Sunday, October 31, 2010

A procura de moeda e a taxa de juro (cont.)

Quer o Keynesianismo nas suas várias formas quer o monetarismo de Chicago continuam a perpetuar falácias prejudiciais.

Como exposto anteriormente, as pessoas alocam o seu rendimento entre Consumo, Investimento e Moeda. Do ponto de vista de um indivíduo, ele decidirá em simultâneo se quer aumentar o saldo monetário versus o que consome versus o que disponibiliza em crédito para terceiros (recebendo um juro) [adenda: ou fazer um investimento como capital].

O aumento ou diminuição da procura de moeda em si mesmo não tem de estar relacionado com variações na alocação relativa entre consumo e investimento. Estas variações afectarão o nível geral de preços, mas depois estabilizará. Assim, uma diminuição da procura de moeda aumenta o nível geral de preços, mas ao contrário da inflação provocada por um banco central, este efeito é comparativamente extremamente limitado e auto-corretivo, as pessoas podem diminuir os saldos monetários até certo ponto e assim a subida de preços assim induzida é limitada também nos seus efeitos; assim como o aumento de saldos monetários (aumentando o número de moeda debaixo de colchão) fará descer os preços, mas tal efeito faz aumentar o poder de compra das moedas já detidas o que por si serve de força contrária até um ponto de estabilização.

A outra falácia a ser exposta é que a taxa de juro não se relaciona diretamente com a dita produtividade do capital. Se um dado bem de capital (imaginemos uma máquina inventada com determinadas matérias e por uma determinada especialização de recursos humanos) por alguma razão aumenta significativamente a produtividade, o efeito que terá é o seu preço relativo (e dos seus custos de produção, as matérias com que é produzida, os salários médios) aumentar até ao ponto do lucro se tornar normal.

A taxa de juro é assim a concretização de uma preferência entre consumir hoje e ter uma capacidade adicional de consumir no futuro no valor do juro (ou dividendo, ou valorização de capital). O investidor/empresário procura apresentar projetos que parecem rentáveis dada a taxa de juro.

O paradoxo da poupança, sempre evocado aqui e ali, segundo o qual se as pessoas aumentarem a poupança, diminuem o consumo o que faz diminuir o rendimento pode ser assim solucionado:

- a poupança adicional é canalizada para investimento (a taxa de juro desce, o que aumenta o número de projetos agora rentáveis e antes não) aumentando a produtividade na produção de bens de consumo. O que se perdeu em procura agregada de consumo (diminuindo assim a produção de bens de consumo) hoje ganha-se em aumento da produção de bens de capital

e/ou

- a poupança adicional é canalizada para o aumento de saldos monetários (moedas debaixo do colchão), e o efeito é uma descida limitada de preços nominais, mas a relação entre consumo e investimento continua a estar relacionado com a taxa de juro.

Agora, voltando à questão das reservas fracionárias e a questão inicial posta pelo MM quanto à irrelevância do coeficiente de reservas.

Assim um sistema bancário tenha aproveitado ao máximo o multiplicador monetário e assim estando os depósitos no seu valor máximo permitido por determinado coeficiente de reservas, ele comporta-se como um sistema de reservas de 100% no caso de existir um aumento da procura de moeda… com uma diferença fundamental.

Cada um dos bancos fraccionários está especialmente sujeito a pedidos de transferência entre bancos, e se as reservas forem de 3%, bastarão 4% dos depósitos pedirem a transferência para o banco se tornar insolvente. Numa bolha, onde tudo parece correr bem, e onde a expansão de crédito aproveitada pelos mais espertos ou simplesmente com sorte, é canalizada para a compra de empresas e outros ativos (típico as OPAs com valores recorde, novos máximos no imobiliário, ações, etc.) existe o efeito simultâneo dos Bancos Centrais estarem a injetar reservas e o sistema bancário a expandir os depósitos via multiplicador (pela criação de depósitos no processo de concessão de crédito). No final da bolha, como o efeito da subida de preços se começa a generalizar (os bancos centrais monitorizam apenas os índices de preços no consumidor ignorando tudo o resto, aqui e ali começam a interrogar-se sobre os “asset bubbles”) os bancos centrais começam a diminuir o ritmo de injeção de reservas e a subir as taxas de juro, quando a bolha rebenta e começa o processo de deflação daqueles ativos que mais subiram, o crédito perde o seu colateral (falência de empresas, diminuição do preço das casas, etc) e como no atual sistema bancário o crédito é colateral dos depósitos, começa o movimento de transferências entre os bancos mais fracos para os percepcionados como menos fracos, corridas aos bancos, aumentando a incerteza e provocando o aumento da procura de moeda; sendo que a tal “moeda” mesmo num banco de maior qualidade, está dependente da pouca qualidade da carteira de crédito. Para além disso, os bancos emprestam dinheiro uns aos outros como operação normal de gestão de reservas excedentárias, e nesta situação eles próprios cortam o crédito uns aos outros, tentando recompor o seu nível de reservas para se defender de pedidos de transferências. E aí entram o bancos central e injetam em pânico mais moeda.

E a isto chamam armadilha de liquidez. Bem, é mais a armadilha dos economistas. Vão agora culpar abstratamente a “descida da procura agregada” e assim recomendar que o Estado recorra a crédito para estimular a economia e impedir a falências das empresas e bancos que mais tiraram partido da bolha de crédito.

Re: Re: A procura de moeda

MM escreve: “A baixa dos preços tem um efeito ambíguo sobre a procura de moeda”

Deve ser dito em primeiro lugar que a primeira força em jogo para provocar a descida de preços nominais é o próprio crescimento económico. Perante estabilidade monetária, o crescimento traduz-se na decida nominal de preços e isso mesmo foi observado no período da história de maior crescimento económico, no final do séc. 19, cerca de 1870 a 1900. De resto outra coisa não será de esperar, se imaginarmos uma quantidade fixa de moeda, o crescimento significa a baixa de custos unitários, o que torna possível a produção adicional (com os recursos agora libertados pela baixa de custos) que satisfaz precisamente o rendimento adicional proporcionado pela baixa de custos.

A tese do adiamento de consumo fica assim posta de lado, os preços baixam porque os custos baixam e a procura se mantém, ou seja, para os preços baixarem a procura no mínimo mantém-se mas libertando capacidade produtiva ou rendimento para produtos adicionais. Assim, não é de todo certo que se possa afirmar que se os preços baixam a procura de moeda sobe, e até pelo contrário. Se os preços baixam, o poder de compra dos atuais saldos monetários detidos em média pelas pessoas e empresas sobe, portanto, para manter a mesma proporção de poder de compra versus nível geral de preços, uma pequena parte quantitativa tem de ser agora utilizada, precisamente aquela parte marginal que confere agora a capacidade adicional de consumo – sendo isso a materialização do crescimento económico. E esta é assim uma descida de preços benigna.

Outra análise é o que se passa perante um crise económica e bancária e um aumento geral da incerteza. Os preços nominais dos produtos e ativos que mais subiram e foram inflacionados terão de descer (ações, imobiliário, bens de capital, etc.) e assim outras forças entram em concorrência.

A inflação só induzirá um aumento da procura em estágios disfuncionais (em hiperinflação dá-se a fuga para bens reais), em inflação antecipada, os preços limitam-se a subir. Os efeitos reais seriam neutros se fosse possível afirmar que pelo caminho não há beneficiários e perdedores, sendo certo que prejudica o cálculo económico.

(estou a editar e publicar este post utilizando o windows live writer, espero que corra bem).

Re: Re: Acumulação de moeda e reservas fraccionárias

Nos comentários ao seu post Re: Acumulação de moeda e reservas fraccionárias, o CN escreve "Na verdade, o sistema funciona com coeficiente zero, porque os bancos expandem os depósitos e quanto é necessário o banco central injecta mais reservas ou vice-versa, existindo confusão entre moeda adicional para suportar as trocas e moeda adicional para dar crédito adicional."

Curiosamente, isso acaba por ser mais ou menos (em termos de juízos de facto, não de juízos de valor) a posição que Paul Krugman, no século passado, defendeu em "Vulgar Keynesians", em que critica a facção dos keynesianos que defendia que a poupança era má, que redistribuir dinheiro a favor dos grupos sociais que mais consomem era bom, etc. (isto é, mais ou menos as posições que Krugman tem defendido nos últimos 2 ou 3 anos):
Consider, for example, the "paradox of thrift." Suppose that for some reason the savings rate--the fraction of income not spent--goes up. According to the early Keynesian models, this will actually lead to a decline in total savings and investment. Why? Because higher desired savings will lead to an economic slump, which will reduce income and also reduce investment demand; since in the end savings and investment are always equal, the total volume of savings must actually fall!
      
Or consider the "widow's cruse" theory of wages and employment (named after an old folk tale). You might think that raising wages would reduce the demand for labor; but some early Keynesians argued that redistributing income from profits to wages would raise consumption demand, because workers save less than capitalists (actually they don't, but that's another story), and therefore increase output and employment.

Such paradoxes are still fun to contemplate; they still appear in some freshman textbooks. Nonetheless, few economists take them seriously these days. There are a number of reasons, but the most important can be stated in two words: Alan Greenspan.
      
