Wednesday, January 31, 2007

A ajuda às mães

Acerca do referendo, as instituições de apoio às mães tem sido apresentadas como uma alternativa ao aborto (e muitas - como a Ajuda de berço - foram criadas mesmo com essa intenção).

Eu (apesar de votar SIM e muitas dessas instituições serem dinamizadas por pessoas do NÃO), até acho isso um esforço bastante meritório. No entanto, pelas reportagens que vejo sobre essas instituições, não sei se atacarão o que talvez seja o problema principal (por outro lado, as pessoas que trabalham nessas instituições sabem muito mais dessa problemática do que eu, portanto eu não devia estar a mandar palpites). As gravidezes não-desejadas são sobretudo traumáticas na adolescência, já que as raparigas que são mães nessa altura acabam por deixar a escola e ir trabalhar, ficando, como se diz, "com a vida estragada" (e não me admirava nada que muitos abortos ocorram nessas situações); ora, para esses casos, mais do que fornecer lares, fraldas, ajuda para arranjar emprego (afinal, para as mães adolescentes, se calhar o maior problema não é não arranjarem emprego, mas sim o terem que arranjar emprego), etc., não seria melhor, enquanto continuassem a frequentar a escola (e se tivessem aproveitamento), dar-lhes (ou emprestar-lhes) dinheiro em valor aproximado do que ganhariam num emprego, para as permitir escapar à "armadilha da estagnação social" que muitas vezes a gravidez adolescente representa?

Claro que se calhar essas instituições (ou algumas delas) já fazem algo parecido com o que estou a dizer, e talvez muitas dessas raparigas já não tenham, à partida, grande aproveitamento escolar (ou seja, não sei se este meu post tem alguma razão de ser).

Dos comentários para um post

Num comentário a este post de João Miranda perguntei "porque é que consideramos que um par de gémeos siameses são duas pessoas e não uma?" (a questão é dedicada especialmente aos "pró-vida").

Direitos "negativos" e "positivos" - exercicio para reflexão

A respeito deste post de João Miranda e do que escrevi nos comentários (e também de uma discussão que tive já há algum tempo nos comentários do Arte da Fuga) imagine-se o seguinte cenário: o Pedro ocupa uma casa devoluta propriedade do João. O João vai à policia e pede para porem o Pedro a andar.

Pelo que eu percebo dessa conversa de "direitos negativos" vs. "positivos", "direitos negativos" são aqueles que exigem apenas uma omissão por parte dos outros, enquanto os "positivos" são os que implicam acção para serem realizados.

Questão - quem é que aqui está a reclamar "direitos positivos" e "negativos"?

Algumas respostas possíveis:

a) O João está a reclamar o "direito negativo" de não ver a sua propriedade invadida, enquanto o Pedro está a reclamar o "direito positivo" à habitação

b) O Pedro está a reclamar o "direito negativo" a não ser expulso, enquanto o João está a reclamar o "direito positivo" a assistência policial para expulsar o Pedro

c) Esta conversa de "direitos positivos" vs. "negativos" é potencialmente circular: para definir se um direito é "positivo" ou "negativo" é preciso antes definir que direitos são legitimos, logo é impossível usar o critério "negativo vs. positivo" para definir se um suposto "direito" é legitimo ou não.

Claro que haverá mais respostas possiveis além dessas (já deve ter dado para notar que a minha preferência vai para a c)

Adenda: o artigo da wikipedia sobre o tema tem o que me parece uma excelente definição - "if 'A' has a negative right against 'B' then 'B' must refrain from acting in such a way as to prevent 'A' from doing 'x'. If 'A' has a positive right to do 'x', then 'B' must assist 'A' to do 'x' if 'A' is not able to do 'x' without that assistance. For example, a negative right to life would require others to refrain from killing a person. A positive right to life would require others act to save the life of someone who would otherwise die" (já foram feitos comentários antes de eu fazer esta adenda, mas penso que a validade desses comentários em nada é afectada)

Tuesday, January 30, 2007

E depois das 10 semanas?

Do campo do "Não" recorre-se frequentemente ao argumento "E se uma mulher abortar depois das 10 semanas? O que é que lhe acontece?".

Em primeiro lugar, a maioria esmagadora dos casos que têm ido a tribunal parecem ser de abortos antes das 10 semanas; ora se mesmo hoje em dia, em que em termos penais é igual abortar às 8 semanas ou aos 8 meses, grande parte dos abortos já são feitos antes das 10 semanas, isso ainda será mais assim se o aborto até às 10 semanas for despenalizado.

Mas, vamos à questão - o que deve acontecer às mulheres que abortem a partir do prazo legalmente estabelecido? Acho que devem ser julgadas e, caso se comprove o facto, multadas (ou, em alternativa, efectuarem alguma forma de trabalho comunitário); talvez deva ser dada a possibilidade de uma mulher poder evitar o julgamento se confessar e aceitar submeter-se a uma pena pré-estabelecida. Também acho que a pena deve ser mais pesada para abortos depois das 20 semanas, quando já há actividade cerebral no feto.

Porquê multa e não prisão, perguntarão? Porque eu acho que a prisão, a fazer sentido, será como forma de impedir a continuação da actividade criminosa; ora, não me parece que a probabilidade de uma mulher que fez um aborto voltar a faze-lo se ficar em liberdade seja muito alta (no caso de que a auxilia a fazer o aborto - médicos, parteiras, etc. - já poderá fazer sentido a prisão, se o fizerem de forma regular)

Outra questão que se poderá pôr é "porquê às 10? Se o argumento é o da actividade cerebral, porque o limite não é às 20 semanas?". Pelo que li sobre o assunto, a mim não me repugnaria muito que o limite fosse às 20 semanas; no entanto, penso que o limite de 10 semanas é mais que suficiente para quem decidir fazer um aborto o fazer, logo também não me repugna que o limite seja às 10 (ou seja, não me repugna uma mulher ser impedida ou punida por efectuar um aborto após esse prazo - porque é que não o fez antes?). Além disso, tal como a construir uma ponte ou um prédio normalmente se contrói os alicerces com muito mais resistência do que a força que se espera que venham a suportar, talvez faça algum sentido estabelecer o limite para o aborto antes do momento em que, em principio, começa a actividade cerebral.

Nota importante - as multas que referi atrás devem ser calibradas em função do rendimento da mulher.

Sunday, January 28, 2007

"Esquadrões da morte" no Iraque?

O caso dos blogues pró-vida

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, ao contrário da minha camarada Helena Pinto, é me absolutamente indiferente a quem o blogue do não linka ou deixa de linkar.

No entanto, alguns argumentos usados para defender o link do blogue do não ao blogue Pela Vida (cujos redactores têm posições naquilo a que usualmente se chama "extrema-direita") soam-me a "desculpas de mau pagador":

Por exemplo, há quem diga "pois, o blogue-do-não linka a um blogue que por sua vez tem links para blogues de extrema-direita"; ora, o Pela Vida não é apenas um blogue que linka para blogues de extrema-direita; os links que lá estão referem-se aos colaboradores do blogue (estão sob o titulo "contributors"), portanto, se os sites dos colaboradores são de extrema-direita, o blogue é de extrema-direita (embora não necessariamente "neo-nazi" - pelos blogues que conheço, parece mais um "frente unida" de tradicionalistas, católicos integristas, neo-fascistas, nacional-"anarquistas", etc.; se há neo-nazis propriamente ditos, não sei).

Outro argumento é o de PPMascarenhas: "o facto de se lincar entre blogues não quer dizer concordância ou sequer simpatia, mas um convite ao debate ou ao confronto, que demonstra a mais livre das tolerâncias democráticas"; em abstracto, é verdade que um link não significa concordância ideológica (afinal, o blogue que faz mais links a artigos meus até é capaz de ser O Insurgente, com o qual desacordo em quase tudo); no entanto, o link do blogue do não para o Pela Vida está catalogado como "blogues alinhados":

















De novo, volta a repetir que me é indiferente a quem o blogue do não linka: este post não pretende ser uma critica a esse blogue, mas a algumas vozes (ou melhor, teclados) que sairam em sua defesa.

Já agora, antes que isto degenere numa discussão a respeito de quem e quem não é "extremista", informo desde logo que eu me considero de "extrema-esquerda".

