Tuesday, April 30, 2019

"Sequelas"

Há dias, a respeito da sequela (ou não-sequela) do filme da "Mulher Maravilha" (no meu tempo era Supermulher, mas enfim...), alguém escrevia "Mulher-Maravilha é como James Bond: próximo filme com Gal Gadot não será uma sequela":

"É um filme independente da mesma forma que são os filmes de Indiana Jones ou James Bond, em vez de ser uma história contínua que precisa de muitos capítulos"
Veja-se como a definição de "sequela" mudou no século XXI:

No século passado quase todas as "sequelas" eram assim - filmes que podiam funcionar uns sem os outros (a única continuidade que havia era o primeiro filme apresentar os personagens e a sua história, e mesmo aí em muitos casos mesmo o primeiro filme pouco diferia dos outros - só nos de super-heróis é que tinha a parte de mostrar o aparecimento do herói) - não apenas no Indiana Jones ou no James Bond, mas também no Exterminador Implacável, Super-Homem, Batman, Rambo, Star Trek (os filmes), Alien, Karaté Kid, etc, etc Nalguns casos, nem os personagens se mantinham, sendo a sequela uma sequela porque a situação era parecida à do primeiro filme - Tubarão, Aeroplano, Poseidon, etc (e mais aqueles filmes de terror em que o personagem que passava de filme para filme era o monstro, como Pesadelo em Elm Street). E uma das razões para essa ausência de continuidade necessária até era porque frequentemente só se decidia fazer uma sequela depois do sucesso do primeiro filme. Filmes com continuidade necessária eram tão raros que um dos raros exemplos, "O Tigre de Eschnapur" + "O Túmulo Índiano", quando passava na televisão, passavam logo os dois "episódios" em dias ou pelo menos semanas seguidos, tão raro era para os espetadores a ideia de um filme que não começava e acabava no próprio filme.


Duas exceções, dos anos 80 - a Guerra das Estrelas e o Regresso ao Futuro (mas mesmo neste último a continuidade foi um bocado metida a martelo, de tal forma que tiveram que arranjar uma atriz à pressa para o segundo episódio).

No século XXI, pelo contrário, entrou-se na moda das sequelas com uma história continua - houve a ressuscitação da Guerra das Estrelas, e mais o Senhor dos Anéis, e mais o Hobbitt, e mais os Jogos da Fome, e mais o Insurgente/Divergente/Qualquercoisaente, etc. Os Piratas das Caraíbas parecem-me que, de episódio para episódio, também se estão a tornar cada vez mais contínuos, em vez de histórias largamente autónomas (já o Harry Potter parece-me que quase até ao fim foi compostos por episódios autónomos, e só nos 3 últimos episódios - correspondentes aos 2 últimos livros - começou a haver uma continuidade necessária).

Pegando nesta escala, antigamente por regra as sequelas eram tipo 0 ou 2 (penso que o tipo 1 - episódios com os mesmo personagens mas contraditórias umas com as outras - sempre foi muito raro); ultimamente tem estado na moda mais os tipos 4 e 5 (bem, o Exterminador Implacável e o Alien já eram tipo 4) - um raro exemplo de tipo 3 parece-me (já neste século, mas em relação a uma série do século passado) Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (em que o filme funciona bem sozinho, mas funciona melhor para quem tenha visto Os Salteadores da Arca Perdida e saiba da relação prévia entre "Indiana" Jones e Marion Ravenwood).

Outro post que escrevi vagamente sobre isto - Porque é que a "fantasia" tem sagas?.

Monday, April 29, 2019

Greta Thunberg e James Damore

Ainda sobre isso, Greta Thunberg, Autism and the Media, por Penny Andrews, em The Social Review

Friday, April 26, 2019

O centro e a direita como inimigos da liberdade

Who'll Defend Freedom?, por Chris Dillow:

In the last few days we’ve seen rightists attempt to bully Greta Thunberg out of the public sphere rather than engage with her arguments; Tony Blair’s demand for ID cards and that immigrants have a duty to integrate; and rightists (backfiring) efforts to shame Diane Abbott for drinking on a train. These all have something in common. They show that the right and centre are enemies of freedom*.