After all, the simple Keynesian story is one in which interest rates are independent of the level of employment and output. But in reality the Federal Reserve Board actively manages interest rates, pushing them down when it thinks employment is too low and raising them when it thinks the economy is overheating. (…)

But putting Greenspan (or his successor) into the picture restores much of the classical vision of the macroeconomy. Instead of an invisible hand pushing the economy toward full employment in some unspecified long run, we have the visible hand of the Fed pushing us toward its estimate of the noninflationary unemployment rate over the course of two or three years. To accomplish this, the board must raise or lower interest rates to bring savings and investment at that target unemployment rate in line with each other (…).

To me, at least, the idea that changes in demand will normally be offset by Fed policy--so that they will, on average, have no effect on employment--seems both simple and entirely reasonable.

Agora isso depende muito da ideia que se tenho sobre a forma como a procura de moeda interage com a taxa de juro:


O modelo "A" é basicamente o que penso ser a visão de Milton Friedman, em que (para um dado volume de rendimento e de preços), a procura de moeda seria constante (ou, na liguagem dele, a "velocidade de circulação da moeda" seria fixa.

O modelo "B" é a visão keynesiana usual, em que quanto maior a taxa de juro, menos riqueza as pessoas preferem ter sob a forma de moeda e mais sob a forma de activos financeiros.

O modelo "C" é uma variante do modelo "B", mas com a peculiaridade que, a certa altura, a "procura de moeda" tende para o infinito (a chamada "armadilha de liquidez").

E quais são as consequências de uma expansão da "oferta de moeda" pelo banco central em cada caso (imaginem um linha vertical "oferta de moeda" nesses gráficos, e agora imagem-na deslocando-se para a direita)?

Nos casos A e B (muito mais forte no caso A), o resultado será uma redução da taxa de juro, o que por sua vez irá aumentar o investimento e "estimular" a economia (depois as opiniões dividem-se sobre se esse estimulo vai originar crescimento económico sustentado, inflação ou um boom artificial que terá que ser corrigido com uma recessão mais tarde).

No caso C, o resultado de aumentar a moeda em circulação é, simplesmente, as pessoas acumularem mais moeda, sem isso em nada afectar os juros e a economia real.

Ou seja, se o caso C exisitir na realidade (e é discutível que o exista), o banco central poderá fartar-se de expandir a moeda que o "estimulo" sobre a economia será nenhum ou quase.

Re: A procura de moeda

Sobre este assunto, o CN escreve:

Um aumento de procura de moeda não deve ser visto como uma procura de X unidades adicionais de moeda, mas sim como um aumento de reserva de poder de compra. Ora, o primeiro efeito que um aumento da procura de moeda tem é a de proceder a uma baixa de preços nominais. E este efeito é curioso. Dado que o objectivo final é o aumento de poder de compra detido sob a forma de unidades de moeda, o aumento da procura de moeda tem o efeito cumulativo de descer os preços nominais e assim aumentar o poder de compra da anterior quantidade de moeda o que faz com que ex-post, o número de unidades de moeda necessário para atingir um dado poder de compra final-objectivo será menor que o ex-ante esperado (dado o nível geral de preços ex-ante e ex-post). E este é também um argumento contra a deflaçãofobia nas doutrinas económicas correntes, à medida que os preços vão caindo, o poder de compra dos saldos monetários prévios vai aumentando até um ponto onde o incentivo a serem utilizados é cada vez maior. Existe um efeito auto-correctivo que note-se com grande importância, não existe na inflação quantitativa de moeda (operada em norma em consonância entre os regime políticos e o sistema monetário).
A baixa dos preços tem um efeito ambíguo sobre a procura de moeda: por uma lado, preços baixos originam (para a mesma procura real de moeda) menor procura nominal (pelos mecanismo apresentados pelo CN); mas, por outro, preços a baixar originam maior procura real de moeda (já que, se a inflação é negativa, acumular moeda torna-se um melhor investimento) - note-se a distinção que faço entre "preços baixos" e "preços a baixar".

Ou seja, a longo prazo uma deflação em principio vai originar menor procura nominal de moeda, mas a curto prazo até a pode aumentar (mutatis mutandis para a inflação - sobretudo se for muito alta, o primeiro efeito da inflação será levar a pessoas a quererem se livrar da moeda que têm em mãos o mais depressa possível).

Saturday, October 30, 2010

O realismo crítico dialéctico

Indeed dialectical critical realism may be seen under the aspect of Foucauldian strategic reversal of the unholy trinity of Parmendean/Platonic/Aristotlean provenance; of the Cartesian-Lockean-Humean-Kantian paradigm, of foundationalisms (in practice, fideistic foundationalisms) and irrationalisms (in practice, capricious exercises of the will-to-power or some other ideologically and/or psycho-somatically buried source) new and old alike; of the primordial failing of western philosophy, ontological monovalence, and it's close ally, the epistemic fallacy with it's ontic dual; of the analytic problematic laid down by Plato, which Hegel served only to replicate in his actualist monovalent analytic reinstatement in transfigurative reconciling dialectical connection, while in his hubristic claims for absolute idealism he inaugurated the Comtean, Kiekegaardian and Nietszhean eclipses of reason, replicating the fundaments of positivism through its transmutation route to the superidealism of a Baudrillard. (Plato, etc. p.215)
[Por Roy Bhaskar - via A Very Public Sociologist]

Ouro e o Banco de Portugal (Expresso)

O Expresso noticia a valorização das actuais reservas de cerca de 382,5 toneladas de ouro (cotação de fecho 1359 Usd/onça), mas do que não fala é que Vítor Constâncio até 2006 vendeu cerca de 300 toneladas de ouro a um preço médio que estimo de memória perto 1000 Usd/onça menos do que a actual cotação (ou seja 360 Usd/onça). Voltarei aqui para fornecer a valorização perdida decorrente da venda dessas 300 toneladas a 360 Usd/onça em vez de as continuar a deter agora com valor de mercado de 1360 usd/onça).

Recordo que a "press release" da, creio, última venda deste bloco de 300 toneladas (o preço estaria perto dos 400 Usd/onça) se dizia qualquer coisa como: tirar partido do movimento especulativo no ouro. Viu-se, subiu mais quase 1000 Usd/onça.

Devo dizer que as operações de venda têm sido comuns a todos os Bancos Centrais e é irónico observar que tendo vendido quantidades substanciais de ouro na última década, a cotação do ouro não tem parado de subir. A minha explicação é que, depois dos Bancos Centrais terem chegado a deter cerca de 2/3 de todas a quantidade de ouro disponível no mundo (acima do solo), e tendo passado agora para menos de 1/3, foi precisamente o efeito conjugado da inflação monetária contínua, da expansão de crédito que provoca as bolhas e as crises bancárias, e paradoxalmente o facto de mais ouro estar em termos quantitativos na posse de privados, que facilitou o retomar do seu papel imutável de bem real de troca, cuja distribuição agora se tornou novamente possível pela generalidade da população, havendo já pontos de distribuição de ouro amoedado e em barra via máquinas na via pública.

A prova que os economistas na sua grande maioria não percebem bem o que é moeda é a sua total incompreensão sobre a utilidade do ouro e cuja explicação é na verdade simples: o serviço que o ouro (e outros equivalentes mas comparativamente de menor qualidade, como a prata) providencia é somente a sua quantidade ser o mais fixo e estável (nem decrescendo nem crescendo) que se conhece relativamente a qualquer outra substância ou elemento existente na natureza, é isso que lhe dá o valor como moeda, como bem real que facilita as trocas, e a sua selecção não-racionalizada ao longo dos séculos a tal se deve. Foi preciso os Estados terem a necessidade de recorrer à inflação de papel para financiar os défices em especial provocados pelas Primeira Guerra Mundial e a doutrinas económicas cheia de falácias sobre a utilidade de uma moeda elástica gerida claro por economistas (como se soubessem o que fazem, como se pode ver com a hiper-inflação dos anos 70 e o acentuar das bolhas e crises contínuas) para legislarem o roubo do ouro detido pela população e declarar a proibição do seu uso como moeda. Suponho que a isto se chama, "deixou de funcionar".

O sistema bancário claro, desde os primeiros bancos que arranjou esquemas para conseguir inflacionar o papel moeda e os registos de depósitos que deveriam corresponder a reservas realmente detidas (daí o termo depósito, e o contrato de depósito civil é muito claro), de modo a poder fabricar crédito sem ter que captar poupança monetária prévia e a isso se devem as grandes bolhas e crises bancárias antes do século 20. Foi o complexo poder-político-banqueiros que sempre conspirou contra o ouro e nem que intuitivamente mesmo os economistas de esquerda deveriam perceber que o ouro está do lado das populações e é precisamente a melhor barreira contra a financiarização da economia que tende a concentrar poder financeiro à volta da capacidade de criação de crédito sem poupança monetária anterior, e que beneficia os primeiros receptores de novas quantidades de moeda: bancos e grandes credores, ambos os quais os que mais protegidos são quando as inevitáveis crises económicas e bancárias têm lugar... e ajudados como? sendo os primeiros receptores das injecções de mais moeda e crédito por parte das autoridades monetárias e perante o acordo nervoso do regime de esquerda e direita que tem horror a pensar das consequências: o total descrédito de todo o regime do estado moderno.