Saturday, January 27, 2007

O aborto e o desenvolvimento do cérebro

Afonso Gaiolas/Jackal, no seu post Referendo sobre o aborto ou um aborto de referendo? (também postado como comentário neste blog), entre outras coisas, escreve:

Em coerência devo portanto afirmar que, sendo o valor da vida o mais importante na escala das pertenças individuais, a partir do momento em que cientificamente me provarem que a centelha existe, devem ser repudiados todos os actos contrários ao seu desenvolvimento e maturação.
Pois, pois, centelha é muito vago...
Estava só a tentar ganhar tempo para que o meu cérebro me ajudasse...
Disse cérebro?
Se trocarmos um rim, continuamos a ser nós próprios?
Concordam que sim!
Se trocarmos de coração, continuamos a ser nós próprios?
Concordam que sim!
E se trocarmos de cérebro?
Eu convictamente penso que não. Acredito aliás que a verdadeira fonte de longevidade para os seres humanos reside na substituição de "componentes", preservando ao máximo o único insubstituível - o cérebro.
Reside aqui portanto a resposta à minha pergunta.
É verdade que no momento da concepção, potencialmente temos uma vida a ser gerada. Mas estamos ainda no domínio das células indiferenciadas, e a verdade é que, mexendo os cordelinhos certos, ou errados, conforme o ponto de vista, podemos gerar uma miríade de monstruosidades que com a vida nada têm em comum. Não considero portanto que os inúmeros bancos de embriões existentes pelo mundo sejam imorais, uma vez que a essência de cada ser individual ainda não existe - que o cérebro ainda não se formou.
Parece ser cientificamente aceite que todos os principais componentes do cérebro são claramente distinguíveis praticamente cinco semanas após a concepção. Assim sendo, em nome da coerência, até essa data (ou qualquer outra mais precisa que cientificamente seja acreditada) não deveria ser criminalizada, penalizada, ou sequer moralmente condenável a decisão de inviabilizar a evolução do embrião.

A partir dai, Jackal expõe a sua tese de que o aborto só deveria ser legal até às 5 semanas, inclusive para os casos previstos na lei actual.

Eu até concordo com Jackal quando este diz que o nosso cérebro que faz de nós "nós" e acho que o inicio de uma "pessoa" pode ser estabelecido a partir do inicio da actividade cerebral. Agora a questão é - será que o cérebro já está formado às 5 semanas?

Mário de Sousa, em entrevista ao Jornal de Noticias:"O cérebro só amadurece a partir dos cinco meses, aí os neurónios conseguem permitir ao feto o movimento voluntário"

Carl Sagan, no livro "Biliões e Biliões": "Os cerca de 100 biliões de neurónios do cérebro constituem a base material do pensamento. Os neurónios estão ligados uns aos outros e as suas sinapses desempenham um papel fundamental no acto de pensar. Mas a interligação de neurónios em larga escala só começa entre a 24ª e a 27ª semana de gravidez".

É verdade que Mario de Sousa e Sagan referem-se à altura em que o cérebro começa a funcionar, não à altura em que o cérebro está formado. Eu, sinceramente, não sei se os neurónios já existem às cinco semanas; mas, mesmo que os neurónios já existam, se ainda não existem as ligações entre eles que permitem ao cérebro funcionar, poderemos considerar que o cérebro já está formado?

Friday, January 26, 2007

Re: A Economia do Aborto (II)

No post anterior propus-me desmontar a lógica dos argumentos de Pedro Arroja: é verdade que o custo económico de ter um filho é maior para uma mulher de classe média do que de classe baixa, mas também tem mais possibilidades de suportar esse custo, logo é impossivel determinar, numa perspectiva de pura racionalidade económica, que classe social terá mais tendência a fazer abortos.

Depois dos argumentos, os factos (ou, pelo menos, os estudos, que são sempre uma aproximação). Se irmos à página 16 do "Estudo Base sobre as Práticas de Aborto em Portugal"[pdf], temos a percentagem de mulheres, em cada nível de instrução, que terão praticado abortos:

Ensino superior........15,1%
Ensino médio.............13,2%
Ensino básico............15,4%

Pelos vistos (se pudermos fazer uma extrapolação entre classe social e nivel de instrução e classe social), quem recorreria mais ao aborto seriam as mulheres das classes baixa e média-alta e quem recorreria menos seria a classe média (curiosamente, está perto de ser o oposto do que Pedro Arroja previa).

Atendendo que as diferenças entre os diferentes grupos sociais são pequenas e podem ser facilmente atribuidas a erro estatistico, podemos concluir que o efeito "quanto maior o rendimento, maior o custo de oportunidade de cuidar de mais um filho" e o efeito "quanto maior o rendimento, mais dinheiro há para sustentar mais um filho" mais ou menos se anulam na decisão de abortar ou não.

No entanto, independentemente do aborto estar distribuido de forma igualitária pelas diversas classes sociais, é de assinalar que a repressão estatal cai sobretudo sobre as classes mais desfavorecidas: "No julgamento da Maia (...) foram arguídas seis desempregadas, duas operárias, uma cozinheira, uma costureira, uma cabeleireira, uma recepcionista e três empregadas do comércio".

Re: Economia do Aborto


Para uma mulher, o principal custo de ter um filho é um custo de oportunidade - a penalização sobre a sua carreira profissional e, no limite, a renúncia a uma carreira profissional e aos rendimentos que daí resultariam.

Ter um filho, para uma mulher que tem uma profissão, implica ter de empregar uma pessoa que tome conta dele e ficar ausente do trabalho durante vários meses, perdendo relevância e oportunidades de promoção, para além das faltas que passará a incorrer para levar o filho ao médico ou ficar em casa quando ele está doente. Não é um custo insuportável. Se tiver um segundo filho, a sua situação profissional vai complicar-se, aproximando a fronteira da inviabilidade. Se tiver ainda mais um - o terceiro - é praticamente certo que ela terá de ficar em casa e renunciar à sua carreira e vencimentos durante um certo número de anos.
Para uma mulher que já esteja em casa, este custo de renúncia é zero; para outra que ganhe o salário mínimo, este custo é o salário mínimo; para outra que ganhe dois mil euros por mês o custo é de dois mil euros por mês.

Dai, Pedro Arroja deduz que, para as mulheres de classe média, o custo de ter filhos é maior do que para as de classe baixa, logo estas (as de classe média) tenderão a ser as maiores "consumidoras de abortos" (e, portanto, as maiores interessadas na sua legalização).

Neste post vou-me concentrar sobretudo nos argumentos lógicos de Arroja, não se eles correspondem ou não em estatisticas do mundo real.

No entanto, refiro que é falso que se uma mulher tiver 3 filhos terá que renunciar à sua carreira profissional, mesmo que seja apenas durante algum tempo - a minha mãe teve 3 filhos e nunca interrompeu a sua carreira profissional por causa disso. Conheço pelo menos mais três mulheres que não acharam ter 3 filhos motivo para abandonarem a carreira profissional.

Após este aparte, vamos lá analisar a lógica do raciocinio de Arroja. Em primeiro lugar, o custo de oportunidade de ter um filho não é tão linearmente ligado ao rendimento potencial da mulher como tudo isso (cresce com um rendimento sim, mas não de forma tão directamente proporcional). Imagine-se que o custo de pagar a alguém para tomar conta de um filho é de 200 euros por mês. Se uma mulher tiver um rendimento mensal de 400 euros, qual serão os custos de cuidar dos filhos?

1 filho ........... 200 euros
2 ou mais filhos...........400 euros (porque, a partir de 2 filhos, sai mais rentável ficar ela a cuidar deles)

Se ganhar 1000 euros, até 5 filhos o custo será de 200 euros por filho, a partir dai estabiliza nos 1000 euros.

Assim, seja qual for o rendimento potencial da mulher, o custo de tomar conta de um filho adicional será sempre entre 200 e zero (embora é verdade que, quanto menor o rendimento, mais depressa se atinge o patamar em que o custo marginal é zero) - de qualquer forma, para as mulheres empregadas da classe baixa o custo de tomar conta de mais um filho não é muito diferente do que para as mulheres de classe média (em compensação, para as domésticas tomar conta de um filho adicional é muitíssimo mais barato - zero - do que para as empregadas, independentemente da classe social).

