Lendo o post do Miguel Madeira: Os economistas e a economia
Creio que em primeiro lugar é preciso enquadrar o que serão esses tais de neoclássicos (e ter em conta que os clássicos do séc- 18 e séc.19 não têm culpa do que os neoclássicos fazem - e claro, existe também muito valor nas contribuições destes últimos, como é óbvio).
Atentar a esta descrição na wikipédia:
"Neoclassical economics is a term variously used for approaches to economics focusing on the determination of prices, outputs, and income distributions in markets through supply and demand, often mediated through a hypothesized maximization of utility by income-constrained individuals and of profits by cost-constrained firms employing available information and factors of production, in accordance with rational choice theory.[1] Neoclassical economics dominates microeconomics, and together with Keynesian economics forms the neoclassical synthesis, which dominates mainstream economics today"
E assim esta "neoclassical synthesis, which dominates mainstream economics today" é que importa analisar porque é o que forma a quase totalidade do pensamento académico e político do pós Keynes. Se na micro-economia os neoclássicos predominam, na macroeconomia os neoclássicos não põe essencialmente em causa o neo-keynesianismo e ao qual se junta, diferentes formas de monetaristas. E uns e outros são muitas vezes indistinguíveis.
Ou seja, uns e outros constroem fantasias matemáticas, os mais neoclássicos com enfoque em muitos aspectos micro (como a tentativa de transpor utilidades ordinais em preferências cardinais para depois fantasiarem sobre soluções óptimas), os mais keynesianos sobre a modelização de variáveis ditas-macro e a mesma tentativa de chegar a recomendações e soluções óptimas.
Para mim, sobre isso e na tradição "austríaca"-libertarian:
- o eficientismo (também comum à doutrina dita liberal que vem de Chicago, e que igualmente provoca danos sérios ao liberalismo) não é um objectivo último em si mesmo. A maximização seja lá do que for, será apenas um factor de ponderação: a pessoa humana contém e deseja exercer as suas preferências subjectivas e o seu livre arbítrio, não são formigas imbuídas de uma matriz matemática que as impulsiona individualmente à máxima maximização social, seja esta determinada por neoclássicos ditos liberais e por mecanismo ditos privados (mas regulados, claro, por neoclássicos, para suprir “certas” deficiências do mercado, como informação assimétrica e imperfeita, etc.) nem por mecanismos colectivistas.
- e nem se o eficientismo constituísse um objectivo último inquestionável seria passível de determinação a não ser talvez como ferramenta de aproximação e modelização em sentido muito restrito, e aqui, no domínio da discussão teórica pura, é preciso contestar a validade de tentar transpor a verdade aceite que as preferências das pessoas são meramente ordinais (prefiro A a B a C) em cardinais (prefiro A três vezes mais que B e 4 vezes mais que C). Este truque é o que permite os neoclássicos brincar com os seus modelos matemáticos, depois de terem sido obrigados a reconhecer que o máximo que as pessoas conseguem fazer é ordenar preferências.
E uns e outros falham completamente na análise da moeda, crédito, ciclos económicos, na própria definição de taxa de juro, e essa é a razão porque as bolhas e crises continuam. A doutrina económica vigente recusa-se a colocar em causa a lógica dos bancos centrais e os males provocados pela expansão artificial do crédito permitida pelo sistema de reservas parciais quando tudo se resume a:
Faz sentido falar em investimento sustentável (a priori, tendo em conta a taxa de juro do mercado, preços dos recursos, expectativa de procura e preço final do produto, etc) quando este é financiado por emissão de moeda e não por poupança monetária prévia?
Continuando e um ponto de importância crucial na citação de João Pinto e Castro (JPC):
"A microeconomia - disciplina rainha da síntese neoclássica - adotou, aliás, uma metodologia oposta à da ciência experimental: partindo de um certo número de axiomas, vai por aí fora deduzindo teoremas em catadupa ao jeito de um manual de geometria. Tanto os axiomas como os teoremas são falsos, mas isso não incomoda os guardiões da teoria económica."
A ironia é que JPC parece insurgir-se contra o apriorismo e fazendo o caso pelo experimentalismo, embora se dê ao cuidado de dizer que os axiomas estão errados. Ou seja, fica por saber, se JPC achasse os axiomas certos, se JPC consideraria errado que as deduções certas (vamos considerar que seriam de lógica inabalável a partir dos tais axiomas certos) constituiriam verdades ou não.
A outra ironia é que JPC está certo no sentido em que a matemática no estudo a acção humana, com as suas preferências subjectivas e recursos e tempo escasso para escolher meios para atingir esses seus fins subjectivos, é à partida axiomaticamente de validade falsa.
Mas partindo do axioma da acção humana (o homem não pode não agir), a lógica e dedução argumentativa construída a partir daí torna-se universalmente verdadeira, como dizer, duas pessoas quando acordam uma qualquer troca de livre vontade, aumentam ambos a sua utilidade (muito diferente de pretender mensurar tal coisa).
E ainda para juntar à colecção de ironias, na verdade o "método científico" que é vigente ainda hoje em economia (Milton Friedman foi um radical pelo positivismo, construir modelos, fazer medições e previsões é a única via, à semelhança das ciências naturais) passa por pretender manter válido o experimentalismo, a observação de estatísticas, a colecção de dados, para a construção de modelos e os seus parâmetros, na mais pura tentativa de replicação do método experimental das ciências naturais. Uma mistura de estatística com matemática que por vezes vezes disfarçam o mais puro absurdo - o meu exemplo preferido disto é o multiplicador keynesiano (o investimento multiplica por X o rendimento), que considero um sério embaraço intelectual.
JPC não poderia ter arranjado melhor forma de resumir vários equívocos de natureza fundamental sobre a epistemologia corrente da ciência económica e a sua alternativa axiomática-dedutiva não-matemática da escola praxeológica de Mises.
PS: é engraçado como a matemática é uma ciência axiomática-dedutiva-apriorística, mas não pode aplicar-se à acção humana (e instintivamente devíamos ficar aliviados por isso), mas como a economia tem também de ser axiomática-dedutiva-apriorística, mas do tipo reflexiva-argumentativa. Os filósofos deviam dar conta disso. Só o homem pode estudar o homem e a sua interacção com o exterior, usando ferramentas do homem - a reflexão argumentativa, e não a matemática pura que falaria como que consigo própria.