Monarquia e democracia, descentralização e centralização

A respeito desta discussão entre Rui Botelho Rodrigues e Manuel Rezende, penso que os que fazem a associação "monarquia = descentralização; democracia = centralização" estão a confundir correlação e causa.

Sim, é verdade que há uns séculos atrás os Estados eram mais descentralizados e normalmente eram monárquicos, mas creio que não eram descentralizados por serem monárquicos - afinal, há uns 400 anos atrás, a Suíça quase-democrática e a monarquia electiva e parlamentar polaca (em que a percentagem da população com direito a voto se calhar era maior que na I República portuguesa) eram provavelmente dos Estados mais descentralizados da Europa; em compensação, a centralização francesa (que os "contra-revolucionários" atribuem à Revolução) é largamente obra dos Bourbons, a começar por Louis XIV, que abriram o caminho para Robespierre e Napoleão (um dado curioso - a revolta dos "bonnet rouge" contra os impostos de Luís XIV e a "conspiração de Pontacallec"  contra a Regência ocorreram mais ou menos na mesma zona onde viria a ocorrer a chouannerie).

Então qual é o motivo que faz parecer existir essa associação "monarquia = descentralização; democracia = centralização"? Eu suspeito que é o progresso técnico-científico, que por um lado favorece a democracia (já que cria um ambiente de desconfiança perante a tradição e autoridade) e por outro a centralização (já que torna mais eficientes os meios de transporte e comunicação, tornando mais fácil gerir tudo a partir da capital).

Friday, October 29, 2010

Austrian Capital-based Macroeconomics:

da autoria de Roger Garrison, com o GoogleDocs, é melhor expandir a janela.

Thursday, October 28, 2010

Regulamentação e "enviesamentos cognitivos"

Not All Biases Are Created Equal, por "The Streetwise Professor":

Matt Ridley (...) reminds us that regulators can have cognitive biases too.

This is a pretty unexceptional point. But it raises the question. If both individual decision makers in markets and regulators are both subject to cognitive biases, isn’t it kind of a push?

I say no. Decisively no. For two reasons.

First, the feedback mechanisms are different. Individual decision makers are subject to market feedback, and this feedback is often quick and ruthless. For instance, an individual trader who uses a biased decision rule is likely to lose money, and often a lot of money. (...)

In contrast, politicians and regulators face very weak feedback, and often no feedback or perverse feedback. (...) [A] regulator that makes a boneheaded decision is largely immune from being fired, and may well be working for Goldman by the time the bad consequences of his or her decision comes to light.

Second, regulatory and legislative mistakes are often systemic in their effects, whereas individual decision errors are less likely to be so.  A regulatory or legislative mistake affects everybody subject to the regulation or law. (...)

In contrast, although herding behavior (correlated cognitive biases) can occur, and may contribute to bubbles and runs and other undesirable outcomes, a lot of individual biases tend to cancel out. (...)

In other words, laws and regulations tend to put all the eggs in one basket.
Eu acho que, pelo menos enquanto existir Estado e capitalismo, há muito boas razões para o Estado interferir com "o livre funcionamento dos mercado" (redistribuição da riqueza, comcorrência imperfeita, etc); mas a razão "proteger os individuos dos seus próprios enviesamentos cognitivos" é uma muito má razão.

Boa piada e estranha

negócios.pt: "Quadros do Banco de Portugal dizem que Estado quer financiar-se com emissão de moeda

...Ou seja, o Estado não pode usufruir do corte de custos que venha a impor ao BdP, já que, para o Estado, essa receita permitiria reduzir o défice e as necessidades de financiamento públicas. O que, indirectamente, corresponderia a uma emissão de moeda, já que os proveitos têm origem na autoridade monetária, violando a proibição de financiamento monetário."

Bem, é só olhar para o balanço do Banco de Portugal ou de qualquer balanço de um Banco Central, o activo é na sua maioria, composto por Dívida Pública comprada obviamente por pura emissão de moeda "out-of-thin-air".

Isso não é financiamento com emissão monetária? Bem, imagino a resposta tipo: isso são o resultado de operações de política monetária em "open market". A contrafacção de moeda sofisticou-se.

Re: Acumulação de moeda e reservas fraccionárias

Depois do post do MM Acumulação de moeda e reservas fraccionárias escrevi primeiro sobre o significado da procura de moeda e agora vou aprofundar a análise:

Podemos visualizar dois casos extremos:

1. Sistema bancário com Reservas de moeda a 100%

2. Sistema bancário com Reservas de moeda a 0% (situação cada vez mais verdadeira, dado que na prática as reservas são já muito baixas e como se pôde ver nesta crise, quando os bancos ficam sem reservas, os bancos centrais "apoiam" o sistema bancário com a emissão da moeda em falta, ou seja, na prática, o sistema funciona como se nenhuma reserva fosse necessária).

No primeiro, se a quantidade total de moeda física for 100, e a procura de moeda aumentar, o que acontece sob condições de estabilidade quantitativa (caso do ouro em que a quantidade produzida anualmente tem pouco impacto)? A quantidade continua a ser 100. Então, o que significa dizer que a procura de moeda aumenta? Os preços baixam e o poder de compra dos mesmos 100 aumentam e assim, a procura de moeda traduz-se num aumento do poder de compra da mesma quantidade inalterada de 100 relativamente ao nível geral de preços.

No segundo caso, o que se passa ou deixa de passar depende se o Banco emite mais moeda e/ou crédito ou não. A teoria vigente é que os bancos centrais devem aumentar a oferta quantitativa de moeda no sentido de responder à procura de moeda de forma a que os preços permaneçam estáveis (isto é, sem inflação nos preços do consumidor), fruto da deflaçãofobia.

Mas ao usarem o índice de preços no consumidor como medida, resulta em ignorar o que se passa com os preços de activos e de bens de capital; além disso reina uma confusão entre procura de moeda e a procura de crédito.

O aumento da procura de moeda a dar-se (normalmente por aumento da incerteza) em substância é a procura do aumento do poder de compra detido em moeda relativamente ao nível geral de preços (não um aumento da quantidade de moeda por si mesmo) e assim, na medida em que os preços baixam esse aumento da procura de moeda é satisfeito. O que equilibra a procura de moeda é o nível geral de preços.

A segunda, em substância, é a procura de poupança anterior (capital) necessária para suportar os investimentos enquanto estes são deficitários (curiosamente, este défice no limite é constituído precisamente pelo conjunto de salários a pagar antes da obtenção de receitas - o capital é assim uma expressão de salários a pagar por antecipação de receitas em relação às quais nem são certas e frequentemente não são suficientes levando a perdas, a mão de obra é a primeira beneficiária do capital ao contrário do que é intuído). O que equilibra a procura de crédito com a poupança prévia é a taxa de juro.

Mas voltando à questão inicial: podemos visualizar esse caso extremo (que como vimos é até muito parecido com o actual sistema monetário) se pensarmos na existência de um único Banco e numa única moeda.

Numa armadilha de liquidez, as pessoas procuram moeda e assim a poupança traduz-se numa alternativa quer à poupança como investimento quer ao consumo. Esse é o pesadelo Keynesiano (que é interpretado mais como uma causa do que como uma consequência). Isto faz sentido num sistema em que a moeda física (como o ouro) pode existir com expressão fora do sistema bancário. O argumento evocado é que desta forma quer o consumo quer o investimento caiem (mas a resposta austríaca é que em si mesmo a procura de moeda não constitui um problema estrutural, o consumo e investimento real ceteris paribus não tem de alterar-se se a única alteração é o aumento da procura de moeda).

Mas num sistema monetário de reservas parciais (em especial se forem zero) toda a moeda é ao mesmo tempo crédito, ou seja, na própria lógica do edifício que suporta o actual sistema, onde a moeda não deve "estar parada" (razão pelo qual vários economistas com fobia de tal coisa, tenham proposto formas de acabar totalmente com as moedas e notas, forçando que toda a moeda esteja nos bancos em depósitos à ordem...e um dia creio que a isso vão chegar...coisas da vontade geral) a "moeda" é sempre crédito, por isso, no seu próprio edifício onde a causa das crises é essa procura de moeda ou armadilha de liquidez, algo não bate certo.

E para bater certo vão ter de socorrer-se da teoria que pretendem ignorar, porque é a própria expansão de crédito permitido pelas reservas parciais (sistema que a doutrina económica vigente suporta para não haver "dinheiro parado", porque isso é tirar crédito à economia) que leva a que uma bolha se forme e que quando rebenta põe em causa a solvabilidade e liquidez dos bancos com reservas parciais o que induz a uma procura de moeda, que hoje em dia, se traduz por pedidos de transferências pelos clientes de um banco considerado perto de falir para outros bancos que por alguma razão consideram mais seguros, ao mesmo tempo claro, que a economia tem de andar para trás para liquidar investimentos e negócios sem sustentação. Como os bancos centrais e o regime político têm pânico de falências bancárias, com toda a certeza irão sempre inflacionar o sistema para responder à falta de reservas/moeda necessários para os bancos poderem responder a pedidos de transferência, chamando a isto "armadilha de liquidez".

As negociações do Orçamento?

Wednesday, October 27, 2010

PDF protegidos

Porque é que algumas pessoas se dão ao trabalho de divulgar documentos sob a forma de PDF "protegidos" (que não se podem copiar nem imprimir)?