Também convém referir que, nos meios socio-económicos mais favorecidos a diferença de idade entre as gerações é mais elevada (já que demoram mais tempo a estudar, logo têm filhos mais tarde), de forma que as mulheres de classe média talvez possam mais facilmente pôr os filhos em casa dos avós (já que é maior a probabilidade de estes já estarem reformados).

Além disso, há também os custos de manutenção dos filhos e esses também tendem a crescer menos que proporcionalmente - uma mãe com um rendimento de mil euros pode gastar mais dinheiro em alimentação, roupas, etc. para os filhos do que uma que ganhe 400 euros, mas gastará 2,5 vezes mais? Penso que não.

Assim, se o custo com um filho adicional (o custo de oportunidade + custos de manutenção) não cresce necessariamente de forma proporcional ao rendimento, isso significa que o custo relativo (i.e., o custo em proporção do rendimento) de ter mais um filho pode, em muitos casos, ser maior na classe baixa, logo as mulheres dessa classe terem uma maior motivação económica para fazer um aborto (no fundo, quando menos dinheiro se tiver, maior, em termos comparativos, parecerá o custo de alimentar mais uma boca face ao custo - nomeadamente "custo ético" - de fazer um aborto).

Thursday, January 25, 2007

Os fetos sentem dor?

Can a fetus feel pain?, um texto apresentando várias teses sobre se e quando os embriões/fetos podem sentir dor. Atenção: a organização que apresenta o texto é patrocinada por uma clínica de abortos; no entanto, as diferentes teses parecem apresentadas de forma equilibrado (mas como eu sou "pró-Sim" a minha opinião sobre o que é "equilíbrio" também é suspeita).

Resposta a CGP

CGP, no Small-Brother, põe algumas questões aos adeptos do "sim". As minhas respostas:

1 - Sim; Sim
2 - Nenhuma; uma pena em multa ou trabalho comunitário (não prisão)
3 - Algures entre as 12 e as 24 semanas (a partir do surgimento de actividade cerebral)
4 - Sim, mas talvez financiado por um imposto especial aplicado às clinicas de aborto privadas
5 - Antes do aparecimento de actividade cerebral no embrião, não; depois, sim
6 - Sim
7 - Não

(As respostas 2 e 3 referem-se só a abortos não cobertos pelas excepções já previstas na lei)

Esquerda e Estado

Ainda a respeito da questão tender a ser (ou não) a favor da intervenção do Estado, como afirma João Miranda, acho que o pensamento de esquerda não tem nada a ver com a defesa da intervenção do Estado.

Sim, 99,5% da esquerda é a favor de "o Estado tirar dos ricos para dar aos pobres", mas o que a esquerda gosta nisso é do sintagma verbal* ("tirar dos ricos para dar aos pobres"), não do sintagma nominal* ("o Estado"): quanto se trata de intervenções estatais para beneficiar os "ricos", a esquerda (pelo menos, quando as reconhece como tal) costuma ser contra, talvez ainda mais agressivamente do que contra o "mercado livre" - veja-se a popularidade que o livro The Conservative Nanny State tem entre a esquerda norte-americana; mesmo a intervenção do Estado para defender os direitos de propriedade existentes, sem redistribuição em nenhum sentido (i.e., a função "clássica" do Estado), não é muito bem vista pela esquerda.

Por outro lado (ou pelo mesmo), a esquerda muitas vezes também simpatiza quando são "privados" a "tirar dos ricos para dar aos pobres" (ou a "tirar dos ricos dando alguma coisa aos pobres") - mesmo que não advoguem esses métodos, não é raro encontrar-se à esquerda uma certa admiração por figuras que tenham fama de fazer isso, como Pholaan Devi, Ned Kelley, etc. (e provavelmente seria o mesmo com Salvatore Giuliano, se este não fosse abertamente anti-comunista).

Aliás, até acho que, em abstracto, a direita até tem muito mais obsessão pela "autoridade do Estado" do que a esquerda.

*não deve ser esse o nome na nova gramática

Touradas

Penso que a maior parte das pessoas que são contra as touradas, são-no, não em nome do "direito à vida" do touro, mas do "direito a não ser torturado" do touro; i.e., o que repugna os anti-touradas é sobretudo o sofrimento do touro, não a sua morte (por isso, o paralelismo com o aborto, pelo menos nas primeiras semanas de gestação, não faz grande sentido). É verdade que esses activistas atacam mais a "tourada de morte" de Barrancos do que as "touradas à portuguesa" (aonde o touro é igualmente torturado), mas penso que isso é apenas por uma razão táctica (haver uma base legal para os tribunais proibirem essa tourada) não por, no plano dos principios, acharem a "tourada de morte" pior que a outra (e, seja como fôr, o touro é morto de qualquer maneira).

Legalização do aborto, uma causa natural da esquerda

João Miranda escreve acerca das supostas contradições da esquerda no questão do aborto:

"1. A esquerda gosta de defender os mais fracos, mas no caso do aborto toma partido contra a parte mais fraca"

A questão é se o embrião é uma "parte". E entre uma mulher acusada de aborto e o aparelho repressivo do Estado, a primeira é inequivocamente a parte mais fraca.

Apesar de tudo, este ainda é o melhor ponto de JM. Os outros quase que não fazem sentido:

"2. A esquerda tende a defender o controlo centralizado da sociedade e uma certa moralidade pública em questões como o emprego, a saúde e a educação"

Afirmar que a esquerda tende a defender o "controlo centralizado da sociedade" faz tanto (ou tão pouco) sentido como dizer o contrário: a esquerda tende a defender o controlo centralizado quando este é usado para o que a esquerda considera "atacar as classes dominantes" e a ser contra quando este é usado para "proteger as classes dominantes". P.ex., se o controlo centralizado for usado para obrigar um patrão a pagar salários mínimos, a esquerda é a favor; se for usado para impedir uma "comissão de trabalhadores" de sanear o patrão (mandando a GNR repor a "ordem"), a esquerda é contra. A única razão porque a esquerda, às vezes, parece defender o controlo centralizado per si é porque numa democracia tende a haver mais "controles centralizados" de "esquerda" do que de "direita", pelo simples facto de haver mais eleitores com rendimentos/riqueza abaixo da média do que acima.

Quanto à questão se a proibição do aborto é um "controlo centralizado" de "esquerda" ou de "direita", remete para o ponto 1.

"3. Para a esquerda a solução para a miséria é o apoio do estado. Nunca a iniciativa dos indivíduos para resolver os seus problemas."

O que caracteriza a esquerda é achar que a pobreza é consequência de uma "estrutura social opressiva" e que a solução para ela é mudar a sociedade, enquanto a direita tende a achar que a pobreza, ou é "natural" (eventualmente "divina") ou é culpa individual dos pobres.

Ora, querer resolver problemas sociais legalizando o aborto (e nem toda a esquerda defende a legalização nessa base) é querer resolver problemas sociais através de uma mudança na estrutura social (mais exactamente, de uma lei), logo encaixa-se na tradição da esquerda.

Já agora, até acho que o discurso do "apoio do estado" até vem mais da chamada "direita com preocupações sociais" do que da esquerda clássica; a posição tradicional da esquerda não é (ou era) tanto que os pobres precisassem de "apoio" mas sim de "justiça", e essa justiça ser feita pelo Estado e não de forma não-estatal (o modelo "Garino") é mais por uma questão prática do que filosofia profunda (afinal, a maior parte da direita - ainda maior que à esquerda - também defende que o seu conceito de justiça seja posta em prática através do Estado).

"4. A esquerda não reconhece as virtudes da liberdade de escolha quando se fala em questões económicas e sociais, excepto quando se fala de aborto. Toda a actividade económica e social tem que ser regulamentada porque a ordem espontânea é uma selva e as pessoas precisam de ser governadas e orientadas. A única situação em que a liberdade individual é virtuosa é no caso do aborto."

A esquerda, frquentemente, defende: a legalização das drogas; a livre imigração; restrições ao poder policial; o Estado laico; a legalização (ou facilitação, quando já é legal) do divórcio; um sistema penal que recorra pouco a penas privativas da liberdade; por vezes, o abaixamento da idade da maioridade (pelo menos, quando isso é uma questão politica relevante), a "gestão democrática das escolas" (enquanto a direita costuma, para o ensino público, defender "directores" nomeados pelo governo), etc.; franjas da esquerda mais radical também defendem que os alunos aprendem melhor se só estudarem quando lhes apetece; que os trabalhadores não precisam de superiores hierárquicos para nada; que viajar em planos de agências de viagens é "estupidificante", etc. Parece-me que a legalização do aborto encaixa perfeitamente nesse padrão.