These are not the only examples, nor the worst. New Labour created thousands of new criminal offences, a trend continued by the Tory government such as in itsban on legal highs, its counterproductive porn block and its "hostile environment" policy. Very many Tories and Cuks voted last year against legalizing cannabis. Chuka Umunna, following the centrist Emmanuel Macron, wants to reintroduceforced labour. And of course demands to end freedom of movement and restrict immigration are by definition demands to curb freedom. (...)

Of course, rightists are quick to claim to value free speech. But Dawn Foster has a point: the infringements of freedom of which they complain are often no such thing but are instead the hitherto voiceless merely answering back.

Wednesday, April 24, 2019

Cooperação entre ratazanas

High mutual cooperation rates in rats learning reciprocal altruism: The role of payoff matrix, por Guillermo E. Delmas, Sergio E. Lew e B. Silvano Zanutto:

In this work, we trained rats in iPD against an opponent playing a Tit for Tat strategy, using a payoff matrix with positive and negative reinforcements, that is food and timeout respectively. We showed for the first time, that experimental rats were able to learn reciprocal altruism with a high average cooperation rate, where the most probable state was mutual cooperation (85%). Although when subjects defected, the most probable behavior was to go back to mutual cooperation. When we modified the matrix by increasing temptation rewards (T) or by increasing cooperation rewards (R), the cooperation rate decreased. In conclusion, we observe that an iPD matrix with large positive reward improves less cooperation than one with small rewards, shown that satisfying the relationship among iPD reinforcement was not enough to achieve high mutual cooperation behavior. Therefore, using positive and negative reinforcements and an appropriate contrast between rewards, rats have cognitive capacity to learn reciprocal altruism.

Saturday, April 13, 2019

O leite faz mal?

Regressou à ribalta a discussão se beber leite em adulto faz mal ou não.

O problema dessa discussão é que ninguém diz claramente as coisas como elas são:

a) a maioria dos seres humanos não consegue digerir a lactose em adultos

b) a minoria de humanos que consegue digerir a lactose é maioritária em Portugal (e de uma maneira geral entre povos que descendem largamente de pastores nómadas ou seminómadas, como os antepassados dos celtas)

A discussão sobre o leite normalmente ocorre com as pessoas que dizem "o leite faz mal" a referir-se aos dados mundiais (e sem explicarem que esses dados não são uniformes de país para país e não se aplicam a Portugal) e as que dizem que o "leite faz bem" a referirem-se aos dados portugueses ou no máximo europeus (e sem explicarem abertamente que esses dados não se referem ao conjunto da população mundial mas apenas a um subgrupo - é verdade que, quando querem dar um tom mais científico, explicam que tal se deve a uma mutação ocorrida há uns 6 ou 7 mil anos na Europa central, o que implicitamente exclui a maioria esmagadora dos humanos cujos antepassados não viviam há 7 mil anos na Europa central, mas tal não costuma ser dito explicitamente), dando a ilusão que há uma polémica onde não há nenhuma.

Wednesday, April 10, 2019

Direitos dos denisovanos?

Há mais de 10 anos, eu perguntava:

Imagine-se que se descobria, algures numa floresta ou num vale perdido, uma colónia sobrevivente de Homo erectus; qual deveria ser o seu estatuto? Deveriam ter os mesmos direitos que o Homo sapiens sapiens? Deveria ser considerados "animais", como os gatos e as cabras (o H. s. sapiens também é um animal, mas pronto)? Deveriam ter um estatuto intermédio?
Isto pode tornar-se mais relevante agora:
Os denisovanos podem ter sobrevivido até hoje (e podem estar escondidos numa ilha do Pacífico) (...)

Evidências arqueológicas sugerem que a migração para as ilhas ocorreu há 30 mil anos. Mas ao comparar os genomas dos “continentais” e dos ilhéus, a equipa de Cox adia a data até 15 mil. A única explicação para os dados genéticos encontrados é ter havido cruzamentos adicionais entre “continentais” e denisovanos.