É que é mais ou menos que sair de casa, não trancar a porta mas dar-me ao trabalho de a atar com um cordel para ninguém a conseguir abrir.

Stop Worrying and you will not be worried

Num artigo da muito interessante Business Insider com o nome de "There's No Proof That Easy Money Causes Asset Bubbles, So Stop Worrying About The Wrong Problem"

"Adam Posen, a member of the Bank of England's Monetary Policy Committee, argues in a new speech that easy monetary policy, such as we are experiencing right now in the U.S., doesn't cause asset price bubbles as many like to suggest."

E diz assim Adam Posen:

"For monetary policy to be the source of a bubble, the relative price of one part of the economy (here financial and real estate assets) has to be pumped up by a blunt instrument that usually affects all prices in the economy. And it has to do so in such a way that the relative price shift either does not raise expectations of a countervailing shift in monetary policy in the near future"

Portanto... diz-se que as bolhas de activos não são provocadas por expansão monetária porque para isso era preciso ter a expectativa que as taxas de juro não subissem mais tarde.

Ora mas... os economistas em geral e os bancos centrais em particular nunca deram grande coisa pela possibilidade das bolhas serem sua culpa (expansão monetária/crédito) só reagindo sim ao índice de preços no consumidor (o qual o facto de ser relativamente modesto durante uma bolha de preços de activos é explicado precisamente porque existe ... uma bolhas de activos e a subida de preços não se dá assim nos produtos finais ao consumo mas... nesses activos!), mas o engraçado é que... ao afirmar que não deve ser culpa da expansão monetária contribui para a expectativa que os bancos centrais não reagem por natureza (expectativa o qual diz que é condição necessária para existir bolha....), enfim, confusos?


Depois cita exemplos das condições de pós-bolha (Japão, claro), que evidentemente, dado a inflação anterior provoca as tendências deflacionista posteriores (e que são um processo de cura, não a doença), mas o que motiva a confusão reinante, dado que o diagnóstico é confundir a deflação (consequência com a causa (o processo de inflação anterior).

Também afirma que no caso da bolha no Japão a expansão monetária não é justificação suficiente para explicar a bolha, que é necessário existir expectativa da subida de preços....

Mas é a expansão monetária que alterando o equilíbrio de preços e da relação entre poupança e investimento (taxa de juro artificialmente baixa) provoca uma contínua sobre-expectativa de preços, que alimenta a expansão de crédito para investir e comprar activos adicionais.

No final do processo, e da bolha rebentar, aparece outra vez este Adam Posen a dizer que não há prova que é culpa da expansão monetária porque agora a taxa de juro é zero e não existe crescimento nem inflação.

Mas sem essa expansão original, a "expectativa" mesmo que existisse como variável independente, faria subir a taxa de juro ao ponto que a análise de investimento daria como inválida a sua rentabilidade, o que faria a bolha de expectativas parar nos primeiros estágios.

Ei, mas não há problema, Stop Worrying and you will not be worried.

Monday, October 25, 2010

Sobre a direita keynesiana

Keynesian Cons, por Sheldom Richman, no American Conservative.

Este texto vai de acordo com uma teoria que tenho há algum tempo: de que a "economia do lado da oferta" é um truque para os governos conservadores fazerem uma política keynesiana (tentar estimular a economia através de deficits) fingindo que não o estão a fazer.

Ralph Nader sobre a esquerda, a direita e a aliança estado/grande capital

Where Left and Right Converge, no Wall Street Journal:

Earlier this year, Barney Frank and Ron Paul convened the Sustainable Defense Task Force, consisting of experts "spanning the ideological spectrum." They recommended a 10-year, $1 trillion reduction in Pentagon spending that disturbed some in the military-industrial complex.


Other members of Congress were surprised by this improbable combination of lawmakers taking on such a taboo subject. But the spiral of bloated, wasteful military expenditures documented by newspapers has reached the point where opposites on the political-ideological spectrum were willing to make common cause.

A convergence of liberal-progressives with conservative-libertarians centering on the autocratic, corporate-dominated nature of our government may be growing. To be sure, there are obstacles to a synthesis of anticorporatist views becoming a political movement.
[Via Sheldom Richman, no Freeman Online]

Esclarecimento sobre o abono de familia

Andam por aí montes de artigos de jornais e conversas de café dizendo que as famílias que ganhem mais do que 600 e pouco euros vão deixar de ter abono de família.

Antes que alguém perca mesmo o abono por acreditar nisso e achar que não vale a pena fazer os papéis, venho (nos meus limites) avisar que isso É MENTIRA.

Esse valor de 600 e tal euros (mais exactamente, 1.5 vezes o indexante de apoios sociais, o que actualmente dá 628,83 euros) refere-se, não ao rendimento da família, mas ao rendimento da família a dividir por [número de dependentes +1].

P.ex., uma família com 2 filhos só perde o abono se ganhar mais do que 1.886,49 euros por mês (1.886,49 = 628,83/[2+1]).

Saturday, October 23, 2010

Solidariedade com os trabalhadores do Vietname

Vietnam: Labour rights advocates face prison (LabourStart):

Three Vietnamese labour rights advocates face 5-15 years imprisonment for helping organise a strike by 10,000 workers at the My Phong shoe factory in January 2010. Doan Huy Chuong, Nguyen Hoang Quoc Hung, and Do Thi Minh Hanh, all in their 20's, have been detained virtually incommunicado since their arrests in February. The trial is expected in late October 2010.
The "crimes" alleged by prosecutors are that Doan Huy Chuong, Nguyen Hoang Quoc Hung, and Do Thi Minh Hanh worked in an organised manner, distributed leaflets expressing discontent about working conditions and about the authorities, and helped workers to organise a strike. All of these activities ought to be legal, under Vietnam's own Constitution and in international instruments to which Vietnam is a signatory. The charges that they encouraged workers to destroy factory properties are without evidence and appear made-up.
Ir aqui para mandar esta mensagem às autoridades vietnamitas - "I call on the Vietnamese government to release jailed labour rights advocates Doan Huy Chuong, Nguyen Hoang Quoc Hung, and Do Thi Minh Hanh."

[Via Molly's Blog]

Os "diários da guerra" do Iraque

Wikileaks:

At 5pm EST Friday 22nd October 2010 WikiLeaks released the largest classified military leak in history. The 391,832 reports ('The Iraq War Logs'), document the war and occupation in Iraq, from 1st January 2004 to 31st December 2009 (except for the months of May 2004 and March 2009) as told by soldiers in the United States Army. Each is a 'SIGACT' or Significant Action in the war. They detail events as seen and heard by the US military troops on the ground in Iraq and are the first real glimpse into the secret history of the war that the United States government has been privy to throughout.

The reports detail 109,032 deaths in Iraq, comprised of 66,081 'civilians'; 23,984 'enemy' (those labeled as insurgents); 15,196 'host nation' (Iraqi government forces) and 3,771 'friendly' (coalition forces). The majority of the deaths (66,000, over 60%) of these are civilian deaths.That is 31 civilians dying every day during the six year period. For comparison, the 'Afghan War Diaries', previously released by WikiLeaks, covering the same period, detail the deaths of some 20,000 people. Iraq during the same period, was five times as lethal with equivallent population size.
 Os "war logs" podem ser pesquisados aqui, ou então talvez seja mais simples ler o dossier do Guardian.

Austeridade, consumismo e recessões

Tomás Belchior, n'O Insurgente, dá a entender que os críticos do "consumismo" deveriam estar contentes com as medidas de austeridade ("Já se esqueceram que uma vida baseada no consumo desenfreado está errada, que o nosso materialismo magoa a Mãe Natureza, que devíamos voltar a ter hábitos “sustentáveis” como tínhamos no passado? É a isto que sabe a transição para uma vida mais simples, mais feliz. Façam bom proveito").

Note-se que o que os "anti-consumistas" costumam dizer é "deveríamos consumir menos e trabalhar menos - se não fossem as necessidades artificiais da sociedade de consumo, poderíamos trabalhar só dois [ou qualquer valor menor que 5] dias por semana e termos mais tempo para actividades de auto-expressão em vez do corrida de ratos consumo estupidificante - trabalho estupidificante", por vezes acompanhado por referências a alguma tribo obscura que, segundo algum antropólogo, não passará tempo quase nenhum a trabalhar.

Essas pessoas não tem grande razão para ficarem contentes com as reduções salariais - realmente têm a redução do consumismo, mas não a concomitante redução do trabalho.

E quanto a despedimentos? Aí realmente têm a redução do consumo e do trabalho (mais exactamente, algumas pessoas reduzem o seu consumo e drasticamente o seu trabalho...); mas o desemprego não é uma situação estável (mesmo com "Estado Social" não é possível alguém sobreviver indefinidamente no desemprego), e, por outro lado, normalmente até leva os não-desempregados a trabalhar mais (para não serem os próximos a serem despedidos), assim também não há grande razão para os anti-consumistas se entusiasmarem com o aumento do desemprego (mas quem procurar bem poderá encontrar alguns artigos dizendo que esta crise é uma excelente oportunidade para levar os desempregados a abandonarem o sistema e fazerem hortas artesanais nos terrenos vazios dos arredores urbanos).