"5. A esquerda gosta de regular os mais ínfimos detalhes da actividade privada, como se viu no caso dos arredondamentos dos juros ou no caso da regulamentação dos períodos de cobrança dos parques de estacionamento. Mas no caso do aborto é contra qualquer tipo de regulamentação."

Primeiro, duvido que a esquerda "
no caso do aborto [seja] contra qualquer tipo de regulamentação" (não sei de nenhuma esquerda que defenda a liberalização total do aborto até ao nascimento); em segundo, este ponto 5 não passa de uma cópia do ponto 4, logo repito o que lá escrevi.

"6. A esquerda aceita e pratica uma certa moralidade de estado. É por isso que podemos ver ministros preocupados com questões que são do âmbito da vida privada. "

A direita defende muito mais a "moralidade de estado" que a esquerda (normalmente a expressão "função pedagógica da lei" costuma sair mais de bocas ou penas de "direita" do que de "esquerda") - e se definirmos "
questões que são do âmbito da vida privada" como "questões que não afectam terceiros" a direita até é muito mais dada a intervir nelas do que a esquerda: as intervenções da esquerda costumam ser justificadas com o argumento de proteger terceiros, enquanto que a direita é mais dada a querer proteger o individuo dele próprio.

Colecção de Falácias

Quem quiser falácias pelo "sim", pode ir aqui ou aqui. Quem preferir falácias pelo "não", aqui, aqui ou aqui.

Wednesday, January 24, 2007

Mais qualquer coisa acerca do aborto

Entre os pró-vida, leio frequentemente argumentos do gênero "o momento decisivo no desenvolvimento de uma nova vida é o da concepção; a partir daí, há só evoluçãos graduais, até ao nascimento".

Então, visto da perspectiva do zigoto/embrião/feto/bebé, quais destas três situações são mais parecidas:

a) nunca ter sido concebido;

b) ser concebido e abortado às 8 semanas;

c) ser concebido e abortado aos 8 meses de gestação;

Para o "ser em gestação", parece-me que o grande salto é do b) para o c); para ele (ou ela), as hipóteses a) e b) são rigorosamente equivalentes: nunca ter existido, ou ter deixado de existir antes de "sentir" a sua existência é exactamente a mesma coisa; pelo contrário, é competamente diferente ser abortado aos 8 meses, numa altura em que o seu cérebro e aparelho sensorial estão totalmente formados e em que ele vai sentir perfeitamente o seu abortamento (a menos que seja anestesiado).

Assim, vendo as coisas pelo ponto de vista de um embrião/feto, o momento decisivo da sua existência é claramente quando adquire um certo grau de actividade cerebral, não o momento da concepção.

E é interessante que sejam as pessoas que mais insistem em equiparar o embrião a uma pessoa que menos procuram ver as coisas da perspectiva do embrião.

[Provavelmente, o Tiago Mendes tem razão quando diz que discussões sobre o estatuto do feto são inúteis, mas pronto...]

Eurodeputado do PP em acção

Com o bom nacional-patriota, ao som de "música ligeira portuguesa".



Via 31 da Armada (já agora, quem é este gajo?).

O futuro do Kosovo (II)

No Tugir, CMC responde à minha resposta anterior e escreve "Não podemos isolar o caso kosovar da realidade europeia. A sua afirmação: haverá coisa mais "destabiliziadora" do que tentar exercer soberania sobre uma população que não a aceita e já habituada a se ter "libertado" desse soberano - pode ser aplicada noutras partes do Velho Continente. Desde aqui ao lado, na vizinha Espanha, passando pelo Reino Unido e chegando ao Cáucaso. Por esta ordem de ideias, poderíamos chegar ao ponto de concebermos uma mapa europeu, no século XXI, próximo das fronteiras anteriores a Vestefália. Ou seja, um vasto conjunto de pequenos Estados".

Repare-se que eu escrevo «tentar exercer soberania sobre uma população que não a aceita e já habituada a se ter "libertado" desse soberano»; não é esse o caso em Espanha ou no Reino Unido (ou na maioria dos territórios europeus - ou no resto do mundo - com pretensões autonomistas ou mesmo separatistas): a Catalunha, Euskadi, Gales, Escócia, etc., não estão "habituados à ausência da soberania" espanhola ou britânica. Ora, é muito mais difícil "tirar" do que "deixar de dar" (que o diga qualquer governante que mexa com "direitos adquiridos").

Já o Caucaso é um melhor exemplo, e até ilustra o meu ponto - a "recuperação" da Chechenia pela Rússia deu origem a uma guerra sem fim à vista, e as tentativas do governo georgiano de recuperar o controle sobre a Abkhazia e a Ossétia da Sul também não parecem estar a correr de forma muito tranquila.

Tuesday, January 23, 2007

O futuro do Kosovo

Acerca do Kosovo, Carlos Manuel Castro do Tugir escreve que "há uma lógica de desmembramento da Sérvia, desde a guerra da década de 90, por parte das principais forças interventoras, que actualmente não faz sentido e a médio prazo é prejudicial para a região e para toda a Europa" e "que o Kosovo mereça um estatuto especial na Sérvia, concordo, até pelo facto da maioria dos habitantes ser de origem albanesa. Daí a tornar independente um Estado, totalmente artificial, vai um grande e nocivo passo".

CMC e eu concordamos que situação actual do Kosovo (uma espécie de protectorado da ONU) é insustentável a prazo; só para dar um exemplo, a "carta verde" não é válida para o Kosovo (nem para a Chipre "turco", já agora):

É usual argumentar-se que uma eventual independência do Kosovo seria desestabilizadora, já que iria acicatar ainda mais o nacionalismo sérvio. Mas agora imaginemos o caso contrário - que as Nações Unidas faziam um acordo com a Sérvia para o Kosovo voltar à soberania sérvia (em principio, com uma autonomia muito alargada). Será que os albaneses do Kosovo (habituados a terem uma espécie de auto-governo de facto) aceitariam tal situação? Duvido. E haverá coisa mais "destabiliziadora" do que tentar exercer soberania sobre uma população que não a aceita e já habituada a se ter "libertado" desse soberano? Imagine-se o que seria o governo sérvio a tentar fazer valer a sua autoridade no território, e a população e autoridades locais a recusarem a colaboração com o poder central. Nem me admirava nada que mesmo - ou se calhar sobretudo - questões simbólicas, estilo hastear a bandeira sérvia nos edifícios públicos, fossem pretexto para choques institucionais, com as autoridades locais a se recusarem a hastear bandeiras, o governo de Belgrado a exigir que a bandeira fosse hasteada, ambas as partes a tentarem usar os respectivos braços do aparelho de estado para impor a sua vontade, etc. (este exemplo é hipotético: se calhar a bandeira sérvia até já esta nos edifícios publicos kosavares, não faço ideia).

Uma situação desse género até me parece mais perigosa que o acicatar do nacionalismo sérvio dando a independência ao Kosovo: penso que hoje em dia, mesmo uma Sérvia ultra-nacionalista não iria iniciar guerras com os países vizinhos (embora admito que na Republica Sérvia da Bósnia o nacionalismo sérvio pudesse ter resultados mais perigosos que na Sérvia propriamente dita); pelo contrário, um Kosovo numa situação de "desobediência civil" seria um excelente caldo de cultura para um novo conflito armado.

Se calhar, em abstracto, a reintegração do Kosovo na Sérvia até pudesse ser a melhor solução, mas se fosse feita contra a vontade dos albaneses seria uma péssima solução concreta.