Seria possível que em algumas dessas ilhas remotas ainda houvesse uma população que descenda diretamente dos denisovanos? O próprio Cox diz que não acredita nessa possibilidade, já que “até as ilhas mais isoladas têm demasiado contacto para que algo não seja notado”. Improvável sim, mas não impossível.
Já agora, esta minha passagem no post de 2008 entretanto ficou desatualizada:
Nomeadamente, as pessoas que dizem que "apenas o Homem tem direitos" não costumam ser muito claros no que querem dizer com "Homem" - a familia Hominidae? o género Homo? a espécie Homo sapiens? a subespécie Homo sapiens sapiens (se considerarmos que é uma subespécie)? Claro que o facto de apenas a última existir hoje em dia evita ter que pensar no assunto.
De há uns anos para cá que os chimpanzés, bonobos, gorilas e orongotangos são também incluídos na família dos hominídeos, o que já de si poderia levantar muitas questões e já obriga a pensar no assunto (fazendo lembrar um pouco o exemplo hipotético que Roderick T. Long deu há uns anos sobre  a questão se a lei significa o que está lá escrito ou o que os autores da lei julgavam que lá estava escrito: " If the law says that fishermen may not hunt mammals, then in fact the law says they may not hunt dolphins, even if the lawmakers had thought dolphins were fish. Likewise, if the law says that involuntary servitude is forbidden, then the government may not conscript soldiers, since military conscription is in fact involuntary servitude, even if those who wrote the law did not recognize this").

Thursday, April 04, 2019

Imagino que a coligação trumpista possa ter diferentes opiniões sobre isto

The U.S. Is Tracking Migrant Girls' Periods to Stop Them From Getting Abortions, por  Jennifer Wright (Harpers Bazzar):

We still don’t know where 1,488 migrant children are. The U.S. government lost them. They admit as much. Even though the court ordered a halt to the policy of family separation, 245 more children have been taken from their parents. So they can’t figure out where children separated from their parents are, but by God, they can keep track of teenage migrant girls' menstrual cycles.

There are 28 pages detailing the periods, pregnancies and reason for the pregnancy (whether by rape or not) of teen girls in custody, some of whom are as young as 12. There may well be reasons for the government to track whether or not a woman is pregnant, and how far along in her pregnancy she is, but there’s no reason to track the cause of her pregnancy. It’s pretty fair to assume that they’re not doing this because they want to ensure women know all the options regarding their pregnancy. It’s almost certainly an attempt to bar them from getting abortions.

We know that, because the tracking was done by the anti-abortion advocate Scott Lloyd, the head of refugee resettlement at the height of the children separation (he has since been removed from that post). Lloyd declared he needed to sign off on all abortion requests (this was previously not the case) and in one instance, attempted to use a migrant girl as a way to test an “abortion reversal” method. (...)

And what happens when these children are born? Well, that’s hard to say. However, we know that many migrant children have gone to Bethany Christian Services, an organization that has received hundreds of thousands of dollars from Trump’s education secretary, Betsy DeVos. It is also an agency that allegedly won’t place children with LGBTQ couples. Asylum-seekers are separated from their children, and then told by officials that if they don’t “behave” they will put their children up for adoption. (...)

And now, here we are again, with pregnant women being tracked to ensure they’ll give birth to babies that a 13-year-old mother may not find themselves equipped to raise. We have plenty of reason to suspect where the babies will end up.

If the government can compel marginalized women to have children to give to the government’s preferred people, then you don’t need to make jokes about how America is turning into The Handmaid’s Tale anymore. We’re already there. We just don’t have the bonnets.
Isto é um assunto em que os conservadores religiosos e os nativistas (ou pelo menos a ala mais biológica do que cultural do nativismo) poderão ter sentimentos diferentes - imagino que os últimos adorariam a ideia das raparigas imigrantes terem acesso fácil a abortos.