Mas, se em vez de reduções salariais e/ou desemprego, o que houvesse fosse uma redução salarial acompanhada de uma redução equivalente do horário de trabalho (ou seja, em vez de 10% das pessoas irem para o desemprego, 10% de cada pessoa ir para o desemprego*)? Nesse caso, tenho que admitir que até faria sentido os anti-consumistas serem a favor da austeridade, recessões, etc.

Mas isto lembra-me de outra questão (que na verdade é o motivo que me leva a fazer um post sério em resposta a um post a brincar) - quando há uma recessão e o PIB decresce para aí 1%, toda a gente acha uma tragédia; mas na vida individual, uma redução de 1% no rendimento mal se nota (no meu caso, a diferença nos dias do subsidio de refeição leva o meu vencimento oscilar mais que 1% de um mês para outro). O grande problema de uma recessão é que uma queda de 1% no PIB representa para algumas pessoas (nomeadamente as que vão para o desemprego) um queda brutal no seu rendimento pessoal. Mas numa sociedade em que uma queda do PIB de 1% levasse uma redução de 1% no rendimento de quase toda a gente e sairem do trabalho meia hora mais cedo à sexta-feira (ou terem mais dois dias de férias nesse ano), as recessões seriam praticamente inofensivas.

Leitura adicional: Re: Krugman e os ciclos

*dá-me impressão que no fundo é essa a essência do tal acordo que há anos dura na fábrica da Ford-Wolkswagen: em vez de haver despedimentos, os trabalhadores têm aumentos salariais mais reduzidos e dias de folga adicionais (ou seja, em vez de uns serem despedidos, toda a gente é "despedida" um bocadinho - trabalham menos uns dias e ganham um salário menor do que seria noutras condições)

Friday, October 22, 2010

Terrorismo e ocupação

Researcher: Suicide terrorism linked to military occupation, por Laura Rozen:


Robert Pape, a University of Chicago political science professor and former Air Force lecturer, will present findings on Capitol Hill on Tuesday that argue that the majority of suicide terrorism around the world since 1980 has had a common cause: military occupation.


Pape and his team of researchers draw on data produced by a six-year study of suicide terrorist attacks around the world that was partially funded by the Defense Department's Defense Threat Reduction Agency. They have compiled the terrorism statistics in a publicly available database comprising some 10,000 records on some 2,200 suicide terrorism attacks, dating back to the first suicide terrorism attack of modern times — the 1983 truck bombing of the U.S. Marine barracks in Beirut, Lebanon, which killed 241 U.S. Marines.

"We have lots of evidence now that when you put the foreign military presence in, it triggers suicide terrorism campaigns, ... and that when the foreign forces leave, it takes away almost 100 percent of the terrorist campaign," Pape said in an interview last week on his findings.
[Via Reason Hit&Run]

Thursday, October 21, 2010

Medo do governo nos EUA

Percentagem de norte-americanos, por afiliação partidária, que acham/achavam o seu governo como uma ameaça aos cidadãos:


[Via Jesse Walker]

Wednesday, October 20, 2010

O neo-nasserismo de Helena Matos

No Blasfémias, Helena Matos dá voz a um gajo qualquer que diz que nunca houve palestinianos e que o que havia naquele território (tradicionalmente considerado parte da Síria) eram árabes, beduínos, etc., mas não "palestinianos".

Portanto a conclusão que podemos tirar é que, em 1948/49, os fundadores de Israel não expulsaram centenas de milhares de palestinianos, mas sim centenas de milhares de árabes; é falso que desde 1967 mantenham sobre sua ocupação os palestinianos dos "territórios" - na verdade, quem está ocupado pelos israelitas são os árabes dos "territórios"; e os colonatos, barreiras militares, muralhas, etc. que os israelitas constroem na margem ocidental não privam as aldeias palestinianas das suas terras, das suas reservas de água, dos caminhos e estradas que necessitam para circular... não! O que os colonatos, barreiras militares, muralhas, etc. fazem é privar as aldeias árabes das suas terras, das suas reservas de água e dos caminhos e estradas que necessitam para circular.

É uma tese com um passado histórico respeitável - sempre foi largamente a tese da Liga Árabe e dos que se opõem a qualquer "paz separada" com Israel (e por isso consideraram Sadat um traidor), já que para eles o conflito é entre Israel e a "nação árabe" no seu todo, não com qualquer "nacionalidade árabe" em particular. Dentro da OLP é a linha da Saika (que pretende, não uma Palestina independente mas um mega-estado pan-árabe dirigido pelo Baath sírio) e da Frente de Libertação Árabe (a mesma coisa, mas sob a liderança do Baath iraquiano); até certo ponto, era também a posição do Movimento Nacionalista Árabe / Frente Popular para a Libertação da Palestina, inicialmente fãs de Gamal Abdel Nasser e da "República Árabe Unida" (até à Guerra dos Seis Dias e a retirada egípcia do Iemén os terem desiludido com o regime do Cairo).

A tese de que toda aquela região sempre foi chamada de "Síria" (e, concomitantemente, que  "Israel", "Líbano" e "Jordânia" são "criações artificiais do imperialismo") também sempre foi popular entre o regime sírio, nomeadamente para justificar as suas pretensões de tutela sobre o Líbano.

Já tenho mais dificuldade em perceber alguns defensores da política israelita alinharem pelo mesmo diapasão (discutir sobre se os palestinianos são um povo em si ou apenas parte do povo árabe pode ser relevante para os conflitos internos dentro da OLP, mas não vejo em que altere muito os dados do conflito israelo-árabe/palestiniano).

Mas a deriva nasserista/baathista/pan-árabe de Helena Matos cai no erro de todos os nacionalismos que julgam que o que faz uma nação é um passado partilhado; não é - o que faz uma nação é o desejo de viver um presente e um futuro partilhado (e quando esse desejo existe, facilmente se inventa esse tal passado partilhado) - o caso mais paradigmático é mesmo o de Israel (uma nação deliberadamente criada por indivíduos que decidiram, de forma racional e voluntarista, constituir uma nova nação em vez de continuarem a pertencer às nações em que tinham vivido durante séculos), mas praticamente todas as nações surgidas no século XX andam lá perto (há uns séculos atrás, quem ouvia falar em "checos"? O que havia era "boémios", "morávios" e talvez mais um ou outro grupo; e que moçambicanos havia no século XIX? E paquistaneses antes da partilha da Índia? E bangladeshis? E os moldavos, que só são uma nação porque viram que a Roménia estava ainda mais falida que eles? E , já agora, em 1760 qual era a diferença entre o que veio a ser os EUA e o que veio a ser o Canadá?).

A verdade é que os "palestinianos" poderiam ser tão só e apenas "árabes" durante séculos, mas a partir do momento em que, após 1948, nos campos de refugiados começaram a aparecer grupos "palestinianos", que tiverem que lutar tanto contra Israel como contra a repressão jordana e egípcia (o primeiro morto da Fatah foi morto pelos jordanos, não pelos israelitas), surgiu uma identidade nacional palestiniana, distinta (embora não necessariamente contraditória) da identidade árabe, como das identidades tribais e clânicas pré-existentes. E a prova disso é que durante décadas o grupo palestiniano mais importante foram os "nacionalistas palestinianos" da Fatah, enquanto nunca ninguém ligou muito aos "nacionalistas árabes" da Saika ou da FLA, nem à primeira direcção da OLP, de Ahmed Shukeiri (que havia sido largamente escolhida pela Liga Árabe) - ou seja, os "palestinianos" consideram-se um povo, e é isso que os faz um povo (creio que foi Alexandre Herculano - será que os liberais do Blasfémias não o leiem?! - que disse "Nós somos portugueses porque quisemos ser portugueses").

[publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Monday, October 18, 2010

Patentes e Pirataria

The Real IP Pirates, por Stephan Kinsella, sobre a origem das "patentes" (ironicamente, uma "patente" era uma autorização que o Estado concedia a um pirata - destes, não destes - para poder "piratear" legalmente).

Sunday, October 17, 2010

PIB vs. satisfação do consumidor? (II)

Já agora, ocorre-me outros exemplos de como o PIB pode não reflectir a verdadeira produção e satisação dos consumidores:

- se dois países entrarem em guerra, o dinheiro que cada um gasta a destruir o outro (em armas, munições, pagamento aos soldados e a "agências de segurança", etc.) conta para o PIB respectivo, mas é duvido que essa despesa corresponda a algum benefício

- se alguém passar uma noite a corrigir artigos da wikipedia, esse trabalho em principio tem utilidade (pelo menos para as pessoas que irão ler esses artigos) mas não tem qualquer efeito para o PIB

- e temos o exemplo clássico do reformado que se casa com a enfermeira que cuida dele, fazendo descer o PIB

PIB vs. satisfação do consumidor?

The X Factor & the Easterlin paradox, por Chris Dillow:

This highlights a conflict between consumer surplus and GDP. Form the point of view of consumer surplus, it might well be better for one CD to be bought and heard ecstatically 100 times. But from the point of view of GDP, it’s better for 10 CDs to be bought and heard tolerably a couple of times.

Thursday, October 14, 2010

O tal "planeta (eventualmente) habitável" existe?

