the opposite: Israel is part of the continuum of Judaism in the Muslim world, together with the remnants of European Jewry. (...)

Some of the people who have traditionally affiliated with the left, with the so-called elites, are gravely disappointed: They imagined Israel being Vienna. And it’s much closer to Alexandria. It’s not socialist. It’s not secular. It’s Middle Eastern. It makes perfect sense that it’s a lot more like Alexandria, but lots of people are very disappointed by that. When you hear anger at “the right” or “the religious,” often it’s really about this. They ask: Who are these people from the Middle East who hijacked our country?
Até aqui isto não teria nada de especial - é a velha conversa dos asquenázis e dos sefarditas; a particularidade é o autor  considerar que os judeus da ex-URSS, mesmo que culturalmente "europeus", acabaram por funcionar como uma espécie de "médio-orientais" honorários:
I remember that the late Amnon Dankner, a prominent journalist, a member of what some might call the Ashkenazi elite, wrote an article [at the time of the influx of hundreds of thousands of Jews from the former Soviet Union 30 years ago], saying basically, Great, the Russians will save us from becoming swamped by the Middle East. They play piano. They love the opera. They do math. A million Ashkenazim, they’ll redeem the European country we hoped to have.

The irony is that in many ways, the new Soviet arrivals ended up being kind of Middle Eastern. They don’t vote left. Few of them want anything to do with the left. Many of them see a dog-eat-dog world. They see the weak are not respected, but are eaten alive. Never be naive.
Mas dá-me a ideia que a razão porque Israel está a ter eleições semestrais é porque os judeus da ex-URSS (ou parte deles) não estão plenamente alinhados com com nenhum dos blocos; explicando melhor, o grande problema da formação de governos em Israel parece ser o partido Yisrael Beiteinu, um partido de imigrantes da ex-URSS cuja ideologia combina nacionalismo radical com secularismo (creio que uma das suas reivindicações é que os judeus ultra-ortodoxos passem também a cumprir serviço militar), e que por isso inviabiliza qualquer coligação (dificilmente apoiará um governo centrista ou trabalhista apoiado pelos partidos árabes, mas também dificilmente apoiará um governo do Likud apoiado pelos partidos ultra-ortodoxos).

Ou seja, há uma facção significativa dos imigrantes da ex-URSS que é tão nacionalista como os judeus de origem médio-oriental e tão secular como os judeus de origem europeia, e portanto não encaixa em nenhuma das coligações.