Além dos perigos para a estabilidade da região, também se pode argumentar com a incapacidade do kosovo ser um país viável: "O Kosovo conta hoje com uma taxa de desemprego elevada, próxima dos 50%, e é uma das regiões mais pobres da Europa. Considera estas condições propícias à independência?", escreve/pergunta CMC; provavelmente até não serão, mas, apesar de tudo, acho que as pessoas com melhores condições para decidir se a independência lhes é favorável ou não serão os próprios kosovares (uma questão diferente é a que abordei nos paragráfos anteriores: se a independência do Kosovo será favorável para o conjunto dos povos da região ). Além disso, não sei até que ponto o estatuto precário do território não poderá ser em parte responsável pelos problemas que este atravessa (ver, nesta noticia, a passagem "The Balkan province has been run by the UN since the 1998-99 war, leaving it unable to qualify for loans from global institutions such as the World Bank")

Isso significa que eu acho que a "comunidade internacional" devia incentivar a independência do Kosovo? Não. Acho que a melhor atitude é assumir uma posição no sentido de, enquanto não houver um acordo entre sérvios e kosovars sobre o futuro do território (seja ele a independência, o regresso à Sérvia, uma federação, etc.), ambos os territórios não teriam hipóteses de se candidatar à UE, de fazer tratados de associação com esta, talvez mesmo limitar a concessão de ajudas de instituições internacionais a ambas as partes, etc., a fim de incentivar uma solução negociada (já não sei é se resultaria).

Finalmente, caso se consume uma independência do Kosovo, a ONU deve assegurar o direito à auto-determinação e à reunificação com a Sérvia dos territórios de maioria sérvia, nomeadamente o que são geograficamente contíguos a esta.

Como o sensacionalismo pode dar para um lado ou outro


Drama - bebé nasceu após relação curta e foi vítima de adopção ilegal

MENINA ROUBADA AO PAI

Um jovem de 24 anos está separado da filha de dois anos e meio porque um casal de Torres Novas a mantém em seu poder indevidamente, desde os três meses de idade, na sequência de uma adopção ilegal.

Baltazar Santos Nunes viu ser-lhe confiado o poder paternal da pequena Esmeralda pelo Tribunal de Torres Novas, em Julho, mas o casal (ele é militar, ela vendedora de têxteis) recusa-se a entregar a criança e já lhe mudou o nome, oficiosamente, para Ana Filipa.

Em Cernache do Bonjardim, Sertã, onde reside e trabalha como carpinteiro, Baltazar Nunes disse ontem sentir-se “preocupado e angustiado por não saber como é tratada a Esmeralda”. Quanto ao Tribunal, que até agora não assegurou o cumprimento da própria sentença, um desabafo sincero: “Faz-me pensar que em Portugal não há Justiça. O que é mais importante do que o bem-estar de uma criança?”, pergunta.

Esmeralda Porto nasceu a 12 de Fevereiro de 2002, fruto de uma relação ocasional, que durou uma semana, entre Baltazar Nunes e uma cidadã brasileira. Alegando não ter condições financeiras para a criar, a mãe deu a filha, à margem da Lei, a uma amiga, que por sua vez a passou ao casal de Torres Novas, em 28 de Maio de 2002.

Ao saber da existência da Esmeralda, no fim da gravidez, Baltazar sujeitou-se a um teste de ADN. Confirmada a paternidade, de imediato pediu a custódia ao Tribunal da Sertã. Mas até agora apenas duas vezes viu a filha, apesar de já ter um quarto preparado para a receber. A mãe enganou-o dizendo que a tinha confiado a familiares de Lisboa e o casal que a tem consigo não o deixa chegar à menina. “No último aniversário tentei entregar-lhe um peluche, mas eles não me deixaram dar-lhe o presente, nem sequer vê-la”, contou Baltazar Nunes.

Na sentença de Julho, o Tribunal refere-se à idoneidade do casal que tem a Esmeralda, porque cuida bem dela e tem melhores condições económicas, mas sublinha que a menina foi adoptada “à margem dos trâmites legais” e tem direito a ser criada pelo pai biológico.

IMPOTÊNCIA E DESESPERO

SEM APOIO

O Tribunal pediu ao Instituto de Reinserção Social para prestar com urgência apoio pedopsiquiátrico à menina. A entidade não pôde ainda iniciá-lo, porque a criança não está com o pai.QUEIXASBaltazar Nunes já se queixou à PSP e à Polícia Judiciária. Mas só uma ordem de um juiz o pode ajudar a retirar a Esmeralda da casa onde vive. Ele promete “lutar até onde for preciso”.

ARREPENDIDA

A meio do processo, a mãe de Esmeralda arrependeu-se de ter entregue a criança e procurou reavê-la. Mas o Tribunal critica-a por ter ocultado a gravidez e não ter pedido ajuda.

SITUAÇÃO PODE SER TRAUMÁTICA

A entrega da menina ao pai biológico deverá ser feita após uma “aproximação gradual”, para que não se sinta “roubada” ao casal com quem vive desde os três meses, que são os “únicos pais que conhece”, disse ao CM Carlos Pires, psicólogo clínico, que considera esta situação “muito complicada”. “Com esta idade, já existe uma estruturação emocional e vai fazer- -lhe uma imensa confusão” deixar a casa dos “pais afectivos” e passar a viver com um desconhecido, explicou o especialista. Carlos Pires recomenda a “preparação planeada da menina” e dos “pais afectivos” para essa mudança na vida de ambos, em que deve imperar o “bom senso” de forma a impedir um “impacto traumático”.

Ainda o "caso Esmeralda"

No essencial, faço minhas as palavras de Gasel.

Monday, January 22, 2007

Mais um pró-vida



Abortion Policy in Albania (ficheiro "doc"):

Until 1991, abortion was permitted only when it was necessary to save the life of the pregnant woman or when her physical health was seriously endangered. Abortions were performed for any of up to 30 medical indications. In practice, abortions were sometimes permitted on all but economic or social grounds. All therapeutic abortions had to be approved by the medical commission of the district. The Criminal Code of 15 June 1977 (section 95) punished repeat offenders or those performing an abortion that resulted in the woman’s death or serious disruption of her health with eight years in prison. Otherwise, the punishment was re-education through work or detention for up to two years. A woman performing an abortion on herself without help was punished by a social reprimand or by re-education through work.

The restrictive nature of the law was largely a result of the population policy adopted by the Government of Albania, of which the law was an integral part. The Government pursued an aggressive pronatalist policy. It believed that a larger population was necessary in order to protect the country from foreign influences and exploit its natural resources, which were considered capable of supporting many more people. Prohibiting abortion was viewed as a way of maintaining a high birth rate. As part of the same policy, contraceptives were not imported into the country, and the sale of oral contraceptives was specifically prohibited.

This policy had dramatic health consequences. The maternal mortality ratio was the second highest in Europe, after Romania; an estimated 50 per cent of all pregnancies ended in abortion, mostly self-induced or performed under unsafe and unsanitary conditions. The number of premature births was also abnormally high.

By the late 1980s, the Government had recognized these realities and moved to counteract them. In 1989, the Ministry of Health issued a directive allowing abortions to be legally performed in cases of rape or incest or when the woman was under sixteen years of age.

Tecnicamente, Enver Hoxha (governante da Albânia até à sua morte, em 1985) não era um "pró-vida", já que admitia o aborto nalgumas situações; no entanto, como a "sua" lei do aborto era mais restritiva que a portuguesa (lei essa com que a maior parte dos nossos "pró-vida" convive sem problemas de maior), pode ser considerado um membro honorário do clube.

Sunday, January 21, 2007

Ainda acerca de cobaias

Pelos vistos, as cobaias da experiência eram mesmo os bloggers (agora uma autocrítica: não sei se se a noticia fosse "jornalista portuguesa detida pelo exército israelita" eu não teria acreditado automaticamente sem ter ido tentar confirmar).

Saturday, January 20, 2007

Será que a direita agora é fã do Ahmadinejad? (actualizado)

Pelas reacções do Insurgente e do 31 da Armada às imagens de um eurodeputado socialista numa festa com elementos dos Mujahedin do Povo (a principal organização da resistência iraniana), parece que sim.

É verdade que os Mujahedin são considerados "terroristas" pela UE devido às suas acções armadas contra o regime de Teerão, mas então espero que, em coerência, as mesmas pessoas condendem qualquer acção armada contra o regime do Irão, venha ela dos Mujahedin, de Israel ou dos EUA.


Adenda: o post de Henrique Burnay no 31 da Armada anula grande parte o que escrevi aqui.