Um… That “Goldilocks” Exoplanet May Not Exist, por Jennifer Welsh:

A group of Swiss astronomers announced yesterday at the International Astronomical Union’s annual meeting in Turin, Italy, that they couldn’t detect the “goldilocks” exoplanet found by U.S. researchers a few weeks ago. That news of that planet, dubbed Gliese 581g, generated much excitement, since researchers said it was only three times the size of Earth, and it appeared to lie in the habitable zone where liquid water could exist on the surface.

It didn’t take long for some cold water to be thrown on the astronomical community and the space-loving public. Presenter Francesco Pepe and his colleagues claim that it will be years before the data is clear enough to see such a planet. (...)

Such small planets are very hard to find. Astronomers discover these planets by calculating how they interact with the star they orbit, making it wiggle ever so slightly. The American team that identified the planet a few weeks ago saw the wiggles when analyzing a combination of two sets of data.
[Via Marginal Revolution]

Tuesday, October 12, 2010

Redes vs. hierarquias

Why Self-Organized Networks Will Destroy Hierarchies — A Credo, por Kevin Carson no C4SS:

Hierarchies are systematically stupid and inefficient, for the following reasons.

1. Hayekian information problems: The people in authority who make the rules interfere with the people who know how to do the job and are in direct contact with the situation. The people who make the rules know nothing about the work they’re interfering with. The people who make the rules are unaccountable to the people who do know how to do the work. Consequently, all authority-based rules create suboptimal results and irrationality when they interfere with the judgment of those in direct contact with the situation.

People in authority make stupid decisions because the people who know more than they do are their subordinates, and the only people who can hold them accountable know even less than they do.

(...)

2. Groupthink: Hierarchies systematically suppress negative feedback on the results of their policies. As R.A. Wilson said, nobody tells the truth to a man with a gun. Hierarchies are very good at telling naked emperors how good their clothes look.

Hierarchies also systematically suppress critical thinking ability in their members. Psychological studies have found that people in positions of authority become less likely to evaluate communications based on their internal logic, and instead evaluate them based on the authority of the source.

Solteiros e Casados

Single bloggers, por Chris Dillow:

Lots of people have had fun with these remarks from Andrew Marr. But there’s something that strikes me as very odd:
A lot of bloggers seem to be socially inadequate, pimpled, single, slightly seedy, bald, cauliflower-nosed, young men sitting in their mother's basements and ranting
It’s that use of “single” as a term of abuse.

The thing is, I’ve been single all my life and I’ve often thought that this was, if anything, an advantage in writing. This is simply because I’m single because I don’t fit in - where the hell would I find someone I had anything in common with?* - and this not fitting-inness gives me an orginalish perspective. My singleness and my post-ambition anti-managerialist Marxism are two sides of the same coin.

So, why does Marr think it a bad thing in a writer to be single? I’d suggest two hypotheses - which are perhaps related to the curious fact that Cabinet ministers are disproportionately married.

First, the job of the newspaper columnist is not to be original, but to echo the readers’ prejudices. This is much better done by someone who fits in, who is a simple, marriageable stereotype (...).

Secondly, the job of the columnist is to pitch it strong - to overlook ambiguous evidence and bounded knowledge, and to not express self-doubt. And the confidence that comes from being married - or at least from being marriagable - helps in this respect.

Protecção ao consumidor

Recebo constantemente spam de uma revista que até já sou assinante, e que recorre muito a publicidade duvidosa (p.ex., as ofertas de assinatura estão sempre associadas a uns "prémios" e "sorteios", e nunca se percebe muito bem se os "prémios" são para quem se tornar assinante, ou se isso apenas leva à inclusão num sorteio).

Será que me devia queixar à DECO?

Monday, October 11, 2010

Escravos cognitivos?

 Cognitive Slaves, por

The companies that have created the most new value in the last decade, are Internet companies like Facebook, Google, etc.  They've created hundreds of billions in market value, driven by billions in financial profits.  Good for them, but bad for us.

Why?  IF these companies represent the most valuable new industry of the early 21st Century, where are the jobs that will provide prosperity for millions today, and potentially tens of millions in the future?  They don't exist.  These companies create few real jobs.

The distressing part is that in reality these companies actually employ hundreds of millions of people, particularly young and otherwise un or underemployed superusers.  People that work for them day in and day out for free: finding, sifting, sorting, connecting, building, etc.

Let's take Facebook as an example.  Currently it's valued at ~$25 billion by the market.   However, it could be argued that ~100,000 superusers out of 500 million part time users, are the reason that Facebook is valuable.  They generate the core network that is the backbone of the tool.  Their devoted use, high levels of connectivity, and loyalty forms the engine that grows Facebook, year in and year out.  They are the materials, labor, and product of Facebook's assembly line.  Yet they aren't paid for their effort.  They aren't generating wealth for themselves or their families. 

Advogados anti-pirataria "pirateam-se" uns aos outros

Antipiracy lawyers pirate from other antipiracy lawyers, por Nate Aderson (via Jesse Walker / Reason Hit&Run)

Sunday, October 10, 2010

10/10/10, 10:10

Não que eu tenha algo para dizer, mas é uma data engraçada.

Saturday, October 09, 2010

Uma solução para a dívida pública

Primeiro esperar uma altura em que não estivessem previstos novos leilões de dívida pública.

Então, apareceriam alguns blogs anónimos anunciando que o governo se prepara para renunciar ao pagamento da dívida (seria conveniente esses blogs serem montados uns meses antes, e terem entretanto construido um historial de fontes sérias).

Dias depois dessa manobra começar, o ministro das Finanças daroa uma conferência de imprensa sobre um assunto qualquer e um jornalista, de preferência um free-lancer (questão - free-lancers podem assistir a conferências de imprensa?), perguntaria sobre as rumores que Portugal iria deixar de pagar a dívida; o ministro, em vez de desmentir categoricamente, limitaria-se a um "não irei responder a essa questão agora; dentro de dias o Ministério divulgará uma nota informativa sobre o assunto". No dia seguinte "Estado à beira do incumprimento?" faria as capas dos jornais, provocando uma queda do valor dos títulos da divida portuguesa no mercado secundário; para ajudar ao filme, Sócrates poderia ir fazer a Via Algarviana e... desaparecer por uns dias (lançando nos mercados a ideia que Portugal estava à beira do caos).

Com um pouco de sorte, o rating da República cairia como um prego, as yelds da dívida subiriam para a estratosfera e o valor de mercado desta ficaria quase nula (passariam a ser consideradas quase como lixo); então a Caixa Geral de Depósitos (cumprindo ordens que teriam sido previamente dadas para adquirir divida pública caso o seu valor desça abaixo de "x" - questão: isso seria legal?) compraria grande parte dessa dívida a preço de saldo.

Depois disso, Socrátes reapareceria (em Sagres?) e o Ministério das Finanças finalmente faria sair a tal nota informativa dizendo... que Portugal vai continuar a pagar as suas dívidas a tempo e horas e que enviou um processo para o Ministério Público para investigar uma tentativa de manipulação de mercados. Em breve surgiriam rumores que obscuros especuladores haviam orquestrado tudo para tentar adquirir a dívida pública portuguesa a preço quase nulo, só tendo sido impedidos pela pronta acção da CGD que aguentou o seu valor ( a análise dos IP's indicaria que os tais blogs haviam sido actualizados a partir de um país da Ásia Central ex-soviética, um dos "istãos"*).

E pronto - o Estado, via CGD, havia readquirido, a preços muito mais baixos, grande parte da sua dívida, reduzindo-a efectivamente.

Problemas com esta proposta:

- Os tais dias em que iria parecer que o país estava falido poderiam efectivamente provocar uma catástrofe económica-financeira na Europa ou mesmo no mundo (por este mecanismo)

- é possivel que, mesmo com uma grande baixa dos titulos da dívida pública, a CGD não tivesse dinheiro suficiente para adquirir um fracção significativa da dívida

- isto é totalmente inético e provavelmente ilegal - se fosse praticado por privados seria uma mistura de insider trading, manipulação de mercado e sei lá o que mais (mas, por outro lado, aqueles negócios com fundos de pensões também são parecidos com as fraudes estilo Enron e os poderes instituídos não se parecem incomodar com isso)

- a partir do momento em que eu dei esta ideia em público, acho que ela se tornou impraticável

*mudei de ideias - é melhor no Mónaco ou no Luxemburgo: é mais fácil infiltrar lá um português sem chamar a atenção e também soam mais credíveis como base de operações de um "sinistro especulador"

Thursday, October 07, 2010

Ainda a questão de quem é "classe média"

Money, class & power, por Chris Dillow:

It’s being widely claimed that the cut in child benefit for higher-rate taxpayers will lead to “real hardship” for the “middle-middle class.”
My immediate reaction to this is: get a grip. A two-adult, two-child household with an income of £50,000 a year is better off than 63% of the population. You can call this middle if you like, but I doubt if a fund manager who out-performs 63% of his peers would advertise his performance as middling.

Why, then, do we think of such people - and those earning significantly more - as “middle class”?
Isto faz lembrar a discussão entre o Luis Aguiar-Conraria, a Fernanda Câncio e participantes conexos sobre quem é classe média. No entanto Dillow faz outra observação:
But I suspect that something else is going on as well. The reason we don’t describe people on relatively high incomes as upper-class is that they lack something a true upper-class has - power.
Many - most - people on around £50,000 a year lack control over their fate. They are vulnerable to the sack; they can’t choose how long they work (it’s a cliché that “middle class” women are frowned upon if they take time off to look after the kids); and presenteeism traps them into long commutes.

In these respects quite high earners have more in common with minimum wage workers than they do with (some? many?) bosses.

What we think of as the “middle class” is instead - to borrow Erik Olin Wright’s phrase - a contradictory class location. Such people score highly for incomes, but lowly for power.

This, though, raises questions. Why is there so little political demand among the “middle class” for greater empowerment at work? Why are such people so reluctant to identify themselves with others who also lack power?
Uma possível resposta é que não há nenhum movimento significativo para dar poder aos trabalhadores no local de trabalho (o que a maior parte da esquerda actual defende é que o despotismo supostamente malevolente dos patrões seja compensado pelo despotismo supostamente benevolente do Estado), assim como é que a classe média se poderia identificar com esse movimento (inexistente) mesmo que quisesse?
 
Por outro lado, movimentos que pretendem efectivamente dar poder aos trabalhadores, como os anarquistas e os comunistas de conselhos (poderiamos também incluir os trotskistas, quando estes defendiam o controle operário em vez de funcionarem como uma espécie de social-democratas subsitutos) realmente costumvam ser relativamente populares entre a classe média (ou pelos menos entre as suas crias).

[Publicado também no Vias de Facto; podem comentar lá]

Amigos, conhecidos, desconhecidos e normas sociais

Este post de Robin Hanson fez-me lembrar uma velha teoria minha - é sobretudo junto dos "conhecidos" que temos que nos preocupar em ter um "comportamento socialmente aceitável": os nossos amigos normalmente toleram as nossas excentricidades, e os desconhecidos são mais ou menos como feijões gigantes com uma aparência vagamente humana.

Já ouvi várias pessoas comentarem que, no fim de semana, os lisboetas vestem-se de forma mais descuidada que os portimonenses; a explicação que costuma ser sugerida é que andam de fato-e-gravata a semana toda e o fim de semana é para descontrair - mas não poderá ser também porque em Lisboa praticamente não há "conhecidos" (quase todas as pessoas que vamos encontrar, ou são nossos amigos - que não nos vão julgar pela roupa - ou desconhecidos - que nem vão reparar em nós)?

Wednesday, October 06, 2010

Dois tipos de pessoas?

Two Types of People, por Robin Hanson:

I’m about to describe two types of people, A vs. B.  While reading their descriptions I want you to think about which people around you are more like type A or B. Also ask yourself: which type do you respect more? Which would you rather be?

TYPE *A* folks eat a healthier more varied diet, and get better exercise. They more love nature, travel, and exploration, and they move more often to new communities. They work fewer hours, and have more complex mentally-challenging jobs. They talk openly about sex, are more sexually promiscuous, and more accepting of divorce, abortion, homosexuality, and pre-marital and extra-marital sex. They have fewer kids, who they are more reluctant to discipline or constrain. They more emphasize their love for kids, and teach kids to more value generosity, trust, and honesty.
Type A folks care less for land or material posessions, relative to people.  They spend more time on leisure, music, dance, story-telling and the arts. They are less comfortable with war, domination, bragging, or money and material inequalities, and they push more for sharing and redistribution. They more want lots of discussion of group decisions, with everyone having an equal voice and free to speak their mind. They deal with conflicts more personally and informally, and more prefer unhappy folk to be free to leave. Leaders lead more by consensus.

TYPE *B* folks travel less, and move less often from where they grew up. They are more polite and care more for cleanliness and order. They have more self-sacrifice and self-control, which makes them more stressed and suicidal. They work harder and longer at more tedious and less healthy jobs, and are more faithful to their spouses and their communities. They make better warriors, and expect and prepare more for disasters like war, famine, and disease. They have a stronger sense of honor and shame, and enforce more social rules, which let them depend more on folks they know less. When considering rule violators, they look more at specific rules, and less at the entire person and what feels right. Fewer topics are open for discussion or negotiation.
Type B folks believe more in good and evil, and in powerful gods who enforce social norms. They envy less, and better accept human authorities and hierarchy, including hereditary elites at the top (who act more type A), women and kids lower down, and human and animal slaves at the bottom. They identify more with strangers who share their ethnicity or culture, and more fear others. They have more murder and are less bothered by violence in war, and toward foreigners, kids, slaves, and animals. They more think people should learn their place and stay there. Nature’s place is to be ruled and changed by humans.

Types A and B map reasonably well onto today’s culture wars, with A the modern/liberal and B the traditional/conservative.(...) But in fact, type A vs. B are actually foragers vs. farmers. Which is my point: I think a lot of today’s political disputes come down to a conflict between farmer and forager ways, with forager ways slowly and steadily winning out since the industrial revolution. It seems we acted like farmers when farming required that, but when richer we feel we can afford to revert to more natural-feeling forager ways. The main exceptions, like school and workplace domination and ranking, are required to generate industry-level wealth. We live a farmer lifestyle when poor, but prefer to buy a forager lifestyle when rich. 
 Ver também a discussão nos comentários ao post, onde muitos leitores argumentam que a tese de Hanson não tem grande solidez.

Monday, October 04, 2010

Ainda sobre conservadores, contra-revolucionários, etc.

A respeito disto, lembrei-me de um comentário que estive para fazer na sequência deste post n'O Insurgente - não existem verdadeiramente "conservadores nos costumes", o que há é "reaccionários nos costumes": enquanto os "valores tradicionais" são realmente "tradicionais", ninguém se considera um "conservador social", porque a adesão a esses valores é simplesmente o default, não algo feito conscientemente e que requeira uma palavra ("conservador") para designar as pessoas que a eles aderam. É só quando começa a haver um conflito vísivel entre a(s) nova(s" cultura(s) e a cultura "tradicional" é que passam a existir auto-proclamados "conservadores nos costumes"; ou seja, os "conservadores nos costumes" só aparecem quando a sociedade realmente existente já não é a sociedade que eles dizem pretender conservar.

[note-se que o que escreve aqui apenas se aplica aos "conservadores nos costumes", não a outros tipos de conservadorismo]

Conservadorismo e Contra-Revolução

Conservatism and Counterrevolution [pdf], por Carey Robin (via Marginal Revolution):

Ever since Edmund Burke invented conservatism as an idea, the conservative has styled himself a man of prudence and moderation, his cause a sober—and sobering—recognition of limits. “To be conservative,” writes Michael Oakeshott, “is to prefer the familiar to the unknown. . .the tried to the untried, fact to mystery, the actual to the possible, the limited to the unbounded, the near to the distant.”

Yet the political efforts that have roused the conservative to his most profound reflections—the reactions against the French and Bolshevik revolutions, the defense of slavery and Jim Crow, the at - tack on social democracy and the welfare state, the serial backlashes against the New Deal, the Great Society, civil rights, feminism, and gay rights—have been anything but that. Whether in Europe or the United States, in this century or previous ones, conservatism has been a forward movement of restless and relentless change, partial to risk taking and ideological adventurism, militant in its posture and populist in its bearings, friendly to upstarts and insurgents, outsiders and newcomers alike. While the conservative theorist claims for his tradition the mantle of prudence and moderation, there is a not-so-subterranean strain of imprudence and immoderation running through that tradition, a strain that, however counterintuitive it seems, connects Sarah Palin to Edmund Burke. (...)

As the forty-year dominion of the right begins to fade, however fitfully, writers like Sam Tanenhaus, Andrew Sullivan, Jeffrey Hart, Sidney Blumenthal, and John Dean have claimed that conservatism went into decline when Palin, or Bush, or Reagan, or Goldwater, or Buckley, or someone took it off the rails. Originally, the argument goes, conservatism was a responsible discipline of the governing classes, but somewhere between Joseph de Maistre and Joe the Plumber, it got carried away with itself. It became adventurous, fanatical, populist, ideological. What this story of decline—and you see it on the Right as well as the Left—overlooks is that all of these supposed vices of contemporary conservatism were present at the beginning, in the writings of Burke and Maistre, only they weren’t viewed as vices. They were seen as virtues. Conservatism has always been a wilder and more extravagant movement than many realize— and it is precisely this wildness and extravagance that has been one of the sources of its continuing appeal.

(...)

In an influential essay, Oakeshott argued that conservatism “is not a creed or a doctrine, but a disposition.” Specifically, he thought, it’s a disposition to enjoy the present. Not because the present is better than the alternatives or even because it is good on its own terms.

That would imply a level of conscious reflection and ideological choice that Oakeshott believes is alien to the conservative. No, the reason the conservative enjoys the present is simply and merely because it is familiar, because it is there, because it is at hand.

Oakeshott’s view of the conservative—and it is widely shared, on the Left and the Right—is not an insight; it is a conceit. It overlooks the fact that conservatism invariably arises in response to a threat to the old regime or after the old regime has been destroyed.

Oakeshott is describing the old regime in an easy chair, when its mortality is a distant notion and time is a warming medium rather than an acrid solvent. This is the old regime of Charles Loyseau, who wrote nearly two centuries before the French Revolution that the nobility has no “beginning” and thus no end. It “exists time out of mind,” without consciousness or awareness of the passage of history.