Descubra as diferenças

À esquerda de Chavez (II) - trotskistas

Texto da Unidade Socialista dos Trabalhadores (o equivalente venezuelano do Ruptura/FER), já um bocado desactualizado (é de Novembro do ano passado):

Los revolucionarios y las elecciones

UST

Estamos en plena campaña electoral con miras al venidero proceso de elecciones presidenciales del tres de diciembre de 2006 y los venezolanos, sobre todo la clase obrera vamos a enfrentarnos a un panorama en el cual carecemos de una alternativa obrera para la toma del poder. Así pues la arena política tiene como principales protagonistas por un lado al actual presidente de la república y candidato por la reelección Hugo Chávez Frías y por otro a Manuel Rosales gobernador del estado Zulia de comprobada participación en el golpe de abril de 2002, firmante del decreto de Carmona Estanga y uno de los más activos colaboradores en el Lockout petrolero de diciembre 2002 - enero 2003.


Ahora bien ¿cual debe ser la posición de los revolucionarios y el movimiento obrero frente a este panorama? En primer lugar hay que señalar que la propuesta Rosales representa los intereses de la derecha más reaccionaria y de la burguesía más cuadrada con el imperialismo yanqui, constituyéndose por lo tanto un enemigo acérrimo de la clase trabajadora y del movimiento de masas en general, desde la izquierda debemos de manera ineludible alertar a los trabajadores y al pueblo advertirles el más profundo rechazo hacia esta propuesta electoral por ser como ya hemos mencionado un probado enemigo de los trabajadores y de las movilizaciones populares en defensa de las conquistas sociales obtenidas. Y al respecto de la candidatura de Chávez y su campaña por los diez millones de votos que?


En este sentido debemos hacer un análisis serio y objetivo de la realidad venezolana, tomando en cuenta aspectos como la relación con el imperialismo. Venezuela es un país independiente o es una semicolonia.


A este respecto hay que ser tajantes en señalar que Venezuela mantiene con el imperialismo una relación de país semicolonia y no de país independiente como lo fueron en un momento dado países como Libia y Nicaragua o como lo es Cuba, aunque este último cada vez más en menor medida debido al proceso de restauración capitalista que viene sufriendo desde finales de la década de los ochenta y su creciente dependencia del imperialismo europeo que ha llevado a un profundo retroceso de las conquistas alcanzadas por la revolución de 1959.


Este aspecto semicolonial de Venezuela en su relación con el imperialismo se refleja en la política concreta del actual gobierno que a pesar de todo el discurso radical y populista de su principal vocero continúa cumpliendo religiosamente cumpliendo con el pago de la deuda externa al punto de destinar para el año 2006 la cantidad de 14 billones de dólares para canelar servicio de la deuda; con esta cantidad de dinero se podrían construir fácilmente 400000 viviendas y solucionar la problemática de los ranchos de Caracas.


Por otra parte programas como el Siembra Petrolera amparados ley de Hidrocarburos aprobada en la V República y han convertido a las transnacionales petroleras en dueñas del 49% de los activos y reservas de petróleo y gas que les estén asignadas, pudiendo en el gas ser dueñas de hasta el 100%, esto contrasta con el discurso de PDVSA para el pueblo; junto con esto se podrían mencionar las espectaculares ganancias que están obteniendo las transnacionales ensambladoras de automóviles con planes como el Venezuela Móvil y las cifras records que han alcanzado los niveles de las relaciones comerciales con EEUU, que han convertido a Venezuela en el sexto socio comercial de este país por encima de países como Brasil y Rusia. Aparte de esto el ingreso al MERCOSUR ha convertido a Venezuela en un proveedor seguro y barato de materias primas para las grandes transnacionales del negocio de la agricultura, acrecentando así las ganancias de estas obtenidas de la competencia desigual.


Por si esto fuera poco Venezuela continua siendo miembro pleno y subordinado de la OEA, el FMI, la Iniciativa de las Américas, entre otros organismos de carácter recolonizador, por lo que sus riquezas y su política están totalmente abiertas a la rapiña y la injerencia imperialista.


¿Hay Posibilidades de un golpe de Estado?


La retórica oficialista hace alusión a la posibilidad de un golpe de estado, intento de magnicidio o invasión imperialista, siempre que necesita apoyarse en la energía revolucionaria de los trabajadores y el pueblo o ganarse el apoyo de sectores de la vanguardia; este constate chantaje impide a la misma analizar de manera objetiva la realidad, el golpe no puede venir de la nada, este tiene su origen en sectores de la burguesía descontentos con sus tasas de ganancia, y gracias a la política de concesiones del gobierno a la burguesía industrial, al capital financiero a las transnacionales, entre otros, estos están obteniendo ganancias escandalosas, mientras que el nivel de vida de los trabajadores pese a las misiones y la aplicación de engañosas políticas asistencialistas esta en franco deterioro.


Por mencionar apenas un ejemplo la tasa de ganancias de los banqueros asciende al 30%, mientras que el promedio mundial es del 10 al 15%, esto acompañado con la exención de impuestos a las grandes empresas nacionales y transnacionales, lo que representa una disminución para el tesoro nacional.


Así pues, estando la burguesía nacional e imperialista satisfecha con sus ganancias y reproduciéndose la dependencia hacia esta última al unto de una relación semicolonial, no hay posibilidades de golpe de estado y menos aún de agresión imperialista, por lo que se hacen inaplicables las tácticas de frentes antiimperialistas, antifascistas y cualquier otro tipo de organismo de colaboración con el estado burgués.


La Conciencia de las masas, la necesidad de construir una alternativa para la clase obrera y de un programa con independencia de clase.


Y cual debe ser la posición de los revolucionarios frente a las próximas elecciones, en primer lugar debemos como mencionamos al inicio del articulo marcar distancia con la alternativa de Rosales y cia, pero no podemos otorgar un cheque en blanco a un gobierno que beneficia al capital nacional y foráneo, en detrimento de los trabajadores, llamar a la abstención o al voto nulo constituye un garrafal error de ultraizquierdismo, en virtud del prestigio del que Chávez goza entre las masas y de las ilusiones que en este tienen depositadas los trabajadores, debemos de forma urgente presentar un programa alternativo de los trabajadores que contemple:


* Salario mínimo equivalente a la cesta básica, 1600000 Bs.

* Fuera las empresas mixtas del negocio petrolero.

* Suspensión inmediata del pago de la deuda externa, utilización de este dinero para la construcción de viviendas.

* Reducción de la jornada laboral, sin perjuicio del salario, así todos tendrán oportunidad de trabajar.

* Disminución de las edades para la jubilación tanto en el hombre como en la mujer.

* Inmediata discusión del contrato colectivo petrolero.

* Plan masivo de obras públicas.

* Creación de consejos obreros y control de estos sobre las industrias básicas, las empresas públicas y PDVSA.

* Reestatización de la CANTV.

* Reestatización de SIDOR.

* Aumentos de los presupuestos para salud y educación.

* Expropiación sin indemnización de los latifundios y las tierras ociosas.

Por otra parte debemos concentrar esfuerzos en la construcción de las formas organizativas que nos permitan movilizarnos en función de estas exigencias, no podemos plantear el hecho de votar para ver si logramos obtener algunas de estas reivindicaciones, debemos tomar acciones y exigir el cumplimiento de todas estas medidas, una vez que el gobierno cumpla con las mismas podemos discutir si acudimos a las urnas electorales.


Mais alguns textos desta corrente.

Friday, January 19, 2007

À esquerda de Chavez (I) - anarquistas

Documentos da Comissão de Relações Anarquistas da Venezuela. E também o editorial de El Libertario (o seu jornal):

La retórica incendiaria del gobierno venezolano seduce a propios y extraños en tiempos de globalización economicista y pensamiento único. Sus bravuconadas contra el imperialismo, el libre comercio, la guerra en Irak, la injusticia social y la pobreza despiertan solidaridades entre las personas que intentan construir un mundo mejor. El detalle está en que este discurso, pulcro y redentor, tiene muy poco que ver con las actuaciones de un ejecutivo con siete años en el poder. Incluso con frecuencia, es exactamente lo contrario. Ejemplos sobran, pero quizás el más evidente es el que vende la actual política energética como parte de una supuesta estrategia de soberanía petrolera. Y Venezuela, como tod@s sabemos, vive del oro negro. Desde El Libertario hemos venido informando las diversas negociaciones con las multinacionales energéticas, las cuales entran en una nueva fase con la instauración de las empresas mixtas, figura jurídica que asocia las empresas foráneas con el Estado venezolano.

Podríamos nombrar decenas de ejemplos en los que la política bolivariana real ni siquiera es merecedora del adjetivo reformista. Su incapacidad se diluye entre pugnas intestinas, demagogia, burocracia, una corrupción galopante y un sistema caudillista maquillado como democracia participativa. La gestión de viviendas es paradigmática en este sentido. Ante el déficit de millón y medio de casas, el gobierno ha construido apenas cien mil en los últimos cuatro años. Las cifras oficiales (www.sisov.mped.gov.ve) muestran que el gasto público en el sector como porcentaje del PIB fue en el 2004 (0,6%), menor que en los cuatro años anteriores a 1999. Y que en el 2005, el gasto en vivienda como porcentaje del gasto social (8,9%) fue menor que el trienio 96-98. El organismo encargado de ejecución de planes, CONAVI, fue sede de una reyerta a comienzos de abril cuando los solicitantes de viviendas descubrieron sus recaudos en los basureros del organismo. Los pocos complejos habitacionales entregados se han destinado a los activistas de partidos políticos del proceso, incluso se han dado casos, como en Maracay, en dónde diversos gangs de las policías regionales se han batido a tiros por el control de casitas sin terminar. Desde las altas esferas se promueve la invasión de propiedades como paliativo, mientras las chequeras de la nueva burguesía bolivariana son las únicas con acceso a viviendas dignas. Todo esto en medio de una gran bonanza económica producto de los altos precios del petróleo.

Para el ciudadano común palabras como “revolución”, “cooperativismo” y “participación” han perdido toda significación. Usándolas como eufemismos de las peores prácticas puntofijistas, la sin-razón bolivariana las ha vaciado de contenido y las utiliza como comodín para esconder el clientelismo y la flexibilización laboral. Ante tales despropósitos, los sectores conservadores del país se rearticulan, argumentando sin mucha dificultad las bondades de la gerencia de libre mercado, conceptos que ganan adherentes como solución a los desmanes de los adecos de boina roja. Como transición a ninguna parte, como expresión de la crisis estructural del país, el chavismo allana el camino para un feroz contraataque de los sectores de derecha. Las diferentes voluntades de cambio debemos a su vez mirarnos en el espejo chavista y mantener a raya a la pandilla de Marcel Granier y Primero Justicia. Retomar lo que haya que recuperar de las tradiciones revolucionarias y reinventar el resto. No aturdirse con cuentos embaucadores ni con maratones electorales, y dar organización a las iniciativas que más nos sirvan, medios que sean a su vez los fines deseados. Esta ética no tiene cargos ni millones para ofrecer, pero sí un pequeño tornado dentro de pechos que claman por un mundo en dónde las palabras y los hechos sean unidad indestructible.

Pais biológicos e adoptivos

A respeito do "caso do pai biológico e dos adoptivos", gostaria de fazer uma ressalva um bocado a contra-corrente: está toda a gente a dizer que é uma violência tirar uma criança à família que conhece há anos (quase 5) para a entregarem a um desconhecido. Concordo. Mas também é verdade que o pai biológico a reclama desde que ela tem um ano, e os pais adoptivos se recusam a entregá-la. Ora, se nessa altura a criança tivesse sido entregue penso que não seria uma violência muito grande: afinal, eu, pessoalmente, não me lembro de nada anterior a ter um ano e meio.

Sim, antes de saber que era o pai, este não ligou nada à filha e até teve que ser obrigado a fazer testes. Mas a partir daí passou a ligar; e a verdade é que, infelizmente, é natural que alguém, à partida, goste mais de uma criança que (julgue que) seja seu filho biológico do que duma que (julgue que) não seja.

Note-se que eu não estou a defender que a criança seja entregue ao pai biológico (nem que não seja), apenas que acho que este caso está a ser tratado muito a preto-e-branco.

Suspeita

Começo a desconfiar que os leitores de blogues são cobaias numa experiência.

Hugo Chavez, presidente-ditador?

O parlamento venezuelano aprovou, por unanimidade, uma lei dando a Chavez poder para legislar por decreto (inclusive de fazer leis que, à partida, requeriam 2/3 do parlamento); recorde-se que a maior parte dos partidos da oposição boicotaram as últimas legislativas e os poucos que concorreram (como o "Movimento para o Socialismo" e o "Bandeira Vermelha") não conseguiram eleger nenhum deputado.

Pelo menos em termos formais, parece-me algo equivalente ao Ermächtigungsgesetz do parlamento alemão de 23/03/1933, concedendo plenos poderes ao chanceler Adolf Hitler (bem, há uma pequena diferença - esta lei é por uma ano e meio, equanto a lei alemã era por 4 anos); aliás, penso que "Lei Habilitante" (a designação oficial da lei venezuelana) é quase uma tradução exacta de "Ermächtigungsgesetz" (pelo menos em inglês costuma ser traduzido para "Enablig Act").

O argumento de Chavez para pedir plenos poderes era que precisava disso para poder renacionalizar as empresas privatizadas pelos governos anteriores, mas essa conversa não me parece fazer grande sentido: afinal, penso que os governos que inicialmente criaram esses empresas públicas (depois privatizadas e agora em processo de renacionalização) não precisaram de "plenos poderes" para isso (suponho que o sector público venezuelano foi criado após a implantação da democracia, em 1958); num exemplo mais recente, Evo Morales não precisou que lhe fossem concedidos "plenos poderes" para nacionalizar o petróleo e o gás.

O tema tabu?

João Miranda escreve "O grande problema para o SIM é que o único salto abrupto do desenvolvimento humano ocorre no momento da fecundação. Todo o restante desenvolvimento é continuado não sendo possível identificar fronteiras claras". Na sequência do que escrevi aqui, pergunto ao João Miranda: e no caso dos gémeos univitelinos, será que a subdivisão do zigoto/embrião em dois não será um salto tão abrupto como o da fecundação?

Já agora, será que os adeptos do Não acham que, no caso de irmãos siameses, será legítimo um decidir matar o outro (por exemplo, decidindo unilateralmente uma operação de separação)? Eles provavelmente dirão "Claro que NÃO! Nós somos pró-vida!", mas a sua lógica implicaria que sim: afinal, se o momento em que uma pessoa passa a ser uma pessoa é o da concepção, isso quer dizer que, na realidade um par de gémeos siameses seria um único organismo, e uma das "cabeças" decidir acabar com a outra seria uma operação comparável à remoção do apêndice ou das amigdalas! [Antes que alguém me interprete mal, eu não estou a advogar isso - estou apenas a dizer que a conclusão lógica do argumento dos "pró-vida" é esse!]

Thursday, January 18, 2007

Proudhon, liberal?

Rui Albuquerque escreve que Proudhon estaria muito perto do liberalismo clássico. Primeiro, pensei em escrever um post refutando essa ideia (diga-se desde já que não percebo muito de Proudhon em primeira mão - o que conheço é mais através de Ben Tucker).

No entanto, se calhar Rui A. tem razão. Se adoptarmos alguns pressupostos (com os quais eu suponho que nenhum liberal vai concordar...) poderemos facilmente considerar Proudhon como uma "espécie de liberal". Aliás, diga-se que Kevin Carson (provavelmente o mais destacado proudhoniano da actualidade) considera-se um "libertarian" e "auto-coloca-se" no mesmo grupo que "libertarians" (i.e., liberais clássicos) como Thomas Knapp, Brad Spangler, Roderick Long, Sheldon Richman, etc.

Não se deduza disto que eu concorde que Proudhon esteja mais perto do liberalismo do que do socialismo, como escreve Rui A. O que acho é que Proudhon pode ser considerado um "socialista-liberal" (aliás, penso que ele mesmo escreveu que o anarquismo era a sintese entre o socialismo e o liberalismo) - afinal, se Burke e Tocqueville podem ser conservadores-liberais, porque não poderá também alguem ser socialista-liberal? Uma pessoa que advogue "a propriedade dos meios de produção pelos trabalhadores associados" (a forma como os socialistas, tradicionalmente, se auto-definiam) e que ache que o "mercado livre" é a melhor maneira de atingir esse objectivo (no fundo, era mais ou menos essa a posição dos anarquistas individualistas) preenche os requisitos mínimos para ser aceite tanto no socialismo como no liberalismo.

Mas será que podemos considerar que Proudhon defendia o "mercado livre"? Efectivamente, ele defendia uma economia de mercado e sem regulamentação estatal (na verdade, sem Estado), mas não aceitava concentrações de propriedade maiores que a que o individuo podesse pessoalmente utilizar - p.ex, não reconhecia a legitimidade de alguem possuir mais terras das que cultivava pessoalmente (ver O que é a propriedade?). Isso não será uma restrição ao "mercado livre"? Talvez sim e... talvez não!

Talvez não, porquê? Por duas razões: em primeiro lugar, eu não sei exactamente como Proudhon pretendia acabar com a tal concentração de propriedade (por culpa exclusivamente minha - a "Solução do Problema Social" está on-line e em inglês, é só eu ler se tiver energia para isso); se ele advogasse que os não-proprietários invadissem as propriedades dos grandes proprietários, isso, em principio, seria uma violação do "mercado livre"; se pretendesse acabar com a concentração da propriedade sobretudo através de mecanismos como cooperativas de crédito, que tornassem possível a toda a gente (se assim quisessem) tornar-se proprietário dos seus "instrumentos de trabalho", penso que não há nada aí de anti-liberal.

Vamos então a uma parte mais polémica - será que mesmo que Proudhon advogasse a ocupação de propriedades pelos não-proprietários (como, implicitamente, fazia o seu discipulo Tucker), isso não poderia ser consentaneo com o "mercado livre"? Para começar, tenho que confessar a minha ignorancia - não sei se a oposição de Proudhon à concentração de propriedade aplicava-se a todo o tipo de propriedade ou sobretudo à propriedade do solo (ou, no geral, à de recursos naturais) - modernamente, muitos proudhonianos fazem uma distinção entre estes dois tipos de propriedade (e isso pode afectar a resposta a dar à questão).

Agora, vamos imaginar a seguinte situação - imaginemos que eu adquiria (porque comprava, herdava, era-me dada, não interessa como) um pedaço de terra e no "contrato de aquisição" vinha um conjunto de cláusulas estipulando que eu só poderia ser proprietário desse terreno na condição de:

a) não possuir mais que "X" hectares de terra;

b) em caso de violação do ponto anterior, ao fim de 6 meses, qualquer pessoa poderia tomar posse da minha propriedade, desde que aceitasse respeitar estas cláusulas;

c) eu só poderia transferir a propriedade para alguém que também aceitasse estas cláusulas;

Não sei o que os liberais pensam, mas creio que estas regras, em si, não seriam contraditórias com o "mercado livre"; afinal, na sua essencia não são diferentes de, digamos, comprar um terreno sabendo que tenho que dar direitos de passagem ao vizinho do lado (são diferentes no conteúdo, mas não do principio de haverem condições anexadas à propriedade de um terreno). Aliás, se pesquisarmos os sistemas fundiários de várias sociedades tribais, por vezes encontramos regras parecidas, em que o individuo tem o usufruto do "seu" terreno, mas se morrer sem filhos ou deixar a aldeia, a terra regressa ao dominio da aldeia.

Claro que se pode argumentar que, neste exemplo se trata de uma regra aceite "voluntariamente", não de uma norma universalmente "imposta", mas aí levanta-se a questão da "aquisição original" da propriedade: como é que se adquire, pela primeira vez, a propriedade de algo que não tem dono e que direitos efectivos vêm incorporados nesse "direito de propriedade"?
  • Um "proudhoniano" dirá que a aquisição original de um terreno obtem-se com a "ocupação e uso" e perde-se se o proprietário deixar de "ocupar e usar" pessoalmente o terreno;
  • um "lockeano" dirá que propriedade obtem-se "misturando o trabalho" (no fundo, a mesma coisa que a "ocupação e uso"), desde que deixe o suficiente para os outros, e a partir daí, o dono pode fazer o que quiser com a propriedade adquirida;
  • um "rothbardiano" dirá o mesmo que o "lockeano", mas sem a restrição de "deixar o suficente para os outros";
  • outras correntes de pensamento (georgistas, adeptos da Escola de Chicago, etc.) lá têm as suas próprias teses a esses respeito;

[Já agora, este texto, em PDF, do rothbardiano Roderick Long poderá ter algum interesse para ver as diferenças entre as várias teses da "aquisição original"]

Ora, mas esta conversa toda interessa para quê? Para determinar o que é "mercado livre" ou não. Se aceitarmos a tese rothbardiana, uma invasão de terras será uma violação do "mercado livre" se o proprietário tiver obtido essas terras, directa ou indirectamente, do ocupante original (já que os direitos de propriedade estarão a ser violados). Pelo contrário, se aceitarmos a tese proudhoniana, um proprietário absentista exigir uma renda para alguém poder usar o seu terreno e recorrer à violência (estatal ou privada) para assegurar esse "direito" é que será uma violação do "mercado livre" (já que, segundo o conceito proudhoniano de propriedade, o titulo do suposto proprietário é ilegitimo).

Assim, de acordo com o sua visão da "aquisição original", os proudhonianos até podem ser classificados como os verdadeiros defensores do "mercado livre" e os georgistas, lockeanos, rothbardianos, etc. serão uma carrada de perigos intervencionistas, dispostos a recorrer à violência contra os "proprietários legitimos" (e poderiamos fazer um raciocinio idêntico para qualquer uma das outras escolas de pensamento).

Mas, por outro lado, se para definir se Proudhom era socialista eu estou a usar a definição socialista de socialismo ("controle dos meiso de produção pelos trabalhadores associados"), para definir se ele era liberal também deveria usar a definição liberal de liberalismo - e penso que quase nenhum liberal aceita a visão proudhoniana da propriedade como uma norma aceitável para a "aquisição original" (como alguns liberais que às vezes até vêem aqui, não sei o que eles terão a dizer).

Já alguem se antecipou a Rui Albuquerque

"Marx e Engels eram neste sentido liberais e até «conservadores»", Ernst Bloch, O Espirito da Utupia.

Porquê um referendo [titulo roubado]

Há muita gente que argumenta que a despenalização do aborto devia ser feita sem referendo. São vários os argumentos usados para tal:

Um dos mais clássicos é "O aborto é uma questão de consciência, e não se referendam questões de consciência". Por essa ordem de ideias, "questões de consciência" também não se votariam na Assembleia da República - a única posição coerente para as pessoas que pensam assim seria a desobediência civil pura e simples: arranjar alguns obstetras pró-legalização da IVG, abrirem e anunciarem abertamente clínicas para a prática de "aborto em condições" e voltarem a abri-las sempre que fossem fechadas pela policia, até o Estado desistir de aplicar a lei (até poderiam criar uma associação para certificar a qualidade dessas clínicas). Como penso que ninguém propôs tal coisa (o mais parecido com isso foi o "barco do aborto"), o argumento "não se referendam questões de consciência" não tem pernas para andar, por falta de coerência de quem o evoca.

E se o argumento for que "questões de consciência não se referendam, mas podem ser votadas na AR", então não me parece fazer sentido nenhum - na verdade, até me parece mais lógico defender o referendo para "questões de consciência" do que para "questões técnicas": numa questão técnica (p.ex., subir ou não o IVA) ainda se pode dizer que escolhemos para deputados as pessoas que achamos que percebem melhor desses assuntos, logo devem ser eles a decidir (eu não concordo com esse raciocínio, mas ainda tem umas migalhas de lógica); pelo contrário, numa "questão de consciência", não faz sentido argumentar que os "decisores" sabem mais que o cidadão vulgar.

Outro argumento é que "o Parlamento tinha legitimidade para despenalizar o aborto". Quando esse argumento vem da "Direita" (naturalmente obcecada com a "autoridade do Estado" e ideias afins), eu até compreendo a sua lógica; mas quando vem da "Esquerda", que por norma defende (com maior ou menor grau) que, mesmo entre eleições, o "povo" tem o direito de funcionar como um contra-poder ao dos "orgãos de soberania", essa posição torna-se um bocado surpreendente (afinal, provavelmente essas mesmas pessoas acharão - e com razão - falta de "cultura democrática" se o governo tomar uma decisão sem dialogar com os sindicatos).

Além disso, se esse argumento é formalmente correcto, na prática é falso, já que dificilmente seria aceite que um voto parlamentar anulasse um referendo, mesmo que este tenha tido 70% de abstenção (afinal, uma eleição não é anulada se tiver mais de 50% de abstenção; porque há-de ser assim com os referendos?).