Conservatism appears on the scene precisely when—and precisely because—such statements can no longer be made.

A procura de moeda

Para já, comentando sobre o significado da "procura de moeda" aumentar (não no sentido de crédito como por muitas vezes e erroneamente é utilizada a expressão), um dos grandes pesadelos da doutrina Keynesiana/monetarista/neo-clássica:

- Um aumento da procura de moeda (aumento de saldos monetários) costuma dar-se com o aumento da incerteza económica (o que costuma corresponder ao ciclo de recessão do ciclo económico, sendo estes inevitáveis depois de um ciclo de expansão na medida em que este tenha sido induzido por taxas de juro artificialmente baixas tornadas possíveis pela capacidade legislativa do actual sistema monetário em expandir o crédito por expansão monetária) ou político (conflitos, etc). É uma consequência e não uma causa em si mesmo.

- Um aumento de procura de moeda não deve ser visto como uma procura de X unidades adicionais de moeda, mas sim como um aumento de reserva de poder de compra. Ora, o primeiro efeito que um aumento da procura de moeda tem é a de proceder a uma baixa de preços nominais. E este efeito é curioso. Dado que o objectivo final é o aumento de poder de compra detido sob a forma de unidades de moeda, o aumento da procura de moeda tem o efeito cumulativo de descer os preços nominais e assim aumentar o poder de compra da anterior quantidade de moeda o que faz com que ex-post, o número de unidades de moeda necessário para atingir um dado poder de compra final-objectivo será menor que o ex-ante esperado (dado o nível geral de preços ex-ante e ex-post). E este é também um argumento contra a deflaçãofobia nas doutrinas económicas correntes, à medida que os preços vão caindo, o poder de compra dos saldos monetários prévios vai aumentando até um ponto onde o incentivo a serem utilizados é cada vez maior. Existe um efeito auto-correctivo que note-se com grande importância, não existe na inflação quantitativa de moeda (operada em norma em consonância entre os regime políticos e o sistema monetário).

Neste sentido, mesmo numa economia com quantidade de moeda invariável (fixa) nunca existe falta de moeda, existe sempre toda a moeda necessária, a sua procura é sempre satisfeita via descida nominal de preços e este efeito não significa que a estrutura de consumo versus investimento se tenha modificado (um argumento feito com insistência pelos "austríacos"). Genericamente, com o rendimento, existem 3 alocações possíveis decididas simultâneamente:

1- consumo
2- investimento
3- variação de saldos monetários

A variação de saldos monetários afecta o nível geral de preços, e a proporção relativa de consumo versus investimento (seja o que resultar de 1+2) não é mais do que uma preferência subjectiva que será expressa pela taxa de juro.

Assim, no exemplo dado pelo MM, o efeito das pessoas quererem acumular mais moeda é exercer uma baixa nos preços nominais (indo ao mesmo tempo aumentar o poder de compra real dos anteriores saldos monetários).

Sunday, October 03, 2010

O Pato Donald descobre os media conservadores



[Via Boingboing]

Roderick T. Long e Bryan Caplan sobre contratos assimétricos

Long e Caplan discutem aqueles contratos que dão mais poder a uma das partes do que a outra (um exemplo português poderiam ser aqueles contratos bancários em que o banco pode unilateralmente alterar o spread).

Long argumenta que tais contratos só são possiveis porque a regulação estatal torna dificil a entrada de novos concorrentes nesses mercados; Caplan contra-argumenta que (mesmo que estejamos a falar de monopólios criados pelo Estado) se os clientes preferissem contratos em que as cláusulas dessem igual poder a ambas as partes estariam dispostos a pagar mais por esses contratos alternativos; assim, a existência de "contratos desiguais" apenas significa que os clientes preferem essa desigualdade de poder a terem que pagar o preço mais elevado que custaria um contrato "igualitário".

Saturday, October 02, 2010

Acumulação de moeda e reservas fraccionárias

Uma possivel discussão entre um "keynesiano" e um "austríaco":

A - Mesmo que a poupança não seja investida mas posta no banco numa conta à ordem não há problema; num sistema de reservas fraccionárias esse dinheiro vai à mesma ser emprestado e acabará por ser gasto ou investido

K - Não, porque o banco não pode emprestar tudo; há sempre uma reserva que tem que ficar nos cofres

A - Isso é ínfimo

Neste post proponho-me demonstrar que, mesmo que as reservas sejam ínfimas (10%, 1%, 0.001%, etc), esse efeito não é infímo e acaba mesmo por ser indiferente qual a taxa de reserva.

Friday, October 01, 2010

Afinal não era só o Dr. Mengele que fazia experiências

US Apologizes For Intentionally Infecting Guatemalans With STDs In The 1940s, no Business Insider:
About 60 years ago, the United States government intentionally infected hundreds of people in Guatemala with gonorrhea and syphilis without their knowledge or permission (...).
"In 1946-48, Dr. John C. Cutler, a PHS physician who would later be part of the Syphilis Study in Alabama in the 1960s and continue to defend it two decades after it ended in the 1990s, was running a syphilis inoculation project in Guatemala, co-sponsored by the PHS, the National Institutes of Health, the Pan American Health Sanitary Bureau (now the Pan American Health Organization), and the Guatemalan government," (...)
Hillary Clinton and Kathleen Sebelius will offer public apologies today for the role of the U.S. Public Health Service in the Guatemala project.

"Although these events occurred more than 64 years ago, we are outraged that such reprehensible research could have occurred under the guise of public health. We deeply regret that it happened, and we apologize to all the individuals who were affected by such abhorrent research practices," they said. "The conduct exhibited during the study does not represent the values of the United States, or our commitment to human dignity and great respect for the people of Guatemala."

Today, the regulations that govern research funded by the U.S. government, whether conducted domestically or internationally "would absolutely prohibit this type of study" said Dr. Francis Collins, Director of the National Institutes for Health, in a phone briefing with reporters mid-morning on Friday.

(...)

The Guatemala experiments never provided any useful information and the records were hidden, according to Reverby. The full study can be read here.
[Via Twitter do Carlos Novais]

SMS e acidentes nas auto-estradas

Faz todo o sentido que alguém que esteja a escrever um SMS e a conduzir ao mesmo tempo tenha maior risco de acidentes; assim também faz todo o sentido que uma proibição de escrever SMS durante a condução reduza o número de acidentes. Infelizmente, parece que a realidade não concorda (via Radley Balko).

Apontamentos sobre a economia do "default"

[Nota: neste post por "default" refiro-me a uma situação em que uma instituição deixa de pagar as suas dívidas a tempo e horas; estou incluindo caso de renuncia ao pagamento, de suspensão provisória de pagamentos, de pagar, não na moeda contratada, mas noutro moeda, etc]

1. O risco de um Estado entrar em default pode aumentar-se a si próprio

Quanto maior o risco de um Estado não poder pagar as suas dívidas, mais altos serão os juros que terá que pagar para conseguir empréstimos, levando a maior despesa e aumentando ainda mais o risco de default (um corolário disso é que as previsões da agências de rating podem tornar-se profecias auto-cumpridas: mesmo que as finanças de um Estado estejam numa situação razoãvel, se as agências baixarem o rating do país provavelmente esse Estado vai ter que pagar mais juros, tornando a situação orçamental má mesmo que inicialmente não o fosse)

2. O risco de um banco entrar em default pode aumentar-se a si próprio

Se os clientes de um banco acharem que ele está em risco de não ter dinheiro para pagar aos depositantes, poderão ir levantar o dinheiro que lá têm depositado, aumentando ainda mais o risco

3. O risco de default dos bancos aumenta o risco do Estado

Como no mundo moderno quase todos os bancos funcionam com um aval (mais ou menos explicito) do Estado, o aumento do risco de um banco ficar sem dinheiro significa um aumento do risco do Estado ter uma despesa adicional com esse banco

4. O risco de default do Estado aumento o risco de default dos bancos

Aqui há dois mecanismos distintos; por um lado, quanto maior o risco de um Estado ficar sem dinheiro, menos seguros se sentem os depositantes de bancos "seguros" por esse Estado (já que significa que não estão assim tão seguros), podendo até levar muitos a transferir as suas contas para bancos sediados em países cujos Estados sejam menos arriscados (isso é particularmente provável quando vários países têm a mesma moeda, como na Europa, tornando simples fazer um transferência de um banco para outro; até há quem diga que o que tem salvado os bancos gregos é o isolamento geográfico face ao resto da zona euro).

E depois há o mecanismo mais simples - quanto maior o risco de default de um Estado, maior também o risco dos bancos a quem esse Estado deve dinheiro

5. Se um Estado da UE entrar em default, isso aumentará o risco de default dos outros

Apesar de tudo, ainda há a expectativa que a UE não vai deixar nehum dos seus membros falir, e essa expectativa reduz o risco que "os mercados" atribuem aos países membros; se essa expectativa se revelar errada e um país da UE "defaultar" isso vai subir o risco de todos ou quase todos os outros

6. Se mais algum banco importante da UE falir, isso aumentará o risco de os outros também falirem

O mecanismo aqui é tão parecido com o anterior que não vale a pena explicar

Conclusão - o que pode acontecer em caso de default de algum país ou de algum banco importante na Europa